TRANSIÇÃO CAPILAR 22/05/2016

Reconhecer-se nos cachos

Redescobrir o próprio cabelo, após anos submetendo-o a sucessivas intervenções, como o alisamento, é uma decisão pessoal que repercute socialmente
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TATIANA FORTES
Questionar imposições sociais e valorizar o que a natureza nos deu é compreender que cada beleza é única


O sonho de alisar os cabelos chegou ainda criança para Cinthia Rodrigues, 28. Aos 11 anos ela alisou o cabelo pela primeira vez e seguiu a rotina de realizar o procedimento trimestralmente no salão durante cerca de 15 anos. Quando a vontade de deixar o alisamento químico chegou para a servidora pública, o processo ainda não tinha o nome de transição capilar. Assim como as outras mulheres ouvidas pelo O POVO, faltava-lhe a memória de como era a textura do cabelo.


“Meu cabelo nunca foi aceito por mim nem pelos outros, eu não tinha referências, e isso é muito difícil para uma criança. Somente adulta, após muito tempo, consegui aceitar, gostar da textura, procurar cuidados”, afirma Cinthia. Depois que parou os tratamentos alisantes, chegou a ouvir que ficava mais elegante com o cabelo liso. “As pessoas associam o cabelo crespo ao que é sujo, difícil de tratar e desarrumado”.


Para a psicóloga Gabriela Nunes, este movimento é extremamente prejudicial para qualquer indivíduo e é fruto do preconceito racial. “O cabelo cacheado, principalmente os mais crespos remetem à raça negra e isso é desvalorizado. As pessoas falam em cabelo bom ou ruim e isso é absurdo”. Para ela, toda intervenção deve ser feita com cuidado, principalmente quando se trata de algo que afeta a natureza biologicamente de cada pessoa. “A pessoas ficam abaladas, ofendidas, tristes. Se essa relação de preocupação estética chega na época da infância e adolescência, isso pode trazer sérios prejuízos para a autoestima”, observa.


A dermatologista Genúcia Matos concorda a respeito da supervalorização estética e a imposição de padrões sociais estabelecidos. Para ela, cada beleza é única. “Tem que manter aquilo que valorize o que a natureza deu a cada um. Essas modificações, muitas acabam trazendo prejuízos irreversíveis à saúde física e psicológica”, assevera.


A ideia de assumir os cachos e gostar do volume envolve uma questão de autoestima, de aceitação de si e do próprio corpo. O processo que foi difícil durante a vida, agora se tornou para Cinthia uma questão política. “É importante repensar onde você está colocando sua cara, sua imagem, seu cabelo, sua imagem para tentar reforçar uma ideia positiva em sociedade e buscar aceitar essa pluralidade”, sente.


Referências


Representatividade importa. Tanto que a mãe de Cinthia, dona Ana Rodrigues também resolveu conhecer os cachos aos 53 anos. Ela lembra que mesmo na infância usava lenços e mantinha os cabelos sempre presos. Desta vez, ela não fez como a filha, que esperou aos poucos o cabelo crescer. Como Ana mesma diz, “radicalizou” e cortou curtinho. Acha que vai ficar melhor quando os fios crescerem, mas já se sente mais leve e mais jovem.


Hoje, cada vez mais pessoas estão deixando a química de lado, ou mesmo as que nunca o fizeram, estão reaprendendo a lidar com a textura, com os cachos, e achando-se bonitas novamente. Para a psicóloga Gabriela, o movimento beneficia homens, mulheres e uma sociedade inteira.


Ela estimula que as pessoas que estão em processo de transição, permaneçam determinadas e enfrentem o preconceito, por mais difícil que seja: “É importante experimentar o outro lado, não desistir. E se depois que decidir resolver deixar liso de novo, não tem problema, o fundamental é que seja uma escolha autêntica, bacana e do coração. (Eduarda Talicy)

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