A dinâmica urbana do Cariri vem passando por transformações e, com isso, a região incorpora com mais ênfase outras maneiras de experimentar o trânsito no vaivém diário. Nesse cenário, a bicicleta desperta como a grande redescoberta de moradores e moradoras locais. Instrumento de deslocamento há décadas em cidades pertencentes ao perímetro caririense, a magrela vem ganhando fôlego e, literalmente, espaço nas ruas de Barbalha, Crato e Juazeiro do Norte. Atualmente, são mais de 20 km de malha cicloviária no Cariri.
Camila Prado, 37, professora de Filosofia da Universidade Federal do Cariri (UFCA), é uma das adeptas ao veículo. Ciclista há 17 anos, quando ainda morava no Rio de Janeiro, sua cidade natal, a docente que pedala seis quilômetros por dia no trajeto entre a casa e o trabalho estendeu a prática durante sua estadia em Curitiba e a trouxe na “mala” ao se mudar, em 2010, para Juazeiro do Norte. Segundo Camila, na cidade, os desafios para pedalar no contexto urbano ainda são muitos, mas é preciso seguir com a ideia de que a realidade de respeito ao ciclista, por exemplo, pode ser alcançada.
“Acredito que a interligação entre as cidades por meio da ciclovia e a expansão da estrutura cicloviária estão trazendo mais segurança aos ciclistas. Sem dúvida. Entretanto, ainda existe a barreira da invisibilidade do ciclista, que precisa ser vencida. Na UFCA, colegas professores e alunos apropriaram-se do deslocamento realizado pela bicicleta. Conheço diversas pessoas que não sabiam pedalar e que, nos últimos anos, resolveram aprender para tentar utilizá-la no dia a dia”, explica a integrante do coletivo Ciclos. Fundado em 2013 em Juazeiro do Norte, e ligado à UFCA, o grupo busca, com ações de conscientização junto ao poder público e sociedade civil, fomentar as discussões locais acerca da mobilidade urbana.
Foto: Camila de Almeida
Camila Prado, em Juazeiro do Norte desde 2010, é ciclista urbana há 17 anos. A professora universitária pedala seis quilômetros por dia
“Aqui em Juazeiro [do Norte], temos um trânsito bastante plural. Carros, ônibus, motos, bicicletas, cavalos, carroças. É importante que essa dinamicidade seja respeitada”, pondera. Pensamento semelhante é o do personal biker Kiko Gonçalves, 39, que está à frente da Associação Caririense de Ciclismo (Acaci). Presidente da entidade surgida em 2007, Gonçalves acredita que nos últimos três anos a utilização da bicicleta no Cariri tornou-se mais forte, especialmente por quem encontra na magrela uma opção para dar início à prática de atividade física, mas que a conscientização quanto à segurança do ciclista ainda é bastante vaga entre a população.
“A bicicleta oferece rapidez e é uma opção economicamente viável e sustentável. O Cariri é uma região relativamente plana... Essas são razões bastante pertinentes para as pessoas utilizaram a bicicleta. Acredito que o pontapé inicial foi dado. É preciso, então, que o poder público encampe para ações de educação e incentivo”, opina o empresário Itiberê Sales, 47, proprietário da Bike Adventure, que fica em Juazeiro do Norte.
Por esporte
Além do ciclismo urbano, o ciclismo esportivo - iniciado na década de 1980, no Crato, cidade onde estão situados 100 km de extensão de trilha ecológica do Geoparque do Araripe – é um nicho onde há forte utilização da bicicleta. Com a expansão do esporte para Juazeiro do Norte e cidades adjacentes nos idos seguintes, as ruas e estradas viram-no ganhar fôlego a partir dos grupos de pedal. “O primeiro grupo de pedal a surgir na região chamava-se Day Night Bike. Foi em 1988. Existia o apelo da questão ecológica, da preservação da Chapada do Araripe”, lembra Sales.
Ciclista desde aquele período, o microempreendedor faz referência à pequena diversidade de tipos de bicicleta quando a prática ainda se fortalecia pelo Brasil, em 1990, e destaca o nome de Alziane Diógenes, cratense tricampeã cearense de mountain bike que alcançou projeção nacional com três vitórias na prova paulista MTB 12 Horas, no Piocerá e no Bike Race Across. O proprietário da loja Ecobiker diz que, pelo fato de Alziane ter sido “um dos grandes nomes do ciclismo nacional na categoria feminina”, ela é um orgulho para a região.
À frente da Biciletaria K&A, localizada em Juazeiro do Norte, o microempresário Antônio Dias, 51, que há 30 anos tem o ciclismo como prática esportiva, acredita que, em Juazeiro do Norte, a ciclofaixa de lazer – que acontece todos os domingos - é uma das grandes responsáveis pelo aumento de adesão de parte da população à bicicleta e pontua que todos os dias acontecem grupos de pedal na cidade. “Têm grupos para quem pedala em nível bastante intenso e para quem está iniciando. Há também aqueles grupos que acabam se formando de junções de pessoas que criam vínculo de amizade. Pedal da Saúde, Pedal dos Vagalumes, Pedal do Chá e Pedal das Divas são alguns dos grupos organizados que existem na região”, diz o ciclista.
Ciclismo e turismo ecológico
A Chapada do Araripe e suas belezas naturais são palco para o cicloturismo e o turismo ecológico. Trilhas em duas rodas, cujos trechos variam entre 17 km e 300 km, são realizadas no local. A Trilhar, agência de turismo, oferece os passeios desde 2014.
Em geral, os roteiros de maior extensão têm o Crato como ponto de partida e o destino depende da escolha: quem optar pelo Ciclotur Chapada do Araripe passará por seis cidades (Barbalha, Crato, Juazeiro do Norte, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri); já os que preferirem a Trilha do Gonzagão sairão do Crato com destino a Exu, em Pernambuco – o percurso soma 65 quilômetros até a cidade pernambucana.
“Hoje, o passeio de maior adesão é que chamamos de ‘o maior single track do Brasil. Ele pode ser realizado em uma manhã ou em um dia...depende da escolha de quem vai realizar o percurso, todo realizado por dentro da Floresta Nacional do Araripe”, esclarece Ernesto Rocha, guia turístico e proprietário da Trilhar. Os pacotes variam, aproximadamente, entre R$ 150 e R$ 1.500 e o aluguel da bicicleta com o capacete custa a partir de R$ 65.