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Existe uma clara linha divisória entre os heróis e os coadjuvantes em Selma: Uma Luta Pela Liberdade, cinebiografia de Martin Luther King Jr. (MLK) dirigida por Ava DuVernay. Ao contrário de obras recentes como Um Sonho Possível (2009), Histórias Cruzadas (2011) e até mesmo, em menor escala, 12 Anos de Escravidão (2013), nos quais a população ou indivíduos negros precisam ser salvos por homens caucasianos, Selma foca na história e nos personagens negros.
A trama segue a campanha de MLK (David Oyelowo) na cidade de Selma, no interior do conservador estado do Alabama, nos Estados Unidos. Lá, ele e o restante do movimento se engajam na luta pelo direito irrestrito ao voto para a população negra. Para pressionar, principalmente, o governo do presidente democrata Lyndon B. Johnson (Tom Wilkinson), Dr. King decide puxar uma marcha da retrógrada e racista Selma até Montgomery, capital do Alabama.
Mais do que o retrato de um movimento, Selma é um filme de heróis. Luther King, Coretta Scott King (Carmen Ejojo), Annie Lee Cooper (Oprah Winfrey), Andrew Young (André Holland), entre diversos outros, são os protagonistas em busca de uma mudança real e palpável. Todos são negros. A presença equilibrada de Malcolm X (Nigél Thatch) ao lado de MLK, a despeito das rusgas do passado entre os dois, mostra ainda a escolha de mostrar o movimento negro como unidade.
O antagonismo é visto no fundamentalismo caucasiano representado pelo governador George Wallace (Tim Roth) e pelo xerife Jim Clark (Stan Houston) – ambos brancos. O grande mérito, porém, é o equilíbrio. Caucasianos e afrodescendentes não são inimigos no filme, como é mostrado no belo momento em que Dr. King convoca o clero para seu lado na causa.
A mise-en-scène bem construída nos protestos é ainda pano de fundo para um discurso extremamente bem empostado por Oyelowo. Mais do que a razão na questão dos direitos da população negra, o ator encarna uma figura de pregador carismático, revelando a importância da fé na luta por justiça social nos EUA da década de 1960. Além disso, o filme ajuda a dimensionar tanto a importância quanto as fragilidades de um líder autônomo em um movimento social. O background familiar de King, bem seguro na figura de Coretta, ajuda ainda a montar um retrato complexo do pastor norte-americano.
Capaz de pregar dentro de sua igreja e discutir com o presidente norte-americano com a mesma paixão, Martin Luther King tem suas dualidades reiteradamente ressaltadas por um uso (tanto quanto excessivo) do recurso do claro-escuro. Ao esconder parte do rosto de MLK e iluminar a outra metade, o filme acerta em determinados momentos ao escancarar os dilemas morais de um homem que precisa escolher entre vencer correndo riscos ou adiar uma vitória em favor da segurança.
A falta de critérios no uso do recurso, no entanto, acaba transformando a direção de fotografia de Bradford Young em uma experiência mais estética que conceitual. Ainda assim nada que macule o trabalho de afinação de discurso e ajustamento de cenário de uma obra essencial sobre minorias, luta, pessoas e, acima de tudo, uma fé que não é só religiosa.
SAIBA MAIS
No Oscar desse ano, Selma recebeu duas indicações: Melhor Filme e Melhor Canção. Todos os oito indicados a melhor ator e atriz, principal e coadjuvante, são caucasianos; logo, Selma não está representado na categoria. Entre os diretores, são cinco homens brancos; pior para Ava DuVernay, a mulher negra que dirigiu a biografia de Luther King.
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