Abrolhos

Retorno por abrolhos

O FIM DA ‘EXPEDIÇÃO TRINDADE’ FOI NO ARQUIPÉLAGO DE ABROLHOS, O SANTUÁRIO ECOLÓGICO CLASSIFICADO COMO ‘A MAIOR BIODIVERSIDADE MARINHA DO ATLÂNTICO SUL’

10º Dia

Já havia partido de Trindade em direção a Abrolhos. O medo era “marear” novamente. Mas a corveta Caboclo pegou uma onde de “surfar”, diferente da vinda quando uma onda de través “jogava muito” o navio. Quase nada de balanço e nenhuma medicação para vômitos e desidratação.

Demitri Túlio demitri@opovo.com.br

Depois de Trindade, o caminho de volta para casa se deu pelo arquipélago de Abrolhos. Como a ilha, localizada no sul da Bahia (a 72 km do município de Caravelas e 876 km de Salvador), não possui água doce, a corveta Caboclo tinha a missão de reabastecê-la. Também levou pra lá, diesel para os geradores de energia e motores das embarcações de apoio. Após dois dias e meio de oceano Atlântico, avistamos três das cinco ilhas de mar esverdeado: Santa Bárbara, Siriba e Redonda. Além delas, Sueste e Guarita esquadrinham o agrupamento rochoso.

É inevitável não traçar comparações. Abrolhos, bem menos complicada de se percorrer com os olhos e pés, não possui a exuberância montanhosa de Trindade. É um estirão de pedras descontínuo cortado pelas águas marinhas. Exceção de Guarita, um arredondado que se avista do alto do espinhaço da ilha onde está o farol (Santa Bárbara) e serve de ninhal para o atobá-grande (Sula dactylatra) e outras espécies.

Se lá, no isolado da costa de Vitória (ES), sente-se falta de uma vegetação, que já foi robusta nos séculos das grandes navegações portuguesas e inglesas, na porção baiana a cobertura vegetal é menos ainda. Cactos, gramíneas e uma dezena de coqueiros resumem o verde em Siriba e Redonda. Sombra é exceção.

Da mesma forma que se dá em Trindade, a Marinha do Brasil é sentinela do santuário ecológico de Abrolhos. Uma guarnição militar cuida da logística da ilha e apoia as ações de monitoramento científico do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

11º Dia

Ao voltar para Fortaleza, após 11 dias no mar, adoeci com febre de 39 graus e dores no corpo. Os médicos de Fortaleza quiseram saber em Trindade havia casos de malária ou outra doença tropical. Por e-mail, o capitão-de-fragata Rodrigo Otoch informava que “graças a Deus nunca houve casos de doença dessa gravidade”. Dengue foi o diagnóstico. Peguei em Ilhéus ou no Ceará.

Em Abrolhos, diferente de Trindade, há oficialmente um Parque Nacional Marinho criado pelo governo brasileiro. Desde 1983, “a região com maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul”, segundo o ICMBio, passou a ser protegida e sujeita a planos de manejos mais rígidos e lugar de destino de turismo sustentável.

O parque de Abrolhos foi o primeiro criado no País. O ICMBIO coordena as atividades em 91.235,5 hectares de áreas marinhas, abrangendo o Recife de Timbebas, o Parcel dos Abrolhos e o próprio arquipélago. Se em Trindade houvesse a regulamentação de um parque semelhante, a ilha estaria menos vulnerável a problemas como a destinação de resíduos sólidos (ainda é feito de maneira precária na Praia dos Portugueses), esgotamento sanitário e com a cadeia alimentar. (Demitri Túlio/demitri@opovo.com.br)

O risco dos naufrágios

NÃO HÁ PORTO EM TRINDADE. NAVIOS TÊM DE FUNDEAR AO LARGO POR CAUSA DO DORSO SUBMARINO DE ROCHAS QUE JÁ AFUNDARAM EMBARCAÇÕES

Duas semanas depois de deixar o arquipélago de Trindade e Martim Vaz, recebo mensagem do biólogo Dagobeto Port querendo saber se sobrevivi a mais quatro dias de mar até Abrolhos. Destino derradeiro da missão dos marujos da corveta Caboclo. Respondo que sim e, surpreendentemente, sem enjoos nem medicação receitada pelo “doc” (“doutor”, gíria da Marinha) e pelo sargento, e enfermeiro, Coutinho.

O biólogo, na verdade, escrevia para contar que a calmaria na rotina da Ilha havia sido quebrada por três “novidades”. A primeira é que “apareceu um cetáceo morto na Praia dos Cabritos (caminho para a Crista do Galo). É uma Ziphius cavirostris (baleia-bicuda-de-Cuvier)... Segue foto. Também apareceram duas garças por aqui (garça-vaqueira)... Segue foto”.

E mais: “apareceu um iate à deriva na ilha... O pessoal o ancorou onde estava a corveta Caboclo. Ele será rebocado para o Rio de Janeiro... A tripulação são dois franceses... Segue foto”, descrevia o e-mail de Dagoberto Port.

Das três notícias, a terceira indicava o quão é arriscado para navegadores se aproximar do fascinante, mas traiçoeiro, mar de Trindade. “Fundear aqui (cravar a âncora, o “ferro”), exige perícia e nada de afobação”, pontuava o capitão-de-corveta Fabiano Ichayo, comandante da Caboclo.

O perigo está na hora da aproximação e desembarque na ilha. Entre o olho do navegante e a praia, bem debaixo dali, um encadeamento disforme de montanhas submarinas já causou naufrágio de dezenas de embarcações. Para atracar no lugar mais próximo à praia das Calhetas e Portugueses, o comandante Ichayo e o imediato Duarte mobilizam pelo menos 20 tripulantes.

Bote ao mar, dois mergulhadores verificam se os “ferros” estão seguramente fincados no dorso do vulcão submerso. Pelo rádio, os marinheiros da lancha se comunicam com os oficiais que, de instante em instante, fazem a leitura da profundidade e o que nela pode ser obstáculo.

Naquele trecho onde a corveta “ancorou” com êxito, do nível do mar até o fundo, são pelo menos 5.500 km e um espinhaço de pontas rochosas que podem levar qualquer navio a pique. (Demitri Túlio/demitri@opovo.com.br)

Jubartes

Entre julho a novembro, Abrolhos é morada das baleias Jubarte, que aproveitam as águas quentes e pouco profundas para acasalar e dar à luz a um único filhote.

Ninhais

Por onde se anda em Abrolhos, há ninhos no chão. O atobá-grandechoca seus ovos (dois) na terra preta num círculo sem galhos. Já a rabo-de-palha nidifica nas locas de rochas (foto).

Morte

O esqueleto do pesqueiro chinês HWA Shing deixa mais belo o cenário na praia dos Portugueses. Mas os escombros ocultam tragédias. Quem conta são marinheiros. Incomodados com supostos maus tratos, tripulantes uruguaios teriam matado o comandante da embarcação, ferido o cozinheiro e jogado o navio contra as pedras de Trindade. A tripulação foi presa e enviada ao continente em dezembro de 1989.

Resgate

Por onde se anda em Abrolhos, há ninhos no chão. O atobá-grandechoca seus ovos (dois) na terra preta num círculo sem galhos. Já a rabo-de-palha nidifica nas locas de rochas (foto).Na praia dos Portugueses, soube da história de um casal francês que virou “náufrago” por um mês na ilha. Em agosto de 1994, viajando pelos mares, deram com Trindade e decidiram desembarcar para festejar o aniversário da esposa. Mas não contavam com um vento forte que fez a âncora se soltar e o barco ser arremessado. Os estrangeiros foram levados ao continente, trinta dias depois. Quando um navio militar passou pela Ilha.

Cabo de aço

Cabrita é o nome da embarcação de madeira (foto abaixo) utilizada em Trindade para fazer transporte de carga pesada e pessoas até a praia. Ela é puxada por cabos de aços e arrastada até a areia. Nem sempre o mar permite o uso dela.