Moradores de comunidades que passaram pelo processo de “pacificação” do tráfico de drogas aprovam a aliança realizada por facções outrora rivais. Sem se identificar, eles conversaram com O POVO e apontaram “benefícios” proporcionados pela medida. Garantias que há tempos haviam sido usurpadas pelos mesmos grupos que agora apregoam a “paz entre facções”. Dentre elas o direito constitucional de ir e vir, que antes se delimitava aos quarteirões onde residem. A nova realidade, porém, projeta um futuro de incertezas e risco.
“Está tudo muito mais calmo agora. Os caras estão unidos. Foi bom pra todo mundo. Antes, a gente não podia andar por outras comunidades. O risco era levar tiro mesmo. Hoje, andamos por qualquer lugar, numa boa”, comemora um jovem da comunidade da Uruca, no bairro Sapiranga, em Fortaleza. Com extensão que abrange nove comunidades, a região foi uma das primeiras a registrar acordo do tipo na Capital. Pacto que deve completar um ano em março.
“A moradia está mil graus! Não tem mais guerra, mortes e roubo. E se for pego roubando, apanha de pau. Voltamos no tempo. Ninguém atira em ninguém. E se tiver briga, vão ter que sair na mão. Resolver no braço!”, comenta outro homem, já na comunidade do Muro Alto, também na Sapiranga. Um terceiro morador, porém, destaca que os roubos e furtos continuam. Ele concorda, contudo, que as mortes diminuíram. “Que a guerra do tráfico acabou, é fato. Mas o resto continua no mesmo”.
Já na comunidade das Quadras, na Aldeota, e no Campo do América, no Meireles, o acordo firmado na última segunda-feira foi recebido com estranheza. “Prefiro não comentar, até porque fiquei muito intrigado. A quem interessa esse acordo? Ouvi falar em ordem dos presídios, mas a troco de quê? É estranho que grupos que viviam se mantando agora andem juntos, de uma hora pra outra”, desconfiou um morador da região.
Mas houve quem comemorasse. “Está muito melhor. A ordem agora é não roubar nem matar. As pessoas agora andam sem medo”, disse um jovem. Ele informou que está prevista para este domingo uma passeata pela paz nas ruas do bairro. Envolverá as comunidades do acordo.
“Tragédia”
Pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), a socióloga Camila Nunes Dias considera compreensível que os moradores apoiem a pacificação do tráfico, uma vez que não têm alternativas. Ela pondera, porém, que a situação possa evoluir para o surgimento de facções maiores e mais organizadas.
“É uma covardia o Estado deixar a população nas mãos dos criminosos. Até porque essa pacificação tem um forte componente de medo. Não é algo democrático, pautado pelo respeito. Mas, para eles, dos males o menor. Porém, você depender do crime para pacificar a sociedade traz um prejuízo enorme. E uma hora essa conta vai chegar”, alerta.
Camila estudou a atuação de uma das principais facções criminosas do País, o Primeiro Comando da Capital (PCC), que realizou processo de pacificação semelhante em São Paulo, no início dos anos 2000. Para ela, o Ceará tem uma oportunidade rara de corrigir o problema, uma vez que, no Estado, esse fenômeno é considerado recente.
“Isso vai demandar a fórmula do mais do mesmo: escola, iluminação, saneamento, creche. Dar cidadania aos moradores. Não pode ser combatido com o enfrentamento pela Polícia, que deve trabalhar com inteligência, prendendo as pessoas certas, que não sejam substituídas no dia seguinte. Mas deve haver um trabalho de prevenção, de amparo e apoio às comunidades vulneráveis”, apontou a socióloga.
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