LEANDRO KARNAL 16/08/2016

A crise é um bom momento para rever prioridades

O filósofo vê por trás dos efeitos negativos da crise um cenário para empresários brasileiros darem o melhor de si e repensarem estratégias. Fala em democracia e no papel do professor em tempos de mudança
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Leandro Karnal é historiador, filósofo e professor e analisa a crise como lugar em que se toma consciência das coisas


Lígia Costa

ENVIADA A SÃO PAULO*

ligiacosta@opovo.com.br


A crise, seja econômica, política, ou de valores, é “um bom momento para rever prioridades”, afirmou Leandro Karnal em entrevista ao O POVO, pouco antes de iniciar a palestra Desafio da Mudança, no último dia do Encontro Nacional da Cadeia do Abastecimento (Enacab 2016), realizado semana passada, em São Paulo.


Historiador, filósofo e professor, Leandro observa que, apesar dos efeitos negativos que uma crise econômica traz para a sociedade, como o desemprego, o momento pode se tornar uma oportunidade de desenvolvimento para o setor empresarial, que pode sair de sua zona de conforto e testar a própria capacidade, a partir do conhecimento e análise de seus pontos fortes e fracos.


O POVO - O senhor fala sobre a dificuldade que as pessoas sentem em sair da zona de conforto por medo de enfrentar as mudanças. A crise que o País enfrenta pode estar relacionada a este medo de mudar?

Leandro Karnal - Acho que a zona de conforto é humana, ocorre em todas as culturas, em todas as épocas, e nos conduz a um lugar em que a gente não precise ficar mudando de estratégia. A crise significa escassez de recursos, de tempo, de material humano, mas também é um bom momento para rever prioridades e nos tirar da zona de conforto, quebrando a inércia, aquele estado newtoniano que você não altera sem que uma força passe a atuar sobre você. É um bom momento para fazer avaliações porque é neste momento que se toma consciência das coisas. Claro que pessoas desempregadas e passando necessidade é ruim, mas acho que pensando no segmento empresarial que está aqui (no Enacad) é uma característica boa para desinstalar este conforto que, no fundo, me faz não dar o melhor de mim e perder o foco.

 

OP - Os entraves políticos e econômicos no Brasil têm colocado em xeque o conceito de democracia e “quebrado” a confiança de muitos brasileiros. A partir desse cenário, como o senhor projeta o futuro do País?

LK - A crise econômica parece estar dando os primeiros sinais de que sua parte pior já passou. O capitalismo e quaisquer modelos de capitalismo passam por crises cíclicas. A crise política aumentou uma crise que é mundial. Então, passada a tempestade política, pode ser que a democracia ajude a restaurar o crescimento econômico. 

 

OP - Para o senhor, é certo que esse crescimento ocorra?

LK - Teremos mais crises pela frente e novos períodos de crescimento. Preservar as liberdades fundamentais nesse período e entender que crise não é sintoma para eu abrir mão de direitos fundamentais é o nosso grande desafio hoje.

OP - O senhor já declarou uma vez que toda democracia é imperfeita. Em que sentido se dá tal imperfeição?

LK - As democracias têm regras, mas não são impostas por um e não têm unidade. A democracia é conflituosa por natureza porque ouve a vários. Desde que foi inventada na Grécia e tornada mais plena no século XX, é sempre um problema porque nós vivemos numa sociedade que tem diferentes enfoques.


Democracia implica em liberdade de opinião e isso significa estar disposto a ouvir bobagem.

 

OP - Então, os regimes autoritários seriam perfeitos?

LK - As ditaduras são mais eficazes porque não ouvem ninguém, impõem uma única bobagem possível e transmitem às pessoas a sensação de eficácia quando elas são apenas mais autoritárias. Democracia baixa a ordem de um juiz e, no outro dia, outro juiz cassa. No dia seguinte, uma lei da Câmara dos Deputados muda inteiramente aquilo. Depois há uma pressão popular e aquela ordem chega a uma quarta versão. Logo, democracia é sempre imperfeita, lenta, tem contradição, e a ditadura é sempre perfeita porque ela é perfeitamente autoritária. A democracia é um sistema em construção que merece e precisa de críticas e não de saudosistas de tortura.

 

OP - Uma vez o senhor afirmou que o professor é uma ponte para seus alunos. Qual o papel do professor diante desse momento de grandes mudanças que o Brasil atravessa?

LK - O professor é um tradutor e é uma ponte. É alguém que acessa a alta cultura e dá aos alunos as condições de tornar essa alta cultura possível de aplicação, tornando-a orgânica e de retenção. O professor tem uma função essencial que é, da forma mais plural e mais bem preparada possível, fazer seus alunos terem acesso à cultura, que vai dar a cada um ferramentas para que construam seu próprio caminho.

OP - Mas há professores que preferem indicar um “melhor caminho” para seus alunos...

LK - O professor não é catequista, não é pregador de verdades, não é alguém que deve transformar alguém igual a ele. Mas dar a alguém ferramentas para que essa pessoa no futuro, quando o professor já estiver morto e o aluno estiver em plena idade produtiva, possa enfrentar um mundo que será completamente diferente do mundo em que o professor viveu. O professor é sempre um preparador para o futuro.

*A jornalista viajou a convite da Abad

 

> TAGS: economia
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