Pássaros
O ilhéu das Sete Aves
O CANTO PODE SER RARO, MAS AVES ENCANTADORAS REINAM ENTRE AS PEDRAS
Demitri Túlio demitri@opovo.com.br
7º Dia
Na praia dos Portugueses, soube da história de um casal francês que virou “náufrago” por um mês na ilha. Em agosto de 1994, viajando pelos mares, deram com Trindade e decidiram desembarcar para festejar o aniversário da esposa. Mas não contavam com um vento forte que fez a âncora se soltar e o barco ser arremessado. Os estrangeiros foram levados ao continente, trinta dias depois. Quando um navio militar passou pela Ilha.Os amanheceres em Trindade não são costurados por cantorias de pássaros. Tanto que a vocalização isolada de um casal de grazinas (Gygis alba), o som vem de uma montanha por trás da Estação Científica da Ilha de Trindade (Ecit), desperta os sentidos de quem se interessa por investigar quais tipos aves vivem num lugar quase inacessível.
Nos 9,28 quilômetros quadrados de terra firme do vulcão desativado, lugar onde atracamos por três dias no meio da imensidão azul, apenas sete espécies de aves compartilham sol a sol do território para abrigar-se, alimentar-se, acasalar-se e ir recriando o mundo.
Ocasionalmente, narram os biólogos Dagoberto Port e Fabiane Fisch, há registro da passagem de outros tipos por lá. Garça-vaqueira, batuíras, maçaricos... Mas o habitat é dividido, mesmo, entre os bandos de grazina-de-trindade (Pterodrama arminjoniana), trinta-réis-escuro (Anous stolidus), grazina (Gygis Alba), atobá-grande (Sula dactylatra), trinta-réis-das-rocas (Onychoprion fuscatus), tesourão-grande (Fregata minor) e tesourão-pequeno (Fregata Ariel).
8º Dia
Cachos de banana doce e mamão à vontade. Comíamos as duas frutas de pequenos pomares cultivados por marinheiros. As roças ficam na área das ruínas da antiga colônia.Em comum entre elas, o isolamento imposto pela dificultosa travessia até Trindade e o (vizinho) arquipélago de Martim Vaz. Talvez, por isso, algumas espécies não enxerguem ameaça na intromissão do homem em seus territórios.
Caso das grazinas (Gygis alba), pássaros brancos, de bicos longos e olhos circulados por minúsculas penas pretas que dão a impressão de terem cílios feitos. Geralmente em grupo ou casal, se deixam fotografar de perto e até ensaiar um pouso nos punhos ou chapéu. Sobrevoam curiosas.
E porque a Ilha tem mais rocha do que árvores, os ninhos são construídos sem nenhuma sofisticação entre pedras. As sete espécies também compartilham do instinto de pôr os ovos na superfície do solo vulcânico ou dunas. Quem muito se diferencia, hábito da grazina-de-trindade (Pterodroma arminjoniana), ousa se aninhar em locas ou pequenas cavernas.
Por 62 dias, Dagoberto Port e Fabiane Fisch, doutorandos em Ciência e Tecnologia Ambiental pela Universidade do Vale do Itajaí, avaliaram o impacto da atividade humana nas populações de aves da ilhota. Monitoraram as taxas de abandono dos ninhos e o sucesso reprodutivo das espécies que nidificam nas proximidades da Estação Científica da Ilha de Trindade. Estão cruzando conclusões.
Trindade foi lugar de nascimento para várias espécies de aves. Para além das sete de hoje. Dagoberto Port anota, por exemplo, o atobá-do-pé-vermelho que, misteriosamente, desapareceu daquele habitat. Em outras épocas “foi abundante na ilha e, agora, só aparece às vezes”.