MANSUETO ALMEIDA 29/02/2016

A crise no colo de quem criou

Economista considera positivo para a democracia que o PT seja responsável por resolver os problemas que gerou
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Jocélio Leal leal@opovo.com.br
CAMILA DE ALMEIDA

 


O cearense Mansueto Almeida Júnior, 48, é hoje um dos mais respeitados especialistas em contas públicas do País. Virou uma fonte nacional. Integrante do quadro técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), está licenciado e nem sabe se vai voltar quando acabar o período de afastamento. Está feliz com a experiência no setor privado. Tem 10 clientes, entre bancos e fundos de investimentos. Depois de servir no gabinete do senador tucano Tasso Jereissati (CE), foi um dos principais assessores do então candidato a presidente Aécio Neves (PSDB). Era nome certo na equipe econômica, não fossem 3.459 milhões de votos de diferença. Era cotado para o Ministério do Planejamento. Nesta entrevista, desenha cenário tenebroso ante a incapacidade política do Governo Dilma. Para ele, é positivo que o grupo político que gerou os indicadores atuais tenha a missão de equacionar. Ele conversou com O POVO em Fortaleza, onde retornou para dar palestra e rever a família.


O POVO - O senhor foi um assessor importante do candidato Aécio Neves na eleição passada. O senhor se considera um intelectual orgânico do PSDB?
MANSUETO ALMEIDA -
(risos) Não. Eu tenho amizade com vários políticos do PSDB, converso com frequência com vários alguns senadores do partido, com vários senadores então acabo discutindo com muitos deles, mas o PSDB tem vários economistas, vários não-economistas que são muito próximos ao partido. E esses políticos do PSDB conversam com todas essas pessoas, então eu não me considero um intelectual do partido, na verdade às vezes critico também o partido, mas tenho afinidade com algumas pessoas do PSDB. Pelo fato de eu ter trabalhado com ele, de eu o admirar muito, eu me identifico muito com o senador Tasso Jereissati (CE). Eu acho que o Tasso é um dos grandes políticos do Brasil. É muita sorte o Ceará ter um político como o Tasso. Outro político que eu tenho grande apreço e que eu me identifico muito é o senador Aécio Neves (MG). E o senador Aécio é de fato um político. É uma pessoa que passa a impressão que sabe os limites da política, ele atua muito mais para tornar, pelo que foi o governo dele em Minas, para tornar viável a decisão de técnicos. Ele tem uma ideia, tem uma linha, mas ele sabe fazer a política, sabe fazer aquele jogo positivo da política para tornar viável decisões técnicas. Porque ele é o político que falta a nós técnicos, essa capacidade de explicar problemas numa linguagem acessível para a população e, claro, construir consensos pró-reformas. Isso técnico nenhum consegue. Por exemplo, o ministro da Fazenda não consegue. Então hoje, no Brasil, faz muito mais falta essa capacidade de articulação política da presidente da República do que propriamente o ministro da Fazenda.

OP - Como o senhor faz esta separação entre política e técnica?
MANSUETO -
Quando a gente olha vários países do mundo desenvolvido, você tem alguns países que têm carga tributária relativamente baixa e gastam pouco com o social. Exemplo mais clássico são os Estados Unidos. Você tem outros países, que são países desenvolvidos, que são países que têm uma extensa rede de assistência social e por isso têm carga tributária muito alta. Por exemplo, Alemanha, França, os escandinavos. Quando eu comparo os Estados Unidos com Alemanha, qual dos dois países é melhor? Na verdade, não existe um modelo técnico para responder, depende da preferência da sociedade, do que a sociedade quer. Depende de decisões políticas. Se eu pego um país que gasta 40% do seu PIB, via governo, e outro que gasta 30% do seu PIB, é muito difícil eu dizer que o que gasta menos é pior ou melhor do que o que gasta mais. Aí depende da decisão política e do que a
sociedade quer.


OP - O melhor país é aquele que oferece mais qualidade de vida para seus cidadãos.
MANSUETO -
Exatamente. Independentemente de tamanho de governo. Se você pegar países asiáticos desenvolvidos, como Japão e Coreia do Sul, são países que a rede assistencial é pequena. Esses países nunca tiveram rede assistencial ampla, mas são países que dão qualidade de vida a seus cidadãos. O Japão, apesar de ser um país que não cresce, é um país cuja taxa de desemprego é 3%. É um país rico. A Coreia do Sul é um país que nunca gastou muito com o social, mas é um país que tem a capacidade de transformação imensa, de crescimento imensa e é um país que poupa muito. Tem uma taxa de poupança de mais 30% do PIB que é quase o dobro do Brasil. São exemplos de países que tratam muito bem seus cidadãos, agora, não são países de governo grande. Então assim, o critério não é ter governo grande ou pequeno. Não é gastar mais ou menos em relação ao PIB. É o resultado disso para o cidadão.

OP - A candidatura de Aécio, caso tivesse sido bem sucedida, implicaria agenda antipática. Do ponto de vista político, o senhor não considera que foi melhor para Aécio não ter ganhado
essa eleição?
MANSUETO -
Isso só ele pode responder. Do ponto de vista de sociedade, o fato de a gente estar num ajuste tão difícil como agora e o mesmo grupo político que criou os problemas ter que apresentar a solução, do ponto de vista de longo prazo para a democracia, eu acho isso muito positivo. Porque se o senador Aécio tivesse ganho, possivelmente o partido perdedor, que saiu das eleições, que seria o PT, poderia colocar em cima do programa do Aécio todos os males da economia brasileira, como muitos segmentos simpatizantes do PT tentaram fazer em relação ao Joaquim Levy (ex-ministro da Fazenda do Governo Dilma). A gente escutou vários senadores e deputados do PT falando que o problema do baixo crescimento de 2015 decorria da política do ministro da fazenda. E isso não era verdade. Isso decorre de erros sucessivos de política econômica que foram cometidos neste País desde 2008, 2009. Do ponto de vista institucional, o fato de o mesmo grupo político que fez tantos programas, de expansão da educação, saúde, transferência de renda e subsídios para vários setores e empresas – algo que não era sustentável - este mesmo grupo agora ter de mostrar para a sociedade qual a solução dos problemas que ele criou, acho que é muito positivo. As pessoas vão aprender que não é porque esta pessoa é boa ou má. São políticas que são sustentáveis ou não.

OP - O que o senhor aprendeu no tempo de Congresso? O senhor se tornou um economista menos ingênuo, mais pragmático?
MANSUETO -
Sem dúvida. Duas coisas. Uma, a forma como você fala, a forma que uma determinada questão técnica é apresentada importa muito. Você pode ser um grande economista, com grandes ideias, mas se essas ideias não forem transmitidas de uma forma clara e acessível a políticos, ela pode ser muito boa, mas vai ficar perdida. Outra coisa que aprendi no Congresso, e de fora não tinha essa percepção, é que você tem lá pessoas bastante comprometidas em resolver os grandes problemas do Brasil. E tem um corpo técnico excelente. Os salários iniciais no Congresso hoje, de um advogado, um economista, são coisa como R$ 20 mil. Depois de poucos anos, um técnico no Senado ou na Câmara ganha R$ 30 mil. Pessoas qualificadas e com ideias tem muito lá. As ideias boas não acontecem por questões políticas. Só que político não é um Extraterrestre que veio de outro planeta. Pessoas votaram nesses políticos, grupos de interesse votaram e eles estão lá. Se o brasileiro quer melhorar nossa situação, quer que o País adote reformas, ele tem que votar melhor.

OP - Os bancos públicos foram fundamentais para reverter o chamado empoçamento do crédito na crise de 2009 e são determinantes para o desenvolvimento regional. Como o senhor enxerga o papel dos bancos públicos hoje, especialmente BNDES e BNB?
MANSUETO-
Os bancos públicos são importantes porque você tem alguns projetos que favorecem um grande número de pessoas, mas que, às vezes, a rentabilidade é baixa. Então imagina que você quer construir uma hidrelétrica, um metrô, mas você não quer cobrar uma tarifa muita cara, seja na energia, seja no metrô. Você coloca um crédito público porque quanto mais barato o serviço, maior o número de usuários. Então o retorno social da construção de uma obra importante de infraestrutura é muito grande. Nesse aspecto, bancos públicos têm um papel importante. Inovação. Quando você vai investir em inovação, aquilo pode dar certo ou não dar. Para você inovar você tem que fracassar muito. É importante ter banco público nessas áreas. Só que dar financiamento para uma empresa que às vezes é a mais competitiva do Brasil numa determinada área, que tem condições de levantar recursos privados ou sócios para um empreendimento, isso não é papel de banco público e, infelizmente, o que se fez no Brasil, por muitos anos, foi tornar o BNDES parceiro de empresas privadas, boas, grandes, que já tinham acesso a crédito e a investidor de fora.

OP – E o BNB ?
MANSUETO -
O BNB já teve esse problema há alguns anos. Eu me lembro que em 2005 ou 2006 um dos maiores empréstimos do BNB foi para uma empresa de telefonia. Não é isso que você espera do banco. Um banco como agente do FNE ele tem que fomentar o desenvolvimento, projetos de retorno social. Mas, às vezes, ele tem uma amarra. Por exemplo, 50% dos recursos do FNE o banco tem que direcionar para o semiárido, só que o empreendimento não existe e isso trava a política de aplicação do banco. Mas eu acho, novamente, bancos públicos, como BNB e BNDES, são importantes, são. Mas para fazer o que se espera de banco público. Não é papel de banco público se associar a frigorífico, a grandes empresas para elas comprarem concorrentes. Não é papel de banco público dar crédito barato para uma empresa que está com problema de crédito porque ela tem má gestão. Papel de banco público são duas coisas: investir em projetos que beneficiem um grande número de pessoas. Que a gente chama de retorno social, mesmo que o retorno individual seja pequeno. E investir em projetos de atividades que podem gerar inovação. Você precisa de dinheiro público para incentivar a inovação no mundo todo. O Brasil já tem banco público grande. Não era para ter ocorrido o que ocorreu. De ter que expandir o crédito público a tal ponto que isso levou um problema fiscal.

OP - Já que falamos em banco público, inovação e desenvolvimento, a universidade pública como entra nisso?
MANSUETO -
Este mesmo quadro, que é o meu, nascido na universidade pública, estudei no colégio privado a vida toda e cheguei à universidade pública. Isso mostra um problema muito sério. Eu entrei na universidade pública porque estudei numa escola privada. No mundo todo, em geral, dada a restrição orçamentária, quando o Governo não pode investir em tudo, ele prioriza a educação básica. O ideal seria, independente da família que você nasce ou do local de nascimento, o ideal seria, tanto fazer uma criança nascer em Caucaia, em Quixadá, em Jaguaribe ou então em Campos do Jordão (SP), São Bernardo do Campo (SP) ou São Paulo (SP), essa criança tivesse acesso à educação da mesma qualidade. Independentemente também da capacidade de renda de sua família. Por isso que a educação básica de qualidade é uma das melhores políticas de distribuição de renda, de forma indireta. Porque você dá acesso à educação de qualidade para as crianças, que no futuro se tornarão bons profissionais e poderão fugir do ciclo da pobreza, de nascer em famílias pobres. Na Inglaterra não existe universidade privada, talvez tenha uma. Todas são públicas. Agora, todas são pagas. Você não paga lá Saúde. 85% do gasto de saúde é público e o gasto em educação básica também é gratuito. Se você não pode pagar, porque você é pobre, você recebe bolsa de estudo. No Brasil, a gente vai ter que evoluir para isso. Porque se contava que o Brasil ia ter grande expansão nos gastos em educação, até 2024, ao longo dos próximos oito anos, com recursos do pré-sal, mas isso morreu. Isso não vai acontecer. Logo, se a gente quiser investir mais em educação básica e melhorar, a gente vai ter que priorizar recurso para essa área, o que significa que, possivelmente, para sustentar as universidades públicas, a gente vai ter que começar a cobrar de quem pode pagar. Isso o mundo todo faz.


OP - O Nordeste é muito visto ainda como um peso, quando na verdade ele padece de um desarranjo. Ele não é visto como solução, mas como problema. O que você pensa disso e qual o horizonte que o senhor enxerga para esta questão?
MANSUETO -
Dois pontos. Um, eu diria até que a política regional melhorou na década de 1990. Parece ser uma contradição, mas vou explicar por que. Na década de 1960 e 1970 e até 1980, o foco da política regional era dar incentivos para empresas. Era atrair empresas grandes para a região. Típico da Sudene. Só que você fazia isso para atrair empresas grandes para a região, uma região que tinha carência de mão de obra e mão de obra de pouca qualificação. Essa política começou a mudar nos anos 1990, inclusive em decorrência da Constituição, quando o foco do desenvolvimento passou a ser as pessoas. Passou a ser a universalização dos serviços de educação, de serviço de saúde. Quando você aumentou a transferência de programas para as pessoas. Nesse aspecto, eu acho até que a política regional melhorou. Só que quando você olha vários países do mundo têm problemas de desigualdade regional. A Itália. A criação da Sudene foi baseada num caso da casa de Mezzogiorno, na Itália. Mas o Sul do país ainda é muito pobre até hoje.

OP - Os Estados Unidos foram melhores nisso, não?
MANSUETO -
Os Estados Unidos são um país que conseguiu superar, em algum grau, o problema regional. Aí você vê o que os Estados Unidos fizeram de diferente. Uma das coisas que eles fizeram de forma diferente é que, um, ele não tentou forçar empresas a se localizarem em áreas que empresas não queriam se localizar. O foco sempre foi nas pessoas. E os Estados Unidos tiveram um programa muito grande de investimento em educação e centros de inovação em estados pobres. A Nasa colocou centros de pesquisa na Flórida e no Texas. Você teve laboratórios ligados a serviço militar que também foram para regiões pobres. O Nordeste é rico, por exemplo, em potencial de atrair turistas. O problema é que a gente atrai muito pouco turista e um turista que gasta muito pouco. Problema regional o mundo todo tem. Agora, no Brasil tem muita gente ainda que olha o problema regional da seguinte forma: querem que você tenha várias empresas produzindo no semiárido.
Isso daí é errado.

OP - O Brasil tem tradição na concessão desenfreada de benefícios, como meia entrada, passe livre e universidade pública gratuita. Como o senhor imagina que o Brasil pode romper com isto?
MANSUETO -
São duas coisas. Uma, você precisa avaliar todas essas políticas. Qual é o resultado. Quando você cria um incentivo, qual foi o resultado desse incentivo? Foi aquilo esperado? Se não, por quê? Porque tudo que não funciona deve ser descontinuado. Para eu fazer isso, para ter ideia do que funciona e do que não funciona, do custo benefício, eu preciso avaliar as políticas públicas. E isso se faz muito pouco no Brasil. Não há, a meu ver, justificativa alguma para, por exemplo, os incentivos à Zona Franca de Manaus terem sido estendidos para depois de 2050. Dois, o Brasil tem um problema de carga tributária extremamente complexo. Ao invés de a gente resolver simplificar essa carga tributária, que vai favorecer todo mundo, o Brasil fica criando regimes especiais. A gente tem um regime especial para pequenas empresas que se chama Simples, que uma empresa tem que ter um faturamento de até R$ 3,6 milhões para participar do Simples. Tem uma proposta no Congresso, que vai ser votada agora no plenário do Senado, que aumenta esse limite de faturamento para R$ 7,2 milhões. Duplica. Vou lhe dar um dado, 98% das empresas fatura até um R$ 1,8 milhão. Ou seja, o teto atual é mais do que suficiente. Vai se transformar em perda tributária. A gente faz muita política e não avalia o resultado. E, novamente, todas as políticas públicas, mesmo aquelas que as pessoas chamam que é de graça, como a universidade pública, nada é de graça.

OP - Para o senhor, este momento instável é fértil para o seu ramo, não é?
MANSUETO -
(risos). Numa crise, consultores econômicos, advogados tributaristas sempre ganham no Brasil, mas consultor é chamado muito mais para explicar os problemas, para ajudar as empresas, bancos, construtoras a tomar decisão. Então para o ramo de consultoria, no qual os clientes são grandes corporações, a crise não existe.

 

OP - No Nordeste, o modelo de atração de empresas se baseia muito na geração de emprego, e de chão de fábrica. Até hoje os estados disputam investimentos assim. O senhor considera que esse modelo de desenvolvimento regional está esgotado?

MANSUETO - Está totalmente esgotado. Seria a mesma coisa que eu perguntar a você o seguinte: inovação tecnológica é ruim porque destrói empregos? Não! Muitas vezes a inovação tecnológica vai aumentar a capacidade de produção de empresas, de um setor, de um país. O país vai crescer mais em outras áreas. Vão gerar o emprego necessário para empregar aquelas pessoas que saíram de determinado setor que teve inovação. Então assim, o foco emprego é consequência de um país que cresce e que eventualmente se tem problemas de oferta de mão de obra. O Brasil estava caminhando para ser um país que teria falta de mão de obra. Se o Brasil tivesse continuado a crescer, não são quatro nem cinco, se o Brasil estivesse crescendo 3% ao ano, seria um país que teria falta de mão de obra. O importante é você qualificar as pessoas, investir muito em educação, investir em saúde, para essas pessoas poderem ser produtivas, porque é isso que leva a crescimento. Quando a gente olha para longo prazo, uma coisa que determina crescimento é produtividade. E crescimento de produtividade está ligado à capacidade de o trabalhador produzir mais, o que depende da educação, dele ser produtivo, ter condições de saúde, depende de você inovar, também depende da qualidade da sua mão de obra, e depende também do funcionamento das instituições. Então assim, capital humano é uma das coisas mais importante para o desenvolvimento. Não se o país produz mais confecção, têxtil ou produz mais mineral. O que o país produz é secundário. O importante são as pessoas.

OP - O senhor não volta mais para o Ipea?
MANSUETO -
Não sei. Estou de licença longa, minha experiência em setor privado tem sido bastante positiva e o que eu mais gosto dessa experiência é que eu viajo muito e converso com muita gente. Viajo muito para fazer apresentações em universidades, em associações empresariais, converso muito com empresários, com economistas de bancos, com economistas de associações empresariais, com professores. Essa dinâmica de viagem eu gosto muito. Tenho aprendido muito. Então é uma decisão que eu vou ter que tomar no futuro.

 

OP – O que fazer diante da perda do bônus demográfico?
MANSUETO –
Perdemos totalmente. O gasto com Previdência e em Saúde, num país que está envelhecendo, tende a aumentar, naturalmente. Só que nosso gasto já está muito alto. O Brasil terá que fazer reforma na Previdência para continuar crescendo e ter recursos para gastar com o social. Ou seja, como você vende uma ideia, como explica os problemas é muito importante.

OP - No seu discurso, de caráter liberal, o senhor costuma defender que o Estado deve garantir que os agentes econômicos possam ter fluidez. Por exemplo, com marcos regulatórios bem definidos, que facilitem os negócios. O senhor acredita que possam ter ambiente com este Governo Dilma?
MANSUETO -
Eu torço para que o Governo consiga implementar essa agenda, agora sendo muito realista, eu tenho muitas dúvidas da capacidade deste governo, por vários motivos. Primeiro, porque não é claro o que o Governo pretende. Vou lhe dar um exemplo. Vários economistas falam da necessidade de melhorar a legislação trabalhista. Quando no ano passado a Câmara estava discutindo o projeto de terceirização – e é normal alguns serem contra e outros a favor – mas se você é contra precisa discutir por que é contra e o que deve melhorar. Mas não ser contra a princípio. Quem mais dificultou o debate foi o PT no ano passado. Inclusive o presidente Lula foi à TV dizer que quem votasse a favor daquele projeto era contra o trabalhador. Esse tipo de debate superficial, vazio, não se adequa aos grandes desafios que o Brasil precisa tomar. Este governo ao mesmo tempo que fala em reforma, condena determinados tópicos como privatização, terceirização, depois acaba fazendo de uma forma mal feita. Dois, o grande crítico das políticas do Governo não foi a oposição e sim o próprio PT. O ajuste fiscal, que é difícil, quem mais criticava eram os senadores do PT. Provavelmente o mesmo vai ocorrer com o ministro (da Fazenda) Nelson Barbosa. Porque o Governo aplaudiu sua nomeação esperando um conjunto de medidas diferentes que ele não vai poder atender. Três: infelizmente a nossa presidente não é uma pessoa com histórico político tradicional.

OP – O que senhor quer dizer com político tradicional?
MANSUETO –
No sentido positivo. Um bom político sabe conversar com vários partidos, da base de apoio e da oposição, ele sabe criar consenso político para algumas medidas muito importantes e consegue se comunicar com a população de uma forma transparente, mostrando que medidas difíceis, em determinadas circunstâncias, são necessárias para que o País retome a trajetória de crescimento e possa gastar mais no social. Infelizmente, falta na nossa presidente essa habilidade de conversar, de não colocar nós contra eles. Mas de forma construtiva. Por exemplo, o que a gente vê aqui no Ceará entre o senador Tasso e o governador Camilo (Santana, do PT). São de partidos diferentes, mas sentam e conversam com um objetivo de tomar medidas que possam ser feitas em conjunto para melhorar o Ceará. Este tipo de conversa é típico de político. Mas a nossa presidente nunca foi política. A primeira eleição dela foi para presidente da República. E ela foi vendida como uma grande gerente, uma grande técnica. Hoje o que o Brasil precisa é de uma liderança política e com uma base forte para fazer as reformas que o País necessita.

OP - O drama brasileiro, portanto, não seria a carga tributária e sim a qualidade do que se oferece ao contribuinte?
MANSUETO -
Na verdade, um pouco as duas coisas. Tem países com muito superior ao Brasil? Tem. Como eu falei, na Alemanha a carga tributária é muito maior, França é muito maior. Só que tem uma diferença. Quando a gente olha o histórico dos países, quando eles vão ficando mais ricos, eles têm condições de tributar mais e continuar competitivos. Quando a gente compara o Brasil, no nosso estágio de desenvolvimento, com outros países semelhantes no estágio de desenvolvimento, a gente faz esse controle pelo PIB per capita, o que o país produz dividido pela população, o Brasil tem a carga tributária muito alta. A média da América Latina é algo entre 25% a 30%. O Brasil tem 34% do PIB. A gente tem uma carga muito mais alta do que os outros países da América Latina e do que os outros emergentes. China é um país com carga tributária em torno de 25% do PIB, a Índia a mesma coisa. O México 18% do PIB. No Brasil, é verdade que gasta mal? É. É verdade que dá para melhorar a qualidade do gasto? Sim. Mas a gente tributa muito também. Então se a gente for tentar fazer um ajuste fiscal novamente pela via da carga tributária, como foi feito em 1990, o resultado vai ser um país ainda menos competitivo, sem capacidade de crescer.

OP - O senhor, como consultor, trabalha para que áreas de maneira mais determinante? Bancos?
MANSUETO -
Na verdade, bancos se interessam muito em conversar, ter acesso a determinado tipo de informação que eu produzo. Muitos empresários também. Muitas associações empresariais. Eu estou sendo convidado para dar palestras pagas nas associações empresariais, de comércio, por exemplo, que normalmente não debatiam questões fiscais. Mas agora pessoas da área do comércio querem entender o problema fiscal. Porque se o Governo, por exemplo, reajusta menos o salário mínimo, e o aposentado tem um aumento de renda menor, isso impacta nos comerciantes, principalmente do interior. Então eles querem entender o problema fiscal. Tenho sido convidado para palestras de associações de construtores da construção civil para explicar o problema fiscal, porque também, com a crise, uma boa parte das pessoas que compraram apartamentos financiados, estão devolvendo. Isso tem impactado o fluxo de caixa das empresas e essas empresas não sabem se devem investir mais ou menos. Então assim, é uma gama muito grande de potenciais clientes.

 

OP - O senhor diz que medidas antipáticas podem ser vendidas como simpáticas?
MANSUETO -
Exatamente. Uma reforma da Previdência, você pode vender de duas formas diferentes. Pode vender como: estabelecer idade mínima vai prejudicar o trabalhador que está perto de se aposentar. Mas pode ser vendido de uma forma diferente. O Brasil hoje gasta com Previdência muito próximo do que gastam países que têm percentual da população muito mais velha que o Brasil. O Brasil daqui a 30 anos terá a mesma estrutura demográfica que o Japão tem hoje, que é um país com uma das maiores proporções de pessoas idosas.

 

OP - Neste momento de crise, as empresas estão mesmo mais abertas a inovações, a experimentar mais?
MANSUETO -
Quando você está bem, isso vale tanto para empresa privada como para governo, você faz mais do mesmo. O seu incentivo a inovar muitas vezes é pequeno. A mesma coisa quando você tem mercado desprotegido. Você pode repassar todo o aumento de custo para o seu preço, você inova muito pouco. O que limita a rentabilidade de uma atividade, de um empresário, muitas vezes não é regulação do Governo, é concorrência. Então assim, se eu fosse o dono de um restaurante eu tentaria cobrar o máximo que eu pudesse do preço do meu produto, do meu prato. O que vai limitar a minha ganância, no sentido positivo, é a concorrência. As empresas privadas no Brasil estão sofrendo com essa crise e estão cortando custo, estão cortando desperdício. Muitas delas então investindo em maior controle de gestão, automação. O Governo está tentando fazer a mesma coisa só que é muito mais difícil.

OP – Por que?
MANSUETO -
Porque no setor privado ele pode colocar um funcionário que se tornou ocioso para fora, ele pode fechar todo um departamento da empresa que não tenha a ver com a atividade principal. No setor público não. O setor público tem regras. Funcionário público tem estabilidade. Muitos programas do setor público foram aprovados, no caso do Estado, pela Assembleia ou pelo Congresso Nacional, quando Governo Federal. Para descontinuar esses programas você tem que fazer discussão no Orçamento. É muito mais difícil ajuste no setor público. Então é importante ou até mais importante do que no setor privado.

OP - Seria muito difícil conseguir cobrar pela Universidade pública. A resistência seria muito grande.
MANSUETO -
Porque se você não quiser cobrar de quem pode pagar, de quem estudou a vida toda num colégio privado, aí o Governo terá que aumentar ainda mais o imposto. Universidade pública, 100% gratuita, inclusive para quem pode pagar, é um luxo que poucos países do mundo têm condições de bancar. E o Brasil, infelizmente, não tem. O ideal, como o Governo não tem como gastar, não tem recurso para gastar simultaneamente em todas as áreas da educação, ele tem que priorizar o ensino básico. A gente sabe que as escolas públicas são muito ruins e dependendo de onde você mora a qualidade é pior ainda.

OP - Qual a relação que o senhor tem hoje com o Ceará?
MANSUETO -
Eu nunca perdi contato. Eu tenho muito contato com cearenses que estão fora do Ceará. E converso com alguns políticos cearenses. Talvez até com mais frequência com o senador Tasso Jereissati, então nunca me afastei totalmente do Ceará. Minha preocupação hoje é mais nacional do que Ceará. Hoje, eu transito muito mais no eixo Rio-São Paulo do que no Nordeste.

OP – O que o senhor pesquisou na sua tese?
MANSUETO -
A minha tese, que eu fiz a pré-defesa, olhava para caso no Brasil, casos de altíssima informalidade, principalmente do interior do Nordeste. Empresas que começaram a se formalizar. Então em geral as pessoas falam o seguinte: ah, muitas vezes é só reduzir o número de impostos e as empresas se formalizam. Nem sempre, porque quando o problema da empresa é baixa produtividade, às vezes não é reduzir o imposto que é mais importante. Mas sim tornar as empresas mais eficientes. E aí eu mostrava vários casos em que o setor público se aproximou das empresas com essa dupla função. Ajudava as empresas a se tornar mais eficiente via instituições como Sebrae, às vezes uns programas ligados ao meio-ambiente do estado e as empresas iam se tornando mais eficientes e passavam a cumprir a legislação fiscal e ambiental para se regularizar. Há vários casos no país e inclusive o Ministério Público tem uma forma de atuar que se chama Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). É uma coisa interessante porque diminui o custo da empresa se adequar e resolver um problema. Se você encontra uma empresa que está poluindo, que está indo contra a legislação ambiental, você pode simplesmente fechar aquela empresa e as pessoas perderem o emprego ou aquilo pode dar origem TAC, no qual a empresa, ao assinar, confessa que está ilegal, mas se compromete a resolver o problema num determinado espaço de tempo. Analisei esses casos no interior de Goiás e Pernambuco.


LEITOR -
Alipio Leitão, diretor da Investmétrica Consulting - Como sabemos, o Brasil ficou barato. Quem pode ganhar com este momento no País?
MANSUETO - 
  Isso é uma coisa que tem que ser esclarecida. Um, o Brasil ficou muito barato. Até porque os fundos de investimento alocam parte da sua carteira para mercados emergentes. Quando eles diminuem o investimento em um mercado emergente, eles querem aumentar em outro. E vários fundos de investimento diminuíram muito o investimento que eles faziam na Rússia e aí querem entrar no Brasil. Mesmo sem grau de investimento. Esse sujeito diminuiu o investimento dele na Rússia há um ano e ele esperou para entrar no Brasil, o dinheiro dele se valorizou em mais de 50%. Que foi a nossa desvalorização de câmbio. Parado, ele vai entrar hoje e vai comprar o dobro do que ele comprava há um ano. Então o Brasil se tornou barato. Vários fundos grandes de investimento estão olhando para prédios no Brasil, na Faria Lima (avenida em São Paulo), que é uma região de altíssima rentabilidade, para empresas brasileiras para comprar. Só que o fato de o fundo de investimento entrar e comprar um ativo de alguém que quer vender, não significa que isso levará a mais crescimento. Isso é só troca de titularidade. É troca de um dono. Por exemplo, se eu pegar um grande hotel em Fortaleza e vender para um grupo de fora isso não significa que a economia cearense passará a crescer mais rápido, se houve só a troca de titularidade. Para a economia cearense, para o Nordeste, para o Brasil crescer mais rápido, a gente precisa aumentar produtividade. Aumentar produtividade com a mesma quantidade de pessoas você produzir cada vez mais. E para fazer isso a gente precisa ter regras claras, investimento em infraestrutura, educação de qualidade, programas bons de treinamento de mão de obra. E isso está faltando no País.

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espaço do leitor
Dr. Mundico 29/02/2016 15:33
O difícil é acreditar que o mesmo grupo que nos trouxe a essa situação tenha repertório e arsenal para nos tirar dela. Nosso problema maior é ausencia de planejamento e gestão. Estamos sem rumo.
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