Mobilidade urbana 10/01/2019 - 14h52

Conheça relacionamentos que nasceram sobre rodas

No emaranhado das ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas de Fortaleza, pessoas se conhecem, passeios são marcados e trajetos realizados. Conheça histórias de quem se aproximou por meio da bicicleta
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Júlio Caesar
Luana, Micael e Rafaela somam histórias de empatia e amizade proporcionadas pela bicicleta (Foto: Júlio Caesar).

Por Sara Cordeiro

Sobre duas rodas, entre idas e vindas pela Cidade, relações são iniciadas, construídas ou mesmo fortalecidas. Há quem diga que relacionamento, seja ele de que tipo for, é como andar em bicicleta de dois - um precisa acompanhar o ritmo do outro para que o caminho seja percorrido de uma maneira fluida. O analista de sistemas Micael Estrávulas, 34, que pedala desde criança e é ciclista urbano há três anos, é exemplo de quem conquistou amizades por meio da bicicleta: a também analista de sistemas, Rafaela Melo, 37, e a produtora cultural, Luana Holanda, 38. Rafaela começou a pedalar em 2015. “Estava pegando muito engarrafamento. Foi quando pensei na possibilidade de ir de bicicleta. Comecei a ir ao trabalho de uma maneira mais prática e rápida.”

Ela morava próximo à ciclovia da avenida Washington Soares, em Fortaleza, quando conheceu Micael. “Diariamente, passava por lá para ir ao trabalho. A ciclovia estava tomada de galhos de árvore. Desci da bicicleta, bati algumas fotos e publiquei em um grupo voltado a ciclistas, na internet. O Micael veio conversar comigo no inbox. A partir daí, nos juntamos para limpar o lixo”, conta. O analista de sistemas diz que, desde então, percebendo que realizavam o mesmo percurso, eles passaram a ir juntos ao trabalho. “Ficamos grandes amigos.” Rafaela afirma que, além de fazer o mesmo percurso, ela começou a ajudá-lo nas competições. “O Micael é atleta e eu passei a ser sua staff, pessoa que ajuda, faz foto, entrega as coisas, água e etc.”

Em abril de 2018, o analista de sistemas sofreu um acidente. “Ele estava pedalando. Havia um fio baixo caído na ciclovia. Micael não o viu e acabou sendo atingindo, fraturando o cotovelo e a mão. Ele me ligou e fui socorrê-lo. Eu o acompanhei no hospital durante e depois da cirurgia.” Rafaela diz que o vínculo entre eles se fortaleceu ainda mais quando sua mãe faleceu. “Ele estava comigo em um dos momentos mais difíceis da minha vida. Um cuidou do outro. Foi um irmão e me ajudou quando precisei. Isto me fortaleceu”, confessa.

Já a amizade de Micael com Luana Holanda começou de maneira mais delicada. A produtora cultural conta que começou a pedalar ainda criança. Em maio de 2018, ela foi atropelada enquanto pedalava na ciclofaixa da avenida Antônio Sales, em Fortaleza: um ônibus atingiu Luana, que passou meses internada no Instituto Dr. José Frota (IJF) e acabou amputando a perna direita. “Fazíamos a mesma rota, mas eu não a conhecia. No dia do acidente, eu passei, vi a cena, fiquei assustado e me sensibilizei. Passei a ouvir podcasts que contavam histórias de mulheres, uma delas era Virginia Hall, uma moça que perdeu a perna e virou espiã, na Segunda Guerra Mundial. Resolvi mandar para Luana via redes sociais”, relata Micael.

O analista de sistemas diz que, a partir daí, os dois começaram a conversar. “Não nos conhecíamos pessoalmente, mas criamos um vínculo muito forte. Sou atleta e admiro esportistas que possuem alguma deficiência. Qualquer coisa que eu acho, envio para ela.” Luana fala que, quando estava no hospital, recebia muitas mensagens de apoio e respondia a todas. Uma delas era a de Micael, que conheceu pessoalmente, na Praça Luíza Távora, por ocasião da reportagem. “O Micael continuava a mandar e eu pensei ‘Poxa, que cara chato”, mas sempre respondia. Ele falou que passava na via instantes após o atropelamento. Bela maneira de se conhecer alguém, não é? (sic).”Luana conta que soube depois que Micael sentiu-se mal com o que aconteceu a ela, em parte também por ser ciclista, e até brigou com um colega para defendê-la. “Se alguém lhe defende pelas costas, mesmo sem lhe conhecer, esse alguém merece sua atenção e consideração até o fim. Assim fiz e nos tornamos amigos.”

Luana diz que, hoje, Micael é seu maior incentivador. Ela afirma que as atitudes do amigo ajudaram-na a ser destemida. “Ele pedala muito, sou muito fã dele. Acompanho os treinos e vitórias e torço e fico feliz junto.” A produtora cultural conta como os incentivos de Micael trouxeram a ela vontade de seguir em frente. “Faz com que eu não sinta medo de pedalar novamente. Eu o chamo de sorte dentro do azar. Azar de ter perdido parte da perna, mas sorte por tê-lo encontrado no meio disso tudo. Sempre que consigo evoluir na recuperação, tenho alguém para dividir e comemorar junto. Mas há um momento muito importante que está guardado pra ele, que é a volta para o pedal”, finaliza.

Trajeto e cidade mais alegres

A cadista de escritório de arquitetura e urbanismo Mara Oliveira, 29, começou a pedalar há pouco mais de quatro anos. “Eu morava perto do trabalho e não tinha linha de ônibus perto de casa”. Foi em virtude da circunstância que pediu a bicicleta de um amigo emprestada e começou a ir para o trabalho pedalando. “Em questão de semanas, experimentei ir para a faculdade, que era um percurso mais longo. Adotei a bicicleta como meio de transporte e deixei de andar de ônibus e carro. “

Mário Sabino Divulgação
Mara e Filipe conheceram-se em evento ciclístico, em Recife, e estão juntos desde então.
Mara conheceu o noivo, o estudante de Educação Física Filipe Koeche, 21, em Recife, no Fixolimpiadas, evento nacional de bicicleta. Eles já estão juntos há um ano. “Por ser um encontro nacional, havia gente de várias partes do Brasil. Era um evento de cinco dias. Ficamos conversando e nos conhecendo. Por fim, ele acabou vindo para Fortaleza.” A ciclista diz que o noivo competia em eventos de bicicleta e que ela tinha perfil semelhante. “Quando nos conhecemos, eu o convidei para um desafio de 500 quilômetros de percurso. Foi com duas rodas que começamos a construir esse relacionamento. Hoje, moramos juntos com cinco bicicletas e tudo que fazemos as envolve.”

Os dois, conta Mara, fazem tudo de bicicleta. “Vamos ao barzinho, ao trabalho, saímos para jogar bike polo, um esporte em cima da bicicleta. Passeamos juntos e, quando estamos um pouco estressados, saímos no fim de semana para um pedal mais longo”. Ela diz que todos seus planos incluem a bicicleta. “Há um passeio que gostamos muito. Pegamos a bicicleta cedinho e vamos até a Taíba, a 75 km de Fortaleza. É uma estrada muito boa e gostamos. É legal fazer esse percurso pedalando”.

Up na interação

Mara diz que programas de bicicleta também a ajudam a conhecer mais pessoas – ela conta que tinha dificuldades de se relacionar e sair de casa, visto que era muito tímida. “Hoje, sou mais sociável. As pessoas me perguntam onde comprei a bicicleta ou como ela funciona. É um assunto que qualquer pessoa e em qualquer lugar pode conversar. Então, passei a ser mais interativa”, relata.

Filipe pedala há cinco anos. “Comecei na época em que sofria de depressão. Isso me ajudou com a interação social. As pessoas de bicicleta sempre têm algo em comum e falam sobre temas do mesmo interesse.” O estudante evidencia que por dois anos pedalou sozinho, mas que a bicicleta abriu novos relacionamentos.

“Há muitas coisas que eu e o Filipe fazemos. Vivemos a vida em relação à bicicleta. Conhecemos lugares com esse tema, como cafés e bares, que dão desconto para quem chega pedalando.” Mara, conta que eles acabam por criar uma vida social relacionada à bicicleta. Para ela, existe uma interação não só com quem está pedalando, mas também com a rua, com as pessoas que estão passando ou conhecidos. “Andando de bicicleta, percebemos que a parte social fica bem mais fluida. O trajeto e a cidade acabam ficando mais alegres”, finaliza.

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