O verde e branco do uniforme, a roda dentada do escudo e até mesmo o nome incomum de um dos maiores clubes do Cariri, que completou 55 anos em 1º de maio, possuem raízes históricas conservadas até os dias de hoje, mas a glória resolveu se afastar um pouco. De quase integrante da elite do futebol nacional no fim de 2013 a atual integrante da segunda divisão estadual - pelo menos até o fechamento desta edição da revista -, o Icasa tem um recorte de sua história que pode representar bem os altos e baixos vividos em mais de meio século da paixão de metade dos juazeirenses.
É difícil apontar qual equipe tem mais torcedores no Cariri. A rivalidade entre Icasa e Guarani não divide apenas a população de Juazeiro do Norte, mas também o estádio Romeirão, que tem metade da arquibancada em verde e branco e a outra metade em vermelho e preto. E mesmo com uma diferença de pelo menos 20 anos entre eles, o acirramento em campo se deu de maneira meteórica, graças ao começo avassalador do alviverde.
A origem do time é industrial. Nos anos de 1960, da sociedade de Teodoro de Jesus Germano, popularmente conhecido como Doro Germano, Antônio Correia Celestino e Feijó de Sá, três industriais, nasceu a ICASA, junção da primeira letra de cada palavra da Indústria e Comércio de Algodão S/A. A empresa, que ocupava um lugar onde hoje é conhecido como bairro triângulo, foi uma ampliação da Industrial de Óleos Cariri S/A, que já existia no fim dos anos 1950 e era comandada pelos sócios Antônio e Feijó, ainda sem a participação de Teodoro Germano.
Dos três, entretanto, Germano era quem nutria a paixão por futebol. Tinha praticado o esporte na época de estudante mesmo a contragosto da família e resolveu organizar uma partida de futebol no campo de barro localizado nos fundos da ICASA. Com uma grande maioria de funcionários da usina e alguns outros que trabalhavam no escritório, dois elencos foram formados para jogar apenas entre si. Camisas verdes de um lado, camisas brancas de outro. Era o time da folha contra o time do algodão. As cores se correspondiam. E esse confronto aconteceu diversas vezes em tardes de domingos.
A brincadeira evolui em 1963. Doro Germano decidiu inscrever o time da ICASA no campeonato municipal, organizado pela Liga Desportiva Juazeirense (LDJ), e assim se transformou no primeiro presidente do agora Icasa Esporte Clube, verde e branco, nascido no dia 1º de maio.
“O campeonato amador de Juazeiro tinha vários times que pagavam mensalidade a jogadores vindos de fora. Eram times amadores, mas que pagavam. Quanto ao Icasa, os jogadores eram os funcionários que trabalhavam na fábrica e treinavam após o expediente. Depois foi tomando corpo e começou a trazer atletas, inclusive com sede montada”, relembra o ex-jogador do Verdão, Nicácio Facundo, que também atuou na capital pelo Ceará.
O “bicho-papão” da LDJ na época era o rubro-negro Guarani. Nos primeiros dois anos de Icasa, mesmo reforçado por jogadores do Volante Atlético Clube, time dos motoristas, não houve força suficiente para quebrar a hegemonia do Leão do Mercado. A partir de 1965, no entanto, o jogo virou.
“O Feijó de Sá não participava muito do campo, era apenas o homem que injetava o dinheiro se precisasse, mas tinha um intercâmbio muito bom oriundo da ligação entre as fábricas de algodão, tanto que trouxe vários jogadores do Santa Cruz com idade estourada porque tinha muita amizade no Recife”, conta Nicácio. Com mais qualidade no elenco, o Icasa passou a fazer frente ao Guarani e de 1965 a 1972 conquistou o campeonato municipal oito vezes consecutivas. No escudo atual, o inesquecível octacampeonato está representado por estrelas acima do nome do time.
Esses oito anos de glória do Icasa foram suficientes para acirrar uma rivalidade com o Guarani e fazer crescer a torcida. Esta época também fez surgir ídolos, como o atacante Geraldino Saravá, ainda garoto. “Cheguei em 1969 no Icasa e saí em 1972. Fiz 160 gols com a camisa do time somente pelo campeonato municipal. Foram me buscar no Cedro. Lembro bem dos jogos no campo de barro da LDJ”, relata o ex-jogador, com passagens também por Fortaleza e Ceará. Ele, inclusive, reivindica para si a razão do Icasa ter saído da condição de clube amador para clube profissional.
“O Icasa só se profissionalizou por causa de mim. Quando eu fui para Sobral, em 1973, três meses depois me transferi para o Fortaleza, como a contratação mais cara do ano, cerca de R$ 30 mil, hoje. Os dirigentes do Icasa pensaram: ‘Estamos fazendo jogador para os outros ganharem dinheiro?’. E aí o time foi inscrito na Federação [Cearense de Futebol]”, relata.
De fato, em 1973, dez anos depois após fundado, o Icasa se filiou a então a Federação Cearense de Desporto (FCD) que, mais tarde, em 1979, se tornaria Federação Cearense de Futebol (FCF). Existem, no entanto, divergências sobre o motivo da jovem equipe se lançar a nível estadual.
“Foi o Romeirão que fez o futebol de Juazeiro se profissionalizar. A rivalidade foi ficando muito grande e o LDJ [ou Bandeirantes, como se chamava o campo de barro onde eram disputados os campeonato municipais] já não comportava mais. Em 1º de maio de 1970, inaugura-se o novo estádio e os dirigentes acharam que não tinha mais graça disputar só o certame local”, atesta Nicácio.
Fares Cândido Lopes, que viria a ser presidente da FCF nos anos de 1990 até 2004, na época comerciante, também teria incentivado e convencido dirigentes do Icasa e Guarani, filiados no mesmo ano, a disputar o campeonato estadual.
Foram 18 anos de campanhas regulares no Campeonato Cearense, sem maior brilho. Até que no ano de 1992, sob o comando do técnico Geraldino Saravá, o Icasa tornou-se o único campeão cearense do interior. Não do jeito que todo torcedor sonha, levantando taça e dando volta olímpica. Aliás, nem jogo de decisão aconteceu. Um imbróglio na realização do certame fez com que, por meio de um acordo, quatro times fossem declarados vencedores. O Verdão dividiu o título com Ceará, Fortaleza e Tiradentes.
Entre altos e baixos
Nos anos seguintes vieram as melhores campanhas do Icasa. Em 1993 e 1995 foi vice-campeão, deixando o título escapar para Ceará e Ferroviário, respectivamente. E, em 1998, no último ano de sua existência, o clube terminou na terceira colocação. Pode soar estranho, mas foi exatamente isso. Os 55 anos que o Verdão do Cariri completou em maio são marcados por três fragmentos de história. O velho Icasa sucumbiu em 1998 devido uma enorme dívida trabalhista com um ex-jogador chamado Lino, que chegou a trabalhar como técnico das categorias de base, posteriormente. Existiam outras contestações judiciais e a direção decidiu pedir afastamento do campeonato. Na mesma época, o rival Guarani de Juazeiro foi suspenso pela FCF pelo não pagamento da arbitragem de uma partida e também foi proibido de jogar a edição do 1999 do Estadual.
Com a proposta de representar a cidade de Juazeiro do Norte, numa suposta união entre Icasa e Guarani, adotando inclusive cores bem diferentes, como azul e amarelo, o dirigente Kléber Lavor conseguiu colocar o Juazeiro Empreendimentos no Campeonato Cearense e logo no primeiro ano foi vice-campeão. Na temporada seguinte, já livre da punição, o Guarani decidiu voltar, acabando com a ideia de junção do Juazeiro. O Icasa bem que tentou fazer o mesmo, mas ciente que as dívidas poderiam aumentar, decidiu permanecer como estava.
No ano seguinte, da cabeça do dirigente Zacarias Silva, surgiu a ideia de fundar um novo Icasa. O objetivo maior era driblar as antigas dívidas trabalhistas. Em 7 de janeiro de 2002 nasce a Associação Desportiva, Recreativa, Cultural Icasa, que aproveitou a queda do Juazeiro para a nova 2ª divisão, em 2001 e decidiu voltar como seu nome de origem. No primeiro ano, sob o comando do treinador Nicácio, não houve acesso, mas Flávio Araújo, na temporada seguinte, conseguiu recolocar o Verdão na divisão principal do futebol cearense. Era o começo do principal momento do novo-velho time em sua história.
O surgimento do Novo Icasa
O regresso do Icasa à divisão principal do futebol cearense era parte do chamado Projeto Dez Anos, proposto pelo presidente Zacarias Silva a partir de 2002, que previa recuperação em campo e estruturação patrimonial do clube. Na bola, o primeiro passo tinha sido dado, com o acesso para a competição estadual em 2004. Nos bastidores, o então presidente da Câmara Municipal de Juazeiro do Norte, Kléber Lavor, conseguiu recuperar um terreno que havia sido designado para a construção do Centro de Treinamento (CT) do Verdão.
Depois de finalizada a construção da sede-CT, a direção decidiu batizar o empreendimento de Praxedão, em homenagem a Praxedes Ferreira, um dos grandes treinadores do Icasa na época de futebol amador, tendo conquistado, inclusive, alguns dos títulos que juntos formaram o octacampeonato. E fora ele mesmo, anos atrás, que tinha dado o pontapé inicial do planejamento do espaço, quando o terreno foi adquirido pela Associação de Amigos do Icasa.
E não foi apenas com o Praxedão que a diretoria do Icasa teve que gastar para reerguer o time. Sem conseguir se livrar das dívidas mesmo com a mudança de razão social, pelo menos R$ 17 mil foram cobrados da agremiação para que a situação fosse regularizada. A ligação entre os dois Icasas que a justiça do trabalho viu, entretanto, até hoje é interpretada de forma diferente pela Federação Cearense de Futebol, que não reconhece um como continuação do outro, nem o Juazeiro como parte de ambos.
O primeiro ano novamente na elite foi discreto. O Icasa terminou a temporada 2004 em um modesto sétimo lugar, sem tanto brilho. Na temporada seguinte (2005), porém, o alviverde caririense faria uma campanha histórica, disputando o título estadual de igual para igual com o Fortaleza, tendo goleado o Leão na final do primeiro turno por 4 a 1 e não ficando com o título de campeão apenas porque o saldo de gols não era critério de desempate na grande final. O Icasa fez 3 a 1 no primeiro jogo e perdeu o segundo por 1 a 0. Na prorrogação, vitória do tricolor por 1 a 0.
O momento atual
A temporada 2018 para o Icasa começou no dia 1º de abril, na largada da Série B do Campeonato Cearense. Com recursos financeiros limitados, principalmente por ausência de apoio do poder público, a estratégia foi apostar nos garotos formados no Praxedão, Centro de Treinamento do clube, e em atletas pouco conhecidos do futebol cearense.
Uma outra aposta foi feita na Comissão Técnica. Erick Martins, ex-coordenador de base do Grêmio Novorizontino, de 38 anos, assumiu o comando do time por opção da empresa JM Brasil, que tem um convênio com o clube desde o fim do ano passado e pelo menos até o fim da Série B está responsável pela gestão da agremiação.
No primeiro trabalho dele em um time profisisonal, Martins classificou o Icasa para a Segunda Fase da segunda divisão do Estadual, mas não resistiu a uma campanha muito irregular e deixou o comando técnico do Verdão após onze partidas. Marcos Aurélio da Silva assumiu de forma interina por duas rodadas e Mastrillo Veiga, atual técnico, chegou na última partida antes da semifinal.
No fechamento desta edição, o Icasa estava a dois jogos de retornar à elite do futebol cearense. A condição: vencer o Barbalha em dois jogos no Cariri. A missão não era nada fácil, uma vez que o time da cidade vizinha foi o melhor da segunda fase e vive um momento mais sólido que o octacampeão juazeirense.
O fator “camisa”, no entanto, poderia pesar a favor do Verdão. O Icasa tem mais tradição que o concorrente e não é raro que isso faça a diferença no futebol.
Tendo como presidente o Major Valdenor Agra, o Icasa terá que buscar sanar problemas internos, especialmente financeiros, caso troque de divisão. A parceria com a JM Brasil não deve ser mantida e o dirigente não nega que terá que correr atrás de novos recursos.
Mesmo distante do Projeto Dez Anos, que levou o Icasa a patamares nunca sonhados, a esperança é de que um possível acesso contribua para a recuperação do Verdão nos gramados.