Desde o último dia 23, a Netflix passou a ser alvo de críticas e de uma campanha de boicote. No centro da polêmica está "O Mecanismo", série criada pelo cineasta brasileiro José Padilha e pela roteirista Elena Soárez, que recebeu críticas por, em meio às adaptações dos fatos reais à ficção, mudar a autoria de frase e alterar data de acontecimento histórico. Outras produções também foram responsáveis por levantar discussões entre espectadores e especialistas. Confira, abaixo, quatro polêmicas envolvendo seriados nos últimos anos.
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Após lançamento de O Mecanismo, campanha #CancelaNetflix propõe boicote à plataforma
1. "O Mecanismo"A série, que tem como "cenário" a Operação Lava Jato, teve repercussão negativa e a campanha #CancelaNetflix propôs boicote à plataforma de
streaming. Entre as críticas à criação de Padilha está a passagem em que a frase sobre "estancar a sangria", na série, é dita por João Higino, personagem que se refere ao ex-presidente Lula. Porém, ela foi dita pelo senador e ex-ministro Romero Jucá (MDB), em 2016, em conversa com o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado. Outro exemplo foi o chamado Escândalo do Banestado, esquema de corrupção para envio de dinheiro ao Exterior, que foi descoberto durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1996, e na série é retratado em 2003, no mandato de Lula.
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Em 13 episódios, série discute temas como bullying, assédio sexual e estupro
2. "13 Reasons Why"Lançada pela Netflix em março de 2017, "13 Reasons Why" tem início com o adolescente Clay Jensen (Dylan Minnette) encontrando uma caixa com fitas cassetes gravadas por Hannah Baker (Katherine Langford), amiga por quem ele era apaixonado e que cometeu suicídio. Nas gravações, Hannah explica 13 motivos que a levaram a tirar a própria vida. Baseada no livro homônimo de Jay Asher, a trama aborda temas como
bullying, assédio sexual e estupro e dividiu opiniões nas redes sociais. Ao mesmo em tempo que recebeu elogios, foi sendo questionada sobre a possibilidade de ser um gatilho para pessoas com depressão ou tendência suicida. A cena em que Hannah comete suicídio foi uma das que mais causaram polêmica.
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Theon Greyjoy é obrigado por Ramsay Bolton a presenciar a cena do estupro de Sansa Stark
3. "Game Of Thrones"Baseada na obra "As Crônicas de Gelo e Fogo", de George R. R. Martin, a série "Game of Thrones", da HBO, gerou discussões com o episódio
"Unbowed, Unbent, Unbroken", exibido em 17 de maio de 2015. Nas cenas finais, Sansa Stark (Sophie Turner) é estuprada pelo marido, Ramsay Bolton (Iwan Rheon), em sua noite de núpcias, na frente do ex-amigo de infância e traidor da família Stark, Theon Greyjoy (Alfie Owen-Allen). As críticas apontaram que o casamento e a violência sexual não acontecem com Sansa na obra de George R. R. Martin e questionaram a necessidade de a cena estar na trama.
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Após denúncias de assédio sexual contra Kevin Spacey, Netflix demite ator
4. "House of Cards"No caso de "House of Cards", um acontecimento fora das telas mudou o curso do que estava planejado. Em novembro de 2017, o ator Anthony Rapp acusou o protagonista, Kevin Spacey, de tê-lo assediado em 1986, quando tinha 14 anos. Em nota publicada no Twitter, Spacey afirmou não se lembrar de ter assediado Rapp, descupou-se e revelou sua homossexualidade — o que foi visto por ativistas, celebridades e fãs como uma forma de usar a orientação sexual para desviar a atenção do caso. Após a declaração de Rapp, mais acusações vieram à tona, inclusive por parte de integrantes e ex-trabalhadores da equipe de "House of Cards". Com a denúncia, Spacey foi afastado das gravações da série e, em seguida, a Netflix demitiu-o e cancelou a cinebiografia de Gore Vidal, da qual ele era protagonista e produtor.
Ponto de vista
Por Gabriel Amora, repórter do caderno Vida e Arte, do O POVO, e crítico de cinema da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine)Uma visão deturpada daquilo que nós somos
O crítico de cinema Eric Rohmer afirmou que todo produto audiovisual é um retrato de sua época. A frase dita inúmeras vezes por outros críticos e especialistas de cinema e séries tem total sentido quando analisamos o que está sendo produzido atualmente. "Game of Thrones" do canal HBO, por exemplo, é uma série adulta, medieval, e que mostra o destino das mulheres em um mundo dominado por homens. Não há problemas nessa representação quando aquilo, de fato, aconteceu. O problema, no entanto, é a falta de crescimento, de avanço narrativo, como foi com a criança Sansa Stark, que foi estuprada na 5ª temporada. O estupro foi justificado pelos produtores que afirmaram que naquele momento histórico as mulheres serviam de escada para o desenvolvimento dos homens. O estuprador, aparentemente, precisava de mais motivos para ser cruel. A partir disso, é possível notar um sintoma machista do programa.
Anos mais tarde, a Netflix lança "O Mecanismo", série criada pelo brasileiro José Padilha, conhecido por seu trabalho em "Tropa de Elite 1" e 2. Com o programa, Padilha replicou algumas fake news que envolviam o Governo Dilma e a Operação Lava-Jato. A Netflix, que estreia os seus programas em 190 países de uma só vez, propagou a mensagem de uma corrupção violenta no Governo PT, lado a lado com a oposição, que é omitida aqui. Tais discussões são importantes e necessárias, mas precisam ser ditas com verdade. "Game of Thrones" e outras séries originais Netflix, como "O Mecanismo" e "Os 13 Porquês", que trata de depressão de modo terrível, falam de um público para um público. A verdade e a sinceridade com os personagens, que nos representam, precisam resistir. Caso contrário, a mentira tomará conta do nosso entretenimento.