[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Natal de Delicadezas O POVO
SOCIÓLOGO JÚLIO LIRA

A cidade outra vez amada

Cada roteiro aproxima distâncias, abre caminhos entre os receios. Fortaleza ainda surpreende. Feito um amor antigo. Júlio Lira também reconhece que a metrópole precisa de ordem, de infraestrutura
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Ana Mary anamary@opovo.com.br
SARA MAIA
Júlio Lira posa entre as colunas de sustentação da Ponte Metálica
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De quando era menino da rua, inventor de brincadeiras na Travessa Jaqueline - “uma travessa de histórias em quadrinhos”, no São João do Tauape, onde “todas as crianças eram, mais ou menos, da mesma idade” -, vem um amor antigo por Fortaleza. No morrer do tempo, a relação de afeto que o sociólogo e escritor Júlio Lira, 54, mantém com a Cidade se faz e refaz por caminhos peculiares, entre memórias e novos encontros.

“Quando eu ia visitar meu pai no trabalho (ele era gerente de uma loja de tecidos), eu me orientava pelas bancas de revista!”, o riso segue pelo Centro, passa pela biblioteca do Sesc (“uma descoberta”), alcança “a piscininha em frente ao Estoril: ali foi a primeira praia onde tomei banho sozinho”. A Capital era, então, abraçada com o olhar, cabia na janela do ônibus. “A linha do Circular é uma grande reminiscência... Fortaleza era daquele tamanho, um pouco maior”, traça.

PRATICAR A CIDADE

A percepção da Cidade foi se ampliando com a formação acadêmica - o sociólogo se especializou em Desenvolvimento Urbano - e com a trajetória pelos direitos humanos. Uma vez educador, quando morou sete anos em São Paulo, Júlio Lira ensinou crianças e adolescentes que viviam em cortiços a viver a metrópole. “E virou normal para eles andar na cidade, frequentar museus... Ler a cidade, praticar a cidade”, diz. Em troca, as crianças lhe motivaram a passear pelo prazer puro e simples. Há mais de uma década, essa mediação de saberes batizou uma ONG e se multiplica no projeto Percursos Urbanos.


O projeto é viabilizado pelo Banco do Nordeste (BNB) e realizado aos sábados, em um ônibus de linha comum. “Pra gente não se sentir como turista na Cidade. E também por conta das cadeiras serem mais baixas e permitir todo mundo se virar e conversar”, ressalta Júlio Lira.

500 ROTEIROS
Cada roteiro aproxima distâncias (de lugares e de gentes), abre caminhos entre os receios, faz ver os cantos despercebidos, oferece o microfone a quem não se ouve. Descobre e valoriza Fortaleza, tece histórias e cruza memórias. “Permite as energias da Cidade circularem, como se a gente estivesse fazendo uma massagem no corpo da Cidade. Uma pessoa que está em um lugar vai para outro. Acontece uma série de encontros”, completa. “Pelo gosto da convivência”, une Júlio Lira, é que o projeto persiste. “Um dos motivos é este: a alegria do encontro com outras pessoas”, ratifica.

Vista pelo olhar das alegrias, Fortaleza é outra vez bonita. No meio dos percursos, observa o escritor, as pessoas vão doando sentimento ao patrimônio material da Cidade. As paisagens urbanas ganham a infância de alguém, o primeiro beijo de um casal, o brinde eterno da juventude. A Praia do Titanzinho, a barra do rio Cocó (próximo ao Caça e Pesca), o mangue do rio Ceará (perpassado pela leitura de poemas, dia desses), a sucata do Chico Alves, enumera Júlio Lira, se tornam maravilhas da Capital. “Os lugares mais bonitos de Fortaleza são esses que a gente já conhece, mas contaminados pelas memórias das pessoas”, soma.

Em 2014, o projeto Percursos Urbanos chega a 500 roteiros e deve ir além. A Cidade é maior do que se costuma ver “e sempre vai ter gente precisando falar”, continua Júlio. Para o sociólogo, Fortaleza ainda surpreende, feito um amor antigo.
Ele também reconhece que a metrópole precisa de ordem, de infraestrutura, do acesso democrático aos bens culturais. A Capital “inchou”, as relações entre as pessoas mudaram, muitos se apavoraram, outro tanto quer ir embora. Às vezes, cansa estar aqui.

Mas há a velhice da mãe, a casa com quintal em flor, a praia de Iracema a uns passos dali. Existem pequenos mundos e grandes afetos onde é possível habitar em Fortaleza: “Quando as coisas estão difíceis, criamos as relações, pequenos contextos. Isso alivia”.

AMAR E SER AMADO

De quando era menino e ouvia o bisavô contar de seca e de solidariedade, Júlio Lira criou uma relação de amor com o lugar. Quantas vezes foi morar longe, a saudade “e a vontade de continuar participando da Cidade” o trouxeram de volta. E, por ser um amor antigo, já sabedor das desilusões, é um amor exigente: “Não é um amor piegas; quer mais da Cidade. Não é só uma questão de ‘como é lindo por do sol e como é bom comer caranguejo’. É muito mais do que isso”. É um amor que também quer ser amado.

Benevolência

Entrevistar o sociólogo e escritor Júlio Lira foi olhar para Fortaleza com mais benevolência. Passeamos juntos por lugares de amor comum, como o Centro da Cidade. Foi uma tarde serena, abrigada no quintal da casa dele, à margem do burburinho da rua Nogueira Acioly.

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