Se o Mara Hope tivesse olhos, veria o Edifício São Pedro como um navio ancorado no mar de asfalto e concreto que convencionamos chamar Fortaleza. Foi nesse prédio-embarcação que o italiano Salvatore Leonardi, 70 anos, chegou nos idos de 1985. A decisão de se estabelecer por ali veio após a namorada cearense descobrir que estava grávida do primogênito. “Resolvi ficar para garantir a vida do meu filho”, revive. O tempo, implacável, escorreu como a maré. Os vizinhos, que àquele tempo lotavam os corredores em vai e vem, foram embora aos poucos. Hoje, apenas Salvatore e outros três proprietários resistem como moradores do prédio-símbolo da Praia de Iracema.
O apartamento não é grande — somente quarto, cozinha e banheiro —, mas viu-se crescer pela falta de habitantes ao lado. O corredor virou espécie de sala de jantar. A vida esticou-se até ali, de onde se enxerga o mar riscar o horizonte. Também é possível escutar os pombos empoleirados nas vigas. “À noite, eles fazem um barulho muito próprio. Chega a incomodar”, comenta.
Chegamos ao lar de Salvatore pelo elevador Otis, com portas sanfonadas e detalhes em bronze. “Ainda funciona?”, quis saber. “Funciona”, respondeu o senhor de fala mansa enquanto o aparelho percorria os andares à nossa frente. A porta não fecha mais. O bronze já não brilha. “Eu me benzo mentalmente toda vez que entro aqui”, ri-se. Quando se pode, ele desce os andares de escada. É um jeito de percorrer também os corredores da história labiríntica do prédio. A maior parte dos apartamentos do São Pedro mantém portas e grades trancadas. Não se entra ali há muito tempo. “Essa senhora daqui saiu há quase um ano”, aponta Salvatore. Uma outra lacrou a entrada a tijolos. “Essa também era inquilina, mas também já saiu”, adiciona.
A poeira nos corredores e ao pé das portas confirma as ausências. As ferrugens, os rebocos carcomidos, o lodo das paredes contrastam com a lembrança dos tempos áureos do residencial contíguo ao pomposo Iracema Plaza Hotel — o primeiro na orla marítima da Cidade. Era tempo em que gente de fina estampa circulava por ali, servida por garçons em fraques. Foi-se. As cinco estrelas caíram para três e depois já nem tinha classificação. O hotel fechou em 1991 para dar lugar a um conjunto de salas comerciais, que também não vingou
por muito tempo.
Salvatore acompanhou parte dessa história da varanda. “Fortaleza era uma cidade de trânsito menos caótico. Também não tinha esses prédios de 20 andares...”, relembra o morador. Entre as recordações do passado ressurgem as dúvidas. Salvatore procurou, entre os papéis, um recorte de jornal. Nele, se lia sobre a possibilidade de, ao prédio, ser incorporada uma torre parecida com aquelas que forjaram ao lado do São Pedro. Na opinião do morador, era preciso menos. Uma reforma, talvez. “Sabendo do melhor estado, as pessoas voltariam a morar aqui. Novas famílias poderiam ocupar esses corredores”, elabora, sabendo que é uma vontade distante. “Deveriam sempre dizer que é possível reformar, mas eu não sei”, cala-se. “Sei que é um pecado pro povo de Fortaleza que perde um pouco da sua lembrança. Paciência”. (Rômulo Costa)
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