ENTREVISTA 04/06/2018 - 07h00

"Foi muito duro [...] Esse mundo é muito machista"

Expoente no judô feminino nacional, Rosicleia Campos esteve no Crato no último final de semana para evento do esporte. Em bate-papo com as Revistas O POVO, a carioca falou sobre carreira e desafio de levar o judô feminino à independência
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Kelly Hekally kellyhekally@opovo.com.br
Divulgação
Rosicleia Campos, atualmente, é o mais expressivo nome feminino no judô nacional

Por meio do comprometimento e da obstinação dela, corações brasileiros vibraram nos últimos anos com conquistas mundiais de judocas brasileiras. Treinadora da seleção brasileira de judô até 2017 e atual coordenadora técnica de judô feminino nacional, Rosicleia Campos foi a responsável pela primeira medalha feminina brasileira em uma categoria individual, cuja vencedora foi a judoca Ketleyn Quadros, e de outras que chegaram ao País pelas mãos de nomes como Sarah Menezes e Rafaela Silva. A carioca de 48 anos eleita em 2011 "Melhor Técnica" pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) bateu um papo com as Revistas O POVO no último dia 30, dias antes de sua chegada ao Crato, região do Cariri, onde participou do Encontro Sesc de Judô, realizado pelo Serviço Social do Comércio do Ceará (Sesc-CE). 

Como iniciou seu engajamento no judô?
Entrei no judô em uma academia perto da minha casa quando eu tinha onze anos. Eu faltava às aulas do catecismo para ir para o judô (risos). Meus pais, quando descobriram, não me repreenderam: me apoiaram e me matricularam. Tive uma identificação e um rendimento muito rápidos com o judô. Fui então convidada para ir para o Clube do Flamengo e aos 15 anos realizei minha primeira viagem internacional para jogar. Fiquei por quase 15 anos no Flamengo. Em 2000, entrei como técnica auxiliar para as Olimpíadas de Sidney e em 2001 comecei com técnica da seleção juvenil. Depois, fui para a equipe júnior e em 2005 para a sênior, onde fiquei até o ano passado.

Ser treinadora foi algo pensado?
Na verdade, eu tinha vontade de ser treinadora, por conta do gap que eu sentia quando era atleta de um conhecimento mais científico, fundamento sobre o judô. Por isto, fiz pós-graduação e cursos na área.

Você é conhecida por um estilo pulsante nos tatames...
É natural, pelo envolvimento mesmo. Com a minha postura, eu luto junto. É uma coisa de quase derrubo sem encostar.

Você abriu precedentes e levou judocas brasileiras a títulos ainda não alcançados. Como vê essas conquistas?
Vejo que as atletas antes de mim e as da minha minha época possibilitaram que as atletas de hoje alcançassem esse status. Minha chegada deu autonomia de voo à categoria. Uma das condições era a gente conseguir essa independência em relação ao judô masculino, ter esse empoderamento da classe, já que temos necessidades diferentes. Não temos o mesmo nível de investimento.

E como foi fazer frente a um modelo mais tradicionalista, dominado por homens?
Foi muito duro. Foram muitas noites chorando, vontade de desistir. É tanta gente falando contra que você chega a se colocar em dúvida se está mesmo fazendo a coisa certa. Mas graças ao apoio familiar eu consegui seguir em frente. Esse mundo é muito machista. O entendimento de muitos era de que eu estava retirando um espaço que era deles, porque eu era nova, era mulher.

Chama atenção o fato de você ter optado por ser mãe em meio ao auge da sua carreira. Foi uma decisão fácil?
Isso aconteceu depois que a Sarinha [Sarah Menezes] venceu em Londres. Eu ia fazer 43 anos, e ter um filho era a realização de um sonho. Virei para o Ney [Ney Wilson] e disse "agora eu vou pra minha medalha de ouro." Ele foi muito generoso comigo. Todo mundo pensou que eu não voltaria. Sofri muitas vezes em viver esses dois mundos. Teve um tempo em que eu virava a noite chorando e me questionando.

Você acredita que é preciso dar mais visibilidade ao judô a fim de envolver mais o público?
Uma coisa é o que foram as Olimpíadas no Brasil. Outra é o momento em que a gente vive. O esporte acaba sendo vitrine para tudo, inclusive trampolim político.

A atual geração do judô segue para o seu fim de ciclo. O País tem nomes para serem explorados nos anos seguintes?
Estamos em um processo de renovação, especialmente o judô masculino. Temos um judô jovem e muito bom, mas é um processo de construção e que tem que ser visto com cuidado.

É possível se falar em decadência no judô masculino?
Não vejo assim. Penso que o Brasil tem um celeiro muito fértil. A Confederação [Brasileira de Judô (CBJ)] e os clubes fazem um excelente trabalho de base. A reposição é algo bastante natural. No cenário internacional, como no Japão, na Rússia, ela é bem mais precoce: os atletas de categorias jovens começam a conviver desde cedo com os da categoria sênior, o que dá a eles uma capacitação maior. Aqui, falta dinheiro e o Brasil fica longe das oportunidades de intercâmbio frequentes.

Qual sua análise do universo judoca brasileiro para os próximos anos?
Acho que precisamos de técnica e investimento. E sobre este é preciso ligar o botão de alerta. É preciso que nossos atletas saiam mais vezes para o exterior. Uma coisa leva a outra. Temos um solo fértil, mas se não houver essa possibilidade, essa vivência, fica difícil. Sou otimista quanto ao material humano e pessimista quanto à situação do País no que diz respeito a dar experiência aos atletas.

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