NA COZINHA 02/07/2018 - 07h00

Saiba mais sobre as Pancs: plantas alimentícias não convencionais

Completando uma década de descoberta científica este ano, elas são repletas de benefícios à saúde e podem ser utilizadas tanto em casa como em restaurantes
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Kelly Hekally kellyhekally@opovo.com.br
Getty Images
As Pancs podem ser utilizadas no preparo de sucos, doces e outras receitas

A natureza não dispensa surpresas e constantemente convida as pessoas a novas experiências junto a ela. Tidos ao longo da história da humanidade no senso comum como não aproveitáveis na alimentação, caules, raízes e outras partes de integrantes do reino vegetal apresentam-se com mais ênfase nas últimas décadas como possíveis de serem utilizados nas refeições, trazendo assim uma perspectiva nutricional não tão disseminada antes.

Desde estudos concluídos em 2008 do pesquisador Valdely Ferreira Kinupp, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (Ifam-CMZL) e do Programa de Pós-Graduação em Botânica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) dessa universidade, estudiosos e especialistas em gastronomia defendem que plantas alimentícias não convencionais (Pancs), termo do qual Kinupp é coautor, devem compor cardápios em casa e em restaurantes.

O acadêmico fluminense, que já criança – ao lado dos pais e dos oito irmãos – realizava técnicas de agricultura familiar no sítio onde a família morava, conta que seu estudo na área foi em decorrência de sua curiosidade pelo mundo das plantas. "Meu pai sempre trazia plantas para incorporar ao cardápio. Comecei a cozinhar na adolescência com as Pancs. Toda planta que via eu gostava de saber sobre ela e, se alguém falava que era comestível, eu experimentava, criava receitas."

O interesse foi aprofundado durante a graduação em biologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). "Sempre tive um olho clínico para as Pancs. Sempre ousei e é essa ousadia que tento aguçar nos meus alunos", diz. Ele aponta que a cultura de consumo delas está sendo mais disseminada atualmente e que iniciativas como financiamento bancário e políticas públicas, além de educação e conscientização acerca das Pancs junto à sociedade, têm força para potencializar a ingestão dessas plantas, uma vez que estas são um "assunto de soberania e segurança alimentares".

Rodrigo Fonseca/Divulgação
Um dos ambientes que foi estudado pelo pesquisador Valdely Ferreira Kinupp

Nutrição e novas texturas
Patrícia Uchoa, professora e consultora do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Ceará (Senac/CE), conta que seu interesse no assunto começou de uma demanda pessoal. "Surgiu da necessidade de estudar a imensa diversidade ainda pouco explorada das plantas não convencionais. O indivíduo acaba tornando essa complexidade de espécies vegetais regionais um fortalecimento das características bases da cozinha nacional."

Ela argumenta que as Pancs são nutricionalmente ricas e têm grande potencial de uso na dieta alimentar, uma vez que apresentam princípios bioativos, como flavonoides, carotenoides e antocianinas, agentes positivos à saúde. "Órgãos como a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) por meio da ONU (Organização das Nações Unidas) incentivam o uso dessa diversidade na dieta alimentar." Sobre os benefícios, Kinupp destaca que, além dos nutrientes, as experiências proporcionadas pela ingestão de novas texturas são mais um aspecto das Pancs a se observar.

Algumas Pancs e formas de utilização
Patrícia define as Pancs como usuais e explica que, apesar de elas possuírem ampla distribuição no território nacional, são, em geral, de uso regional, a exemplo da ora-pro-nóbis, em Minas gerais, da chicória selvagem, no Amazonas, e do cumaru, no Ceará. "Chefs pesquisadores têm atuado na exploração dessa riqueza de ingredientes e aplicado nos restaurantes. No Ceará, ainda há passos curtos, mas tem se desenvolvido um trabalho." Segundo a estudiosa, a monguba, que substitui a castanha, a taioba, que pode fazer as vezes da couve manteiga, o espinafre-africano, o jatobá e o cumaru-do-Ceará, também conhecido como baunilha cearense e ideal para aromatizar biscoitos, bolos, cervejas e molhos, são encontrados no Estado.

Kinupp, também autor de "Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil" e idealizador do site Isto é Panc - Curso de Reconhecimento de Plantas Alimentícias não Convencionais, adverte que existem Pancs conhecidas como cosmopolitas, as encontradas em diversos lugares do planeta. Ele exemplifica que locais como sorveterias são ideais para a exploração em suas receitas de Pancs de diversos biomas brasileiros, a exemplo das da Mata Atlântica, do Cerrado e da Caatinga.

A pesquisadora do projeto Saberes e Sabores, autora do livro "Em Busca dos Sabores Perdidos", lançado em 2015, e ex-professora de gastronomia do Senac-CE Nilza Mendonça, é uma das referências locais no assunto e diz que o consumo de Pancs sempre foi um hábito de sua família. Ela destaca que o mangará é ideal para recheios e saladas, bem como para ser comido sozinho quando refogado.

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