ARTIGO 27/03/2016

A transmissão da esquistossomose e a transposição do rio São Francisco

"Um empreendimento desse porte deveria contemplar ações para mitigar os impactos que causará à saúde da população"
notícia 0 comentários

A esquistossomose é uma doença grave causada, no Brasil, pelo parasito Schistosoma mansoni, que tem no homem seu hospedeiro definitivo e nos caramujos de água doce, seus hospedeiros intermediários. As pessoas são contaminadas pelo verme quando entram em contato com águas de rios, riachos, vales de irrigação e lagoas contaminadas. Em contato com a água, os ovos eliminados pelas fezes do homem infectado eclodem e libertam larvas que se alojam nos caramujos que, por sua vez, liberam novas larvas que infectam as águas e, posteriormente, o homem, pela pele ou mucosa.

 

A doença atinge principalmente moradores de zonas rurais. A maioria das pessoas não apresenta sintomas na fase inicial da infecção. Dependendo da fase em que a doença esteja, ela pode apresentar alguns sintomas, como diarreia, febre, tosse, moleza no corpo, prisão de ventre, dores abdominais e tonturas.

 

O projeto de transposição do rio São Francisco trará benefícios para o semiárido nordestino, em termos de aumento da disponibilidade hídrica da região, que possui somente 3% do recurso no País. Entretanto, um empreendimento desse porte deveria contemplar ações para mitigar os impactos que causará à saúde da população, visto que quando se aumenta a disponibilidade de água em uma determinada região, também cresce o risco do aparecimento de doenças de veiculação hídrica, como a esquistossomose.

 

A integração das bacias hidrográficas do Semiárido nordestino, com a transposição do rio São Francisco, pode contribuir para o aumento da incidência de esquistossomose na região. Ao interligar o “velho Chico” a pequenos rios de estados do Nordeste, há o risco de espécies do caramujo transmissor da doença migrarem pela água para locais onde ainda não estavam presentes e darem origem a novos criadouros. O Ceará só tem uma das três espécies do caramujo transmissor da doença, a Biomphalaria straminea, e o temor é que outra espécie do molusco muito mais sensível à infecção, a Biomphalaria glabrata, que está presente em outros estados do Nordeste e Sudeste, seja introduzida no Ceará por meio do projeto de transposição do rio São Francisco. A falta de saneamento básico adequado nos municípios por onde passarão os dois canais de integração das bacias hidrográficas do projeto é outro fator que deverá agravar a disseminação da doença no Semiárido nordestino.

O projeto prevê a construção de dois canais. O canal do eixo norte, por exemplo, que levará água para os sertões de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, foi todo traçado sobre zonas rurais, onde os moradores costumam utilizar a água não tratada de rios e açudes para suas necessidades básicas. Para estimar os possíveis impactos à saúde causados na região, alguns projetos têm sido realizados por nós em parceria com o Ministério da Saúde, Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) e a Fiocruz, onde já percorremos todo o canal do eixo norte fazendo um levantamento de quais municípios apresentam maior probabilidade de propagação da doença. Dos 44 municípios do Semiárido nordestino por onde passará o canal de integração do eixo norte, seis já tiveram casos confirmados de esquistossomose e em quatro foi observada a presença de espécies do caramujo transmissor infectado.

 

É preciso levar em conta os investimentos que devem ser feitos na área da saúde dos municípios onde os canais passarão para garantir assistência médica à população, caso ocorra um aumento do número de casos da doença.

 

No Estado do Ceará, estamos concluindo um projeto em que analisamos os riscos e calculamos o impacto da transmissão em seis municípios por onde as águas passarão. Nessas áreas fizemos coletas de moluscos, analisamos a água, coletamos fezes, urina e sangue de escolares de 7 a 14 anos de áreas próximas ao canal e avaliamos os serviços de saúde de cada município. Alem disso, em parceria com a Sesa estamos fazendo exames dos trabalhadores dos canteiros de obra da transposição, a fim de evitar que esses sejam os primeiros a contaminar o canal.

 

O ideal seria que esse trabalho fosse feito nos 21 municípios cearenses por onde vai passar o canal, mas Infelizmente falta apoio do Governo Federal. Traçar esse perfil antes das águas começarem a correr pelos canais é de suma importância para podermos fazer futuras avaliações inerentes ao impacto que essa obra causará nas comunidades por ela atingidas.

 

POR FERNANDO SCHEMELZER DE MORAES BEZERRA, coordenador do Mestrado em Patologia da Universidade Federal do Ceará

espaço do leitor
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro a comentar esta notícia.
0
Comentários
500
As informações são de responsabilidade do autor:
  • Em Breve

    Ofertas incríveis para você

    Aguarde

Erro ao renderizar o portlet: Caixa Jornal De Hoje

Erro: maximum recursion depth exceeded while calling a Python object

ACOMPANHE O POVO NAS REDES SOCIAIS

Erro ao renderizar o portlet: Barra Sites do Grupo

Erro: <urlopen error [Errno 110] Tempo esgotado para conexão>