Monja Coen 22/08/2016

"Líder não é aquele que está mandando"

Monja Coen é uma das líderes budistas do Brasil e, pelo país, propaga a transformação pessoal para alcançar modelos prósperos de gestão e de vida
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Irna Cavalcante irnacavalcante@opovo.com.br

O mundo precisa de mudanças. E a maior delas pode começar dentro de cada um. É o que entende a Monja Coen Roshi, uma das mais influentes líderes budistas do Brasil. E quem a vê, aos 69 anos, no seu habitual manto budista, não imagina as várias revoluções pelas quais já passou quando era apenas a Cláudia Dias Baptista de Souza, seu nome de registro. Aos 13 anos deixou para trás a criação católica para virar ateia, atuou como jornalista, teve envolvimento com drogas e chegou a ser presa na Suécia por tráfico de LSD. 

 

Também viveu em uma comunidade alternativa na Califórnia. Aos 36, encontrou as respostas para suas inquietações na meditação. Mas não apenas isso, quis virar monja e seguiu quebrando paradigmas. Foi a primeira mulher a presidir uma Federação das Seitas Budistas no Brasil.
 

Atenta ao que acontece no País e no mundo, Monja Coen sabe a importância do lugar de fala de cada um. E hoje, além do templo que cuida em São Paulo, cruza o Brasil fazendo palestras falando sobre a importância da transformação. Ela estará em Fortaleza, no próximo dia 26 de agosto, na 6ª edição do Seminário Futura Trends, que este ano traz como tema “Lideranças do amanhã: ciência, tecnologia e espiritualidade na gestão de empresas vencedoras”. Nesta entrevista, por telefone, ela fala sobre sua trajetória, liderança, crise e de ter um olhar mais amplo para o outro. “Nós temos que sair de um modelo mental que pensa em qual vantagem eu levo, que meu grupo leva, para um pensamento de como nós todos crescemos juntos”.
 

O POVO - Diferente do que o senso comum possa imaginar para a trajetória de um monge, você teve uma vida bem agitada antes da sua consagração. Como foi que o budismo entrou na sua vida? Como foi esta mudança?
MONJA COEN - Acho que a primeira vez que eu tive contato com o budismo, foi quando eu era repórter do jornal da Tarde e me pediram uma matéria sobre sociedades alternativas. Naquela época fiz uma matéria sobre grupos na Califórnia, que já viviam em comunidades onde faziam reciclagem, pensavam na sustentabilidade, e esta era uma comunidade de monges e leigos zen budistas. Este foi o primeiro olhar, a primeira impressão que tive de alguma coisa que fosse budista, porque isso não fazia parte do meu universo. Mais tarde, eu me lembrei também que os Beatles meditavam, eles faziam alguma forma de meditação mais indiana, mas era um caminho de meditação. Também me interessei por quando soube que os monges vietnamitas se queimavam em praça pública pedindo que cessasse a guerra do Vietnã. E eram imagens muito fortes, daqueles monges que sentavam no chão colocavam gasolina no corpo e ateavam fogo e ficavam sentadinhos até morrer. Isso foi muito impressionante. Juntando as três coisas, eu pensei, puxa, isto me interessa.
OP - Mas quais eram as suas inquietações? O que você buscava?
MONJA - A questão é: o que é vida e morte? O que estamos fazendo aqui? Qual o sentido da existência humana, se todos nós vamos morrer. Para que serve isso? E ao trabalhar num jornal, a questão social fica muito forte, você vê pessoas passando miséria e outras jogando comida fora, gastando de maneira absurda. Então eu me perguntava: nossa, isso aqui não está bem, né?! Será que existe um ponto de equilíbrio nisto? Estas eram as perguntas que me levaram a procurar um caminho de espiritualidade, de compreensão, de filosofia que vou encontrar no zen budismo. Acabei indo morar na Califórnia e lá encontrei este grupo zen budista, onde comecei a fazer práticas meditativas e pedi ao nosso professor que era um monge japonês que me tornasse monja. Ele me questionou muito sobre isso, porque você vem do Brasil, você é de uma comunidade católica, sua família sempre foi católica. Então eu falei: eu aprendo e me comprometo em realmente aprender a me transformar. E a minha mãe aqui no Brasil reclamava muito, dizia ‘minha filha, que absurdo. Se você quer mesmo uma vida religiosa vá ser católica cristã, como somos’. E os questionamentos da minha mãe fizeram com que eu precisasse convencê-la e, ao convencer minha mãe, eu convenci a mim, no mais íntimo eu.

OP- E demorou a encontrar este equilíbrio que buscavas?
MONJA - Não demorou muito não. Acho que com uns dois anos eu estava bem certa, absolutamente consciente do que eu estava fazendo e foi capaz de a minha mãe também compreender. Eu tinha 36 anos quando fui ordenada monja e fazem agora exatamente 33 anos, este ano, da minha ordenação monástica. Não houve nenhum dia em que eu tivesse me arrependido ou duvidado da minha escolha.

OP - Na sua trajetória, antes de ser consagrada monja, a senhora chegou a ser presa por tráfico de LSD na Suécia. A senhora se importa em falar sobre isso? De que forma este episódio mudou a sua vida?
MONJA - Sabe que nem gosto mais de falar porque parece que estou fazendo uma apologia ao LSD e a molecada que está por aí pode achar que a gente pode se drogar mesmo e depois a gente vira monge, vira outra coisa. Eu evito um pouco falar nisso, porque dá esta impressão. Eu tive problema sim na minha juventude, eu posso dizer desta forma, tive envolvimento com drogas, mas que eu acho que não é benéfico para ninguém. A minha experiência com isso é que não recomendo a ninguém. Estados alterados de consciência são estados de violência, de raiva, de vingança, de briga, isso é alterado. O estado natural da consciência é um estado neutro, brando, tranquilo e isto pode ser acessado não pelas drogas, mas pela meditação, pela respiração consciente e esta minha experiência me faz dizer isso com muita assertividade para todo o mundo.

OP - A senhora sente saudade ou falta de alguma coisa da sua vida de antes?
MONJA – Não, acho que não. O antes a gente não pode pegar mais, já foi. Claro que a gente olha para trás e fala “nossa, como aquela moça era bonitinha, ia tanto à praia”. (risos). Mas, aí a gente pensa, eu tenho tantas outras coisas para fazer, estou tão envolvida naquilo que sinto e faço que eu não sinto falta de nada. Mas, me preocupa o que posso fazer do daqui para diante. Eu estou com 69 anos, ainda posso correr, ainda faço um pouco de atividade física, tenho um certo estado de saúde que ainda me permite liderar esta comunidade que é pequenininha e ter uma exposição na mídia que possa levar pessoas a uma reflexão sobre qual é o significado da sua vida, sobre como está vivendo a sua existência e ela é tão breve, aprecie cada momento e faça dele o melhor momento do mundo.

OP- A senhora foi a primeira mulher a presidir a Federação das Seitas Budistas no Brasil. Sofreu algum tipo de preconceito?
MONJA – Ah, naturalmente. A gente sabe que aqui no Brasil ainda existe certa discriminação por alguns grupos. Como vim trabalhar dentro de um templo, o da colônia japonesa, que fica muito restrita a valores de um século atrás, no início da minha prática neste templo - onde eu vim substituir o superior que tinha ido embora do Brasil - existiam pessoas na comunidade que diziam que isso aqui não é templo para mulher, que tem que ser um homem japonês, não pode ser uma mulher brasileira. Mas enfim, houve causos e condições que eu fiquei lá por seis anos e, neste período, houve um ano em que a Federação das Seitas Budistas do Brasil me apontou como presidente por este ano, porque existe uma rotatividade. Eles apenas reconheceram que eu era a monja responsável por aquele templo conforme nossos superiores do Japão tinham designado.

OP – Mas como observa esta discussão hoje no Brasil em relação à questão de gênero?
MONJA - Não só no Brasil, mas no mundo. A gente vê até que no Brasil a gente está melhor do que em algumas áreas da população mundial onde as mulheres não são permitidas de ir à escola, por exemplo, nós aqui podemos. Tem áreas que ainda vivem neste feudalismo patriarcal, mas grande parte dos centros urbanos já superou isso faz tempo. Tanto que temos uma presidente mulher, embora todas as perseguições que ela tenha sofrido, foi eleita uma mulher presidente no Brasil. Enquanto que nos Estados Unidos, agora que talvez seja eleita a primeira. Nós temos no Brasil um caminho de abertura para o feminino muito grande. Eu respeito muito as tradições de origem africana onde as mães de santo são muito respeitadas e isso é muito importante, quer dizer, a mulher dentro do seu caminho da espiritualidade. Dentro do budismo, uma tradição que vem da Índia, que é um sistema patriarcalista, nós vamos encontrar então dificuldades para monjas terem o mesmo nível dos monges. Embora minha ordem religiosa diga que monges e monjas possam fazer as mesmas liturgias, os mesmos sacramentos, ainda há alguma diferença. Enquanto o templo das monjas mulheres são templos menores, com menos poder político, menos poder de influência dentro da ordem religiosa, os templos masculinos são mais poderosos, envolvidos politicamente.

OP – E qual o caminho para reverter este quadro, para criamos uma sociedade mais igualitária?
MONJA - Isso só se reverte com o nosso posicionamento. Somos nós mulheres que temos que nos posicionar. Por exemplo, a minha superiora no Japão ela é uma das raríssimas monjas completamente respeitada tanto por homens, como por mulheres. Mas porque ela se tornou assim? Ela se expõe publicamente, vai aos jornais, à televisão, a rádios, publica livros, ela se tornou conhecida. Há outras monjas também tão maravilhosas quanto ela, mas que ficam pequeninas no seu templo, escondidinhas, envergonhadas, com isso, a posição da mulher na sociedade fica limitada. Na hora em que você se abre para uma exposição pública, você está permitindo que outras mulheres tenham acesso à educação, à formação, à equidade. Quando você se esconde, não permite isso.
 

OP - A senhora vem a Fortaleza ministrar uma palestra no Seminário Futura Trends justamente sobre esta questão da liderança. O que faz um líder? E qual o papel dele em um contexto de crise?
MONJA – O verdadeiro líder é aquele que tem a capacidade de uma visão de longo alcance, de uma observação profunda e com isto sabe qual é o caminho para solucionar as dificuldades e os problemas. As crises, como bem diz Leonardo Boff, é uma coisa muito boa porque nos leva a mudanças e a reformulação de paradigmas. Se a gente se acostuma a ficar vivendo numa água morna, não vai produzir nada bom, é preciso que haja esta efervescência dos questionamentos. O líder não é aquele que está mandando, que está dando ordem, que está falando por cima, este é um chefinho, é um coitado, uma pessoa que não tem poder e que quer usar a força de uma posição, isso é bobagem. A liderança não se preocupa com a posição que ocupa dentro da empresa, da sociedade, mas que pode influenciar e causar condições para que as pessoas se manifestem no melhor do seu potencial e não para o bem pessoal individual, mas para um bem coletivo, não para uma minoria.

OP - Então qual seria o caminho para sair da crise, de modo geral, teria que ser uma mudança de concepção?
MONJA - Eu digo de modelo mental, de pensar a realidade. Nós temos que sair de um modelo mental que pensa em qual vantagem eu levo, que meu grupo leva, para um pensamento de como nós todos crescemos juntos. Enquanto a gente estiver brigando sobre qual grupo que vai tomar a ponta do poder, nós estamos em um pensamento pequeno, mesquinho, limitado. Quando você pensa em como nos unimos para fazermos uma coisa boa, é como um time de futebol: nós precisamos do direita, do esquerda e do centroavante, nós precisamos de todos eles juntos jogando em harmonia, se respeitando e passando a bola. Agora, se a gente pega a bola e vai jogar fora porque o outro não gosta do cara que está a minha esquerda ou a minha direita, isso não vai funcionar nunca. Infelizmente, o Brasil ainda está engatinhando neste processo político, mas não é só o Brasil.

OP - É assim que está observando o atual momento político brasileiro?
MONJA - É lamentável, que ainda estão brigando, se difamando, e tanta bobagem que é feita de todos os lados. Não tem como dizer que um lado é puro e outro é impuro. Esta maneira de pensar é egóica, quer dizer que o coração está partido, que não está íntegro, que é corrompido, o “cor – rompido”, o coração que está roto, que não vê a realidade. Isso é a corrupção, mas não é só brasileira, é importante notar que é internacional. Tem que ver o que está acontecendo agora, nas eleições que vão ser em novembro nos Estados Unidos, temos uma coisa muito semelhante lá. A gente vê corrupção na Itália, na França, na Grécia, em todos os países do mundo. Este sistema de capitalismo democrático que nós criamos como uma coisa maravilhosa está sendo corroído por si mesmo porque as pessoas não se modificaram e as pessoas falam e acham que é normal roubar, que é normal a propina, porque todos fizeram assim.

OP - Então de onde vem esta mudança? Por onde começa?
MONJA - Eu acho que a mudança vem de cada um de nós. E é por isso que virei monja, porque eu percebi que a mudança acontece quando muda o nosso coração, a nossa mente, o nosso modelo mental. Quando eu percebo isso, começo a agir de forma mais adequada para o bem coletivo e não para o bem individual, parcial. É fazer o bem a todos os seres, e isso inclui todo o meio ambiente, todas as formas de vida, e não só os seres humanos. É este pensamento que vai evitar catarses, que pode evitar desabamentos, que pensa nos mais pobres, mas que também pensa nos mais ricos, somos todos humanos. Tivemos até agora nos Jogos Olímpicos, uma brasileira, nadadora, dando um soco em uma italiana, o que é isso?! Tem coisas ainda que a gente não tem o controle do nosso emocional. E o que eu acho que precisa é isso, aprender a conhecer a si mesmo, a conhecer a mente humana que é uma máquina, uma coisa maravilhosa, mas que não conhecemos ainda.

OP – E como lidar com o fracasso?
MONJA - O fracasso pode ser uma alavanca de transformação. Nós não falhamos? Hoje o que a gente vê? Os Jogos Olímpicos aí de novo: o atleta que perde, chora; mas o que ganha também chora. São choros diferentes, mas o esporte, assim como a vida, não é só vitória. Onde foi que eu falhei? O que eu aprendo com meu fracasso? No que eu preciso focar para fortalecer em mim? Eu tenho que usar isso como um instrumento de crescimento, não como de depressão. A gente aprende, como diz o Mário Sérgio Cortella, corrigindo os erros. Não é errando que se aprende. O erro, o fracasso, nos faz verificar onde foi e é bom meditar, pensar, verificar com as pessoas a sua volta, onde é que o erro aconteceu para que não se repita, para que corrija este erro e corrigindo o erro nós melhoramos. Teve um judoca agora dizendo isso, eu errei na decisão do meu golpe e eu perdi, então eu errei.

OP – Pelo visto, a senhora está acompanhando bem os Jogos Olímpicos...
MONJA - Eu estou acompanhando muito agora, estou na maior felicidade aqui. (Risos)

OP - Costuma praticar algum esporte?
MONJA - Eu corro, faço ioga. Eu participo de algumas corridas e faço um pouco de ioga, que é um esporte muito bom, embora as pessoas não achem que seja esporte.

OP - Na década de 1970, o Butão desenvolveu um novo conceito de desenvolvimento social, a Felicidade Interna Bruta (FIB), em contraponto aos indicadores econômicos como Produto Interno Bruto (PIB), para mensurar a riqueza da sua população. Na Rio + 20, em 2012, esta discussão ganhou um pouco mais de visibilidade no Brasil, mas depois parece que o tema foi atropelado pela crise econômica. Como avalia este conceito e que diferença ele poderia fazer para o desenvolvimento brasileiro?
MONJA - Eu estive no Butão no ano passado e fui até recebida pelos representantes do Governo que estão levando este projeto para toda Europa. A ideia é muito interessante. A Felicidade Interna Bruta depende do mínimo de sustentabilidade, de suficiência, as pessoas têm que ter uma educação suficiente, atendimento médico suficiente, trabalho e uma justiça que seja hábil. O que aquele rei defende é que nós não vamos pensar em ser o país mais rico do mundo, não vamos nos preocupar com o nosso produto interno, mas nós vamos dar suficiência para toda população. Agora vamos lembrar que o Butão é um país pequeno e rural, não pode comparar muito porque o Brasil é um país muito grande.
Agora, que a ideia é muito boa, é. Ao invés de se preocupar só com dinheiro, quanto está ganhando, a preocupação é como estamos investindo o dinheiro público para que tenham suficiência e esta suficiência é importante.

 

Perfil

 

Cláudia Dias Baptista de Souza é o nome de batismo da Monja Coen. Ela nasceu em São Paulo, em 1947. Foi jornalista profissional em sua juventude e também atuou como funcionária do Banco do Brasil em Los Angeles, na Califórnia. Fez os votos monásticos em 1983 e residiu por 12 anos no Japão. Fundou a Comunidade Zen Budista, no ano 2001, em São Paulo. Atualmente reside no templo Tenzui Zenji, em São Paulo. 

 

"O estado natural da consciência é um estado neutro, brando, tranquilo e isto pode ser acessado não pelas drogas, mas pela meditação"


"A mudança acontece quando muda o nosso coração, a nossa mente, o nosso modelo mental"  

 

PERGUNTA DO LEITOR
 

Anne Gabrielle Muniz, professora


Anne Muniz - Qual é a parte mais difícil de reinventar-se?
Monja Coen - Nós estamos estimulando da forma correta a nossa mente? É preciso desenvolver este olhar mais amplo, de cada um ser líder. Não existe uma pessoa só que é líder, cada um é líder da sua própria comunidade, então, precisamos assumir o nosso papel nesta liderança. O papel que vê em profundidade e que cuida de forma mais equânime de todos os seres, sem preferência a este ou aquele. Nós ainda esperamos o retorno de que se eu fiz o bem, me dê coisas de volta. Não, não me dê nada, viva de forma correta. Esta mudança de consciência, esta mudança no modelo mental é o que vai fazer a grande mudança para nós como humanidade. 

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