MIELOMA MÚLTIPLO 15/01/2017

Pacientes recorrem à justiça

O uso de lenalidomida, quando há remissão do câncer, é a única opção para manter o tratamento. A substância, entretanto, não é certificada pela Anvisa, portanto não é distribuída no País
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Evilázio Bezerra


A professora Eliete Rodrigues, 54, começou a sentir dores recorrentes nas costas quando fazia faxina em casa, em julho de 2012. O incômodo, porém, não a deixou desconfiada. O alerta veio quando notou sangramento nas fezes. “Fiz uma bateria de exames e, somente em setembro, o diagnóstico se confirmou como mieloma múltiplo”, detalha.


A partir da análise, Eliete foi encaminhada para o Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce), um dos centros de referência para o tratamento da doença no Estado, além do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC). O transplante de medula óssea, indispensável para minimizar os efeitos da doença, só foi feito em maio de 2013, quando a saúde estabilizou-se. No entanto, em novembro do ano seguinte, houve remissão do câncer. A única medida apontada como eficaz pelos médicos para o caso, o uso de lenalidomida, não teve como ser realizada.


Por não ser certificado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a substância não é distribuída pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nem vendida no País. Com isso, a professora, que antecipou a aposentadoria por invalidez, teve de recorrer à Justiça Federal no Ceará para importar a droga.


O pedido, no entanto, foi indeferido. A solicitação da paciente só obteve êxito quando requereu a substância por meio da Defensoria Pública da União no Ceará (DPU/CE). A aprovação, contudo, só aconteceu em Recife, com parecer do desembargador federal Manoel Oliveira, da Justiça Federal em Pernambuco (JFPE).


“Comprovado que a autora necessita fazer uso do medicamento, devido ao estado gravíssimo da patologia que a acomete, imprescindível se mostra o reconhecimento do ônus do Estado de fornecer o medicamento, não merecendo acolhimento qualquer argumento em sentido contrário”, informou o parecer.


Após decisão, de janeiro de 2016, Eliete entrou com o pedido de 25 mg do medicamento na Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). Somente neste janeiro, após um ano, ela recebeu a substância, porém em quantidade menor: 20 mg. A quantidade só dará para um mês de tratamento. Segundo a Sesa, a próxima remessa do medicamento será agendada após a paciente encerrar o primeiro ciclo. “Se não for com o apoio da família, não dá pra ir adiante. Esperar pela Justiça e pelo Estado é dar de cara com a morosidade”, rebate Eliete, que coordena o grupo de apoio Admiradores da Vida, que tem 28 pacientes de mieloma.


De acordo com a DPU/CE, foram abertos 13 processos em todo o Brasil com pedido de obtenção do medicamento em 2015. Em Fortaleza, dois foram os casos. Durante 2016, foram abertos 14 processos no País, sendo quatro na capital cearense. Das seis solicitações no Estado, duas foram atendidas por liminar, garantindo em caráter provisório e parcial o acesso ao medicamento — uma foi de Eliete. Já as outras quatro solicitações não foram atendidas, seja por negação do pedido ou por óbito do assistido antes da decisão judicial.


Mesmo com o transplante de medula óssea, pacientes podem ter “recaídas”, quando dores mais fortes reincidem, como explica o médico hematologista e chefe do Serviço de Transplante de Medula Óssea do Estado, Fernando Barroso.

 

“Nesse caso, o uso de lenalidomida passa a ser necessário para a manutenção do tratamento”, informa.


Para a agência reguladora, devem chegar ao mercado “produtos inovadores que representem ganhos para a saúde da população”. “Nenhum medicamento pode ser registrado com dúvidas sobre o seu desempenho terapêutico, cabendo aos laboratórios interessados no registro a apresentação de estudos que sustentem os adequados níveis de eficácia e segurança de seus medicamentos”, afirma a Anvisa sobre a substância.


Com o tratamento completo, incluindo transplante e, quando necessário, o uso da substância, a sobrevida do paciente passa de três para seis anos. “Apesar de não ser curativa, a intervenção aumenta a sobrevida. Mas é importante ressaltar que é uma média. Já cuidei, por exemplo, de pacientes com sobrevida de dez anos, de 17 anos, inclusive sem o transplante de medula”, contrapõe Fernando. A doença, ele conta, é diferente em cada tipo de organismo. “Mas, a falta de medicamento torna o tratamento impossível. Não há nada que possa ser feito”, lamenta.


Um comprimido de lenalidomida de 25 mg custa R$ 1.426. Em um semestre no tratamento gasta-se, em média, R$ 257 mil. Nos Estados Unidos, a substância foi aprovada em 2005. Em países da Europa, em 2006. (Caio Faheina/especial para O POVO)

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