[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Natal de Delicadezas O POVO
MÉDICO ROBERTO DA JUSTA

Solidariedade sem muros

Mesmo presos, são pacientes. Porque há hospitais que não precisam de muros. Tem a questão humana: eles têm direitos. Nas consultas, ouvidos e olhos atentos aos que são poucos percebidos
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Mariana Lazari marianalazari@opovo.com.br
EDIMAR SOARES
Infectologista Roberto da Justa, diretor do Hospital São José, na CPPL III
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Deixar tudo como está é clássico do ser humano. O comum parece ser sempre a acomodação: se não dá pra fazer, paciência – pensa-se. Mas há na humanidade um grupo subversor. São alguns que, incomodados com o que poderia ser, mas não é, agem. Foi por esse “incômodo que motiva” que, em 2013, o infectologista Roberto da Justa subverteu. Parou de esperar pelos presos com o vírus HIV para as consultas agendadas no Hospital São José (HSJ). Porque eles apareciam apenas quando um mundo de possibilidades burocráticas se casava – e a saúde não pode depender de possibilidades. O médico, então, decidiu inverter o fluxo. Passou a, uma vez por mês, consultar os detentos dentro das unidades. Voluntariamente.

A ação revolucionária começou porque há outro subversor nesta história. A coordenadora do Programa DST/aids no Sistema Penitenciário do Ceará, Eliana Rodrigues, não aceitava mais a falta de escolta para a ida dos detentos ao HSJ para consultas, o restrito horário ingrato para realização de exames nas unidades, enfim, a não garantia do direito integral à saúde para aqueles que ela acompanha desde 2012. Por isso, procurou, em maio, o diretor-geral do HSJ. Encontrou do outro lado da mesa Roberto da Justa – que acabara de assumir a unidade. Mais: a enfermeira encontrou disposição para transformar.

FAZER O CERTO
“Os pacientes não estavam sendo bem acompanhados, não estavam sendo bem medicados (porque se não iam para consulta, não pegavam a receita e estavam sem remédio), não tinham monitoramento de seus exames. O resultado? Adoeciam, se internavam, morriam”, lembra Justa. “Antes de ser diretor eu imaginava que esse modelo não estava certo. Acho que o hospital tem que ir para o paciente. Mas quem era eu pra ter esse poder de inverter esse fluxo? Quando assumi, achei que tinha não só o poder. (Pensei): vou ser cobrado por isso”, narra o médico. A partir da parceria, Roberto da Justa passou a colocar em prática o mecanismo que ele pensava ser necessário desde quando começou o Ambulatório de Tuberculose do HSJ, em 2003, espaço que toda semana recebia pelo menos um preso soropositivo doente.

MISSÃO NO DNA
Com a medida, hoje os 37 internos no Sistema Prisional cearense diagnosticados com vírus HIV são acompanhados pela equipe de saúde da própria unidade e pelo infectologista voluntário. Todos, além do prontuário da Secretaria da Justiça (Sejus), têm prontuários do HSJ. Mesmo presos, são pacientes do São José. Porque há hospitais que não precisam de muros. Na pasta, informações sobre cada consulta, cada medicamento, cada exame; nas consultas, ouvidos e olhos atentos para aqueles que, normalmente, são pouco percebidos como pessoas de direitos.

Mais que pensar (e agir) institucionalmente, Roberto da Justa encontra espaço na rotina como gestor e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) para atender nos presídios porque quer. A atenção aos normalmente desassistidos é missão que deve estar no sangue. Roberto da Justa é sobrinho do médico Antônio Alfredo da Justa, o doutor Antônio Justa (1881-1941), clínico-geral que ganhou notoriedade em Fortaleza pela atenção dedicada no começo do século XX aos hansenianos – então leprosos – quando ninguém mais queria saber deles.

O tio é “grande referência”. Já tinha inspirado Roberto na época da faculdade, quando ele acompanhava professoras no atendimento a moradores das comunidades à margem do trilho, e na pós-graduação, quando os atendidos gratuitamente eram os integrantes do MST. “Sempre dedico uma parte da minha vida profissional para ajudar as pessoas menos favorecidas. Acho que isso é importante pra vida de todo profissional. Quando vejo coisas assim diferentes tenho uma atração! Acho que está no sangue. Vem do doutor Antônio Justa”, sorri o médico.

No dia em que O POVO acompanhou Roberto da Justa, uma segunda-feira (dia 9), ele visitou a Casa de Privação Provisória de Liberdade (CPPL) Professor Jucá Neto, a CPPL III, em Itaitinga (Região Metropolitana de Fortaleza). Tinha visitado os presos-pacientes em julho e retornava à unidade, levado por um carro da Sejus, para atender aos oito internos soropositivos. “Isso é uma questão básica, legal, constitucional. Tem a questão humana: eles têm direitos. E a questão prática: esses presos sendo tratados adequadamente não vão adoecer”, resume o médico.

Roberto da Justa não quer que o projeto de atendimento médico dos soropositivos dentro dos presídios permaneça como ação voluntária. Luta para que a ação se torne regular, com outros profissionais envolvidos. Em 2014, pretende “fortalecer o projeto e trazer mais pessoas”. “Acho que meu papel está sendo mais no sentido de criar uma iniciativa e fazê-la nascer, crescer, amadurecer. Mas não acho que deva ser mantida às custas de minha boa vontade. Eu estou provocando o Estado”, indica. O médico quer mostrar para o poder público que é possível garantir atendimento especializado e de qualidade a detentos.

“O preso é ser humano. Eu sei que ele tem seu problema, mas é ser humano. Aqui na frente me interessa o sofrimento dele, a doença dele. O que ele fez não me interessa. Eu acho que o profissional de saúde tem que abstrair essas coisas. Todo dia. A gente não pode jamais pautar nossa conduta baseado no que a pessoa tem ou teve de bom, de mal. Me interessa aquele momento, o que o indivíduo tem de sofrimento, o que ele precisa e o que posso dar de máximo para poder aliviar aquele sofrimento. Essa é a essência da medicina”, ensina.

Gratificante
Foi muito gratificante encontrar no ambiente tenso de uma unidade prisional a delicadeza e a simplicidade de Roberto da Justa e de sua medicina. Lembrei os profissionais do programa Mais Médicos, que vão aonde nenhum colega quis ir, e comemorei o fato de ainda existirem pessoas comprometidas com o outro.

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