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ENTREVISTA EXCLUSIVA 23/11/2015 - 06h00

Na íntegra: Páginas Azuis com Pedro Janot

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Jocélio Leal leal@opovo.com.br
FCO FONTENELE/O POVO
Pedro Janot

Pedro Janot, 56, comandava a Azul Linhas Aéreas havia quatro anos e já tinha 10% da demanda nacional. Vinha de experiências bem sucedidas como CEO da Zara no Brasil e executivo em companhias como Mesbla, Richards, Americanas e Pão de Açúcar. Um dia, em novembro de 2011, caiu do cavalo e ficou sem os movimentos de braços e pernas. No auge de sua carreira. Foi como bater em um muro a 300km/h. O lide da história dele poderia ter tons cinzentos, anuviados, mas Pedro chorou apenas três vezes. E foi na intimidade de casa, na companhia da mulher. O drama virou apenas pano de fundo para uma reinvenção pessoal. Nas suas palestras, a limitação física é um detalhe. O talento para gerir equipes é o que o mantém de pé na vida e no mercado. Nesta entrevista, gravada em Fortaleza e Juazeiro do Norte, Pedro dá lições pessoais e profissionais para quem está começando ou se recriando como ele.


O POVO - O senhor já está cansado de falar sobre o acidente?
Pedro Janot - Não, não estou cansado. O acidente para mim foi de uma relevância muito grande, porque, obviamente, foi um acidente brutal, mas que me trouxe coisas muito importantes pra vida. Eu não tenho nenhum problema em falar do acidente.

OP - O que significou contar a sua história em um livro?
Pedro - Aquele livro foi interessante porque eu queria voltar para o mundo profissional, à medida que a minha parte clínica ia melhorando. Aí um amigo meu, Gianfranco Beting, filho do Joelmir (jornalista econômico falecido em novembro de 2012), que foi meu diretor de marketing da Azul, falou pra mim: “Pô, Pedro! A sua história é relevante!”. Eu falei: “Não, a minha história não é relevante”. “Sua história é relevante! Acho que você deveria escrever um livro porque você é um cara especial”, enfim... defendeu. No primeiro momento ele me apresentou ao Edvaldo Pereira Lima, que é um escritor e professor de Literatura na USP e tem uma narrativa espetacular. No primeiro momento, esse livro foi pra mim uma grande catarse.

O POVO
- Esta limitação física, o senhor trata hoje como pano de fundo para o que realmente quer falar, que é o varejo de moda? O senhor se considera atrativo para as suas plateias, pela sua história pessoal?
Pedro - Não, não. Tanto que, quando eu faço a abertura da palestra, eu passo pelo acidente como se fosse uma coisa quase que “escovei o dente de manhã”, sabe? E eu não quero fazer nenhum tipo de apelo, mas naturalmente as pessoas vão percebendo, fazendo um correlato; “puxa! esse cara era presidente de uma companhia X e hoje ele está aqui, conversando com a gente, como se nada tivesse acontecido”. Isso já é um sinal muito forte de superação. Um exemplo muito forte para muitas pessoas. Eu não uso isso para nada.

OP - Como foi o processo?
Pedro - Eu sentava na frente do Edvaldo com o gravador e eu ia falando da minha vida, misturando. Porque o foco era como esse ser humano se transformou num executivo que passou por várias companhias e trouxe esse projeto da Azul no final. Misturei a minha história com a história profissional, porque você não pode separar. Então, no primeiro momento, foi uma catarse excepcional que me deu confiança para me conhecer um pouco mais, quem eu era sob a minha ótica e me deu muita força para prosseguir. Fiz o lançamento e esse lançamento foi a minha inclusão no mercado de palestras. No primeiro momento, e no segundo momento, no mercado de mentoria e aí surgiu todo o meu projeto como consultor. Fiz algumas poucas mentorias para presidentes de empresas e depois fui seguindo naturalmente. Houve uma chamada do mercado para fazer a consultoria para o varejo de moda.

OP - Em que medida essa sua experiência pessoal contribuiu para a sua mudança de visão profissional?
Pedro - Primeiro que quando você é jovem e começa na carreira, você se transforma, e você tem ambições, você se transforma num cavalo de corrida; que acorda, escova os dentes, faz ginástica, lê o jornal, chega ao escritório primeiro que todo mundo e sai depois de todo mundo, você tem toda uma estrutura que te dá suporte para esse hábito. Um animal altamente produtivo, então, você, você casa, você tem filho, você, enfim… as coisas vão acontecendo numa velocidade que você não consegue… são raras pessoas que conseguem parar. Esse acidente, de uma maneira oblíqua, me fez parar para repensar todo o meu ser, todo o meu eu. Isso está sendo muito positivo, porque eu tô encontrando um novo Pedro que eu sabia que tava lá dentro, mas que eu não tinha oportunidade de deixá-lo sair, pela minha história como executivo, pelas 14 horas por dia. Eu estou descortinando uma nova fase do Pedro que eu acho que ela é muito melhor do que a primeira fase, mas também ele não existiria se não tivesse sido a primeira fase. O fato é que o acidente, ele me trouxe para essa segunda fase, porque eu, sozinho, dificilmente iria fazer esse movimento de ver a vida de uma outra maneira.

OP -
Vê-se esta releitura por parte de pessoas que eram um “cavalo de corrida” já depois do final da carreira ou em grandes traumas, como o seu. No entanto, esta história se repete de maneira automática pela garotada. O que o senhor diria para quem está entrando nessa pista de corrida agora?
Pedro - Acho que é inevitável, porque se você tem ambição - e a minha ambição não era uma ambição de ficar rico ou ser líder de nada - era uma ambição natural, uma ambição competitiva. Sempre fui muito competitivo. Eu velejei, eu fui duas vezes campeão brasileiro júnior de laser, com 15, 16 anos. Eu era muito veloz e aprendi a tirar tudo de mim o tempo inteiro. Então, aí com isso eu criei disciplina e etc. Eu acho que a primeira fase, o jovem hoje anda muito utópico na vida. Com certeza, a maioria dos jovens do Brasil, hoje, teve e está tendo uma vida melhor do que seus pais. O Brasil melhorou, tem mais emprego, mais renda, então ele fala assim: poxa, eu não quero ser igual ao meu pai. Em contrapartida, ele está se beneficiando do que o pai tem, trouxe e proporcionou para ele. Isso dá para eles uma nova visão. Só que eu acho o seguinte: pra mim, uma coisa que eu falo muito pros meus filhos e para os meus liderados é que a vida tem um time. Não é que ela tem um time. O ser humano está apto a fazer algumas coisas numa determinada idade. Você está apto a ser trainee ou estagiário aos 18, 19, mas não aos 35, não aos 50. Você não tem mais paciência para ser trainee de nada.

OP - Nem para casar...
Pedro - Da mesma maneira que casar, hoje, você casar com mais idade, o que é o que está acontecendo? Você está fora de time. Você tem pais que são verdadeiros avós para os filhos, e não pais. Então, quando você olha, tem todo um time. No caso profissional, você não pode desrespeitar muito esse time. Então você tem que saber dar o sprint no começo, que, ao contrário da vida humana, você tem que dar o sprint no começo e depois você tem que saber tirar o pé do acelerador para poder situar o que é que você quer fazer, de fato. Porque você acumula conhecimento muito rápido no momento em que você está apto a sofrer as maiores intempéries, os maiores desafios. Você trabalha em Fortaleza, vão te mandar para o Chuí fazer alguma coisa. Você vai quando tem 19, 20 anos, agora, te manda de Fortaleza pro Chuí você com 45… é muito mais difícil. Portanto, a minha recomendação é o time. Eu não quero ser - eu não tenho essa formação técnica pra dizer – time biológico, time antropológico. Acho que é time do corpo, da mente. Uma mente que não sabe o que quer, ela está mais ávida a procurar o que quer. Está disposta a correr mais riscos, disposta a obter mais conhecimento. No momento seguinte você tem que ter um ponto, que é o seguinte: “descobri o que eu quero, já tenho informação suficiente” aí para. Para, pensa, se reorganiza, para você poder produzir mais, ou menos.

OP - É muito difícil saber a hora de parar, não?
Pedro - Muito.

OP - E o senhor foi obrigado a parar de uma vez.
Pedro - É. Eu diria pra você que eu bati em uma parede de concreto, eu tava andando a 300 km/h e bati numa parede de concreto. Se valer uma analogia, foi exatamente o que aconteceu comigo.

OP
- O senhor tem religião? Isso foi um refúgio?
Pedro - Não, eu tinha religião, meu pai era um homem muito católico, e é muito curioso que eu pedia ao meu pai e para minha mulher: “Aí, reza pra mim, reza por mim? Porque eu sou um bom homem, eu sou um cara, assim, não mato, ando todo certinho, sou do bem, mas reza pra mim que eu vou tocar a vida”.

OP - Isso foi antes?
Pedro - Antes do acidente, sem brincadeira, meu pai falava “meu filho, você tem rezado?”, então eu falei: “Não, pai, reza dobrado por mim, porque eu tô tocando a vida, tô fazendo todos os mandamentos de Jesus Cristo”. Mas depois do acidente, isso, claro, você tem essa cultura, você tem essa formação e informação, você não é forte o suficiente pra aguentar o tranco sozinho. E naturalmente eu fui encontrando refúgio. Não perguntar por que, não fui perguntar por que comigo, mas eu fui tentar entender. Você se vê diante de um desafio que você não tem o menor controle sobre ele e você precisa de inspiração pra poder sobreviver, porque você lidera a sua cura, você lidera os seus médicos, você lidera a sua nova empresa, que é a sua família, e você vê que você não tem forças para tudo isso. E você tem que encontrar um recanto pra poder ganhar essa força, e foi aí essa aproximação que eu fiz com Deus, católico apostólico romano, pra poder encontrar algumas respostas que eu não tinha como responder.

OP - E aí o senhor se aproximou da Igreja?
Pedro - Me aproximei da igreja, mas isso é um processo, isso não é uma entrega absoluta. E eu tenho que ser muito disciplinado pra não perder um pedaço desse processo. Porque você, como é treinado pra correr na pista...Por exemplo, a minha agenda. Há quatro semanas eu a perdi da minha mão. Só que agora eu vou dizer o seguinte: eu vou devolvê-la para minha mão, vou botar do tamanho que eu quero, vou botar minha empresa do tamanho que eu quero, que ela precisa ficar e vou dominar isso. Eu comecei a ser engolido, mas a culpa não é da agenda. O culpado sou eu de novo, porque cavalo de corrida, mesmo que seja velhinho, quando você solta ele na pista, ele quer correr. Eu estou pedindo ajuda para que Deus me dê paz para encontrar o meu caminho. Eu ainda não encontrei o caminho certo, que eu possa produzir pra mim, pra minha família, pra sociedade. E uma grande parcela para caridade. Aliás, a palavra não é caridade, a palavra é altruísmo, talvez seja.

OP - O senhor já parou para chorar em algum momento?
Pedro - Chorei. Chorei, na realidade, eu chorei durante esse acidente inteiro, chorei pouco e três vezes. Todas estas três vezes foi com a minha mulher, à noite, em que eu não queria explicação, eu só queria chorar, sabe? Sabe aquela criança, assim, “eu quero chorar”, sabe? E eu chorei de dor, um choro sofrido. Um choro mais curto e secreto. Eu e minha mulher, à noite, antes de dormir, antes de desmaiar, pra falar a verdade, porque naquela época eu tomava remédios brutais e foram essas duas ou três vezes que eu chorei realmente, mas daí pra frente, acordo como todos vocês acordam de manhã, sabe? Respira fundo, bota um sorriso na cara e vai viver.

OP - O senhor cita a palavra recriar como uma palavra-chave.
Pedro - É, a recriação. Pelo menos eu, contrariei muito a minha natureza. Muito competitivo, líder natural, provavelmente com um ego muito grande - mas um ego que não fazia mal pra ninguém, um ego teu, de você estar na ponta, de você estar liderando e eu sentia, na juventude… eu sou muito criativo, sou muito criativo. Sob todos os aspectos. Eu não tenho dons artísticos, mas a minha cabeça é um monte de branco, brota milhões de coisas, assim. E eu fui, na necessidade de ganhar a vida, eu que fiz engenharia até o quarto ano e depois abandonei, fui fazer marketing na Escola de Propaganda e Marketing e depois fui fazer administração. Eu me encontrei porque na Engenharia, as únicas notas boas que eu tirei foi quando o curso tesava sendo fechado e eu tava entrando em matérias administrativas. Aí eu percebi e não aguentava mais fazer aquela engenharia para mim não servia de nada. Eu fui passando aos trancos e barrancos e parei naquele eletromagnetismo em que você tem as equações, as variáveis, é, elas rodam no eixo x,y,z, no triedro. Eu já tava trabalhando na Mesbla, já era dono do meu próprio nariz, ganhava meu salarinho, já tava tocando a vida. Sobre recriar, é o seguinte, eu quero dizer que eu tô me recriando e voltando as origens, aonde eu tive que abandonar o Pedro da origem, um cara idealista, um cara que tinha menos pendores aritméticos e exatos para mais humano, então eu estou recriando esse novo Pedro e pegando o Pedro que eu tive que abandonar com 18, 19 anos pra ganhar a vida.

OP - O senhor é feliz?
Pedro - Eu sou super feliz. Eu consegui criar uma família maravilhosa. Eu tenho dois filhos, Maria Cândida com 27 e Marcelo com 25, sou casado há 31 anos com Débora, que foi minha primeira namorada, aos 15. Não que entre os 15 e os 24 anos eu tive outras 60 namoradas. Na verdade, 47. Eu contei 47 uma vez, com a minha filha. Consegui, através do que, criar uma família excepcional, um ciclo de amigos excepcionais, uma carreira fantástica e família, manter a família por perto, unida. Eu sou absolutamente feliz com tudo o que Deus me deu e hoje eu entendo que ele te dá essas oportunidades. Claro, você tem que trabalhar por isso, meu pai sempre dizia: “ora et labora” (reza e trabalha).

OP - O senhor tem mais ou menos amigos hoje nesta nova fase da vida?
Pedro - Os mesmos. Porque os amigos, você cria no dia-a-dia. O amigo, a amizade é que nem uma flor que você tem que regar, botar terra boa e você, no fundo, tem um grupo forte de amigos e você vai cultivando a vida inteira e eles permanecem.

OP
- O senhor fala em valores dentro da empresa e um dos valores é paixão. Como fazer com que essa paixão, especificamente esse valor, apaixone o time para que ele apaixone o cliente?
Pedro - Eles têm que se sentir amados e apaixonados pelo seu líder. Isso é uma cadeia que desce. Se o líder cuida bem da sua equipe, com paixão, a equipe vai cuidar dos seus, dos menores com paixão e com o seu cliente com paixão. E a melhor forma de fazer é pelo exemplo – não há nada mais forte do que o exemplo. O líder tem que ser apaixonado pelo que faz e pelos objetivos que ele traça pra ele e pra equipe dele.

OP - O senhor descreve um líder carismático versus líder autocrático. O senhor já foi um líder autocrático?
Pedro - Nunca. Nunca.

OP - Quem foi que lhe serviu de exemplo para que o senhor não fosse?
Pedro - Meu pai. Meu pai foi um líder carismático, um homem firme, com um olhar. Um homem do meu tamanho, 1,88m, mas uma pessoa educada, uma pessoa firme, aquele, não sei se foi o Che Guevara, mas alguém diz que há que endurecer-se, mas sem jamais perder a ternura. E isso cresceu na mesa. Eu tive a oportunidade de, até os meus 15 anos, jantar com meu pai e meu pai, sempre a mesa, tratar de todos os assuntos, da empresa, da vida e isso foi benesse enorme ter tido essa oportunidade.

OP - Na sua palestra, o senhor conta que o primeiro lugar aonde você ia a uma empresa interessada em ser fornecedora era o banheiro feminino. Por quê?
Pedro - É muito curioso, porque, na época eu trabalhava na Richards, tinha uns 26, 27 anos e o Ricardo Ferreira, o Charuto, falava muito sobre o conceito de qualidade. Aí a gente conversando, e ele foi me ensinando o seguinte: como é que você quer que uma costureira, que vai fazer essa camisa de linho, que o botão não vai cair nem a costura vai sair, como é que você quer que essa pessoa produza com qualidade se ela está com a mão suja, se a fábrica dela está suja? A qualidade não é apertar um botão. A qualidade é uma atitude. Ou você tem atitude para qualidade ou você não tem. Então, vamos começar a conhecer a atitude desse fabricante para com sua equipe. Vamos ver se ele tem atitude de qualidade, vamos ver no banheiro, que é um lugar que ninguém vai ver. Se ele tem atitude de qualidade, o banheiro vai ser limpo, cheiroso e assim eu construí, orientado pelo Charuto - dono da Richards -, sobre esse conceito de qualidade.

OP - O senhor demorou até perceber seus defeitos como gestor?
Pedro - É justamente o que eu tenho falado agora na minha palestra, que é botar todo mundo debaixo da pirâmide. Eu conseguia fazer isso como líder, mas não conseguia fazer de forma sistêmica. As pessoas iam pra debaixo da pirâmide de orientação, aquela que eu expliquei, e eu era muito rápido e não dava tempo, e não preparava todo mundo. É claro que, à medida que eu fui amadurecendo, eu fui aprendendo essa coisa, a ter os tempos e os tempos são sempre muito curtos. Porque a demanda das companhias são sempre pra ontem, pra ontem e pra ontem. É o erro do aprendizado, mas se eu pudesse começar e dizer pra alguém pra começar certo, é analisar justamente essa história da pirâmide. Eu chamo a pirâmide do olhar. Debaixo dessa pirâmide, desse olho, colocar todos os participantes da companhia, do mais alto nível até o mais baixo nível, todos olhando para uma única direção ou através do seu sonho, como realizar o sonho, valores e como tirar esses valores do papel. Eu deixo paralelo a toda a parte estratégica, toda a parte de plano estratégico, metas, por tempo, porque esse é o desdobramento natural e isso é mais fácil de fazer. O difícil é você fazer o alinhamento dos sonhos com os valores.

OP - O senhor tem defendido que motivar as equipes implica fazer promoções e dividir lucro e tudo. Isto dito pelo senhor, que hoje consultor, em que medida significa um mea culpa do tempo em que era gestor?
Pedro - Eu fui um gestor que pegou essa mudança no meio do caminho. Ou seja, todo mundo que vai ler essa entrevista vai dizer “porra, esse cara é um burro, né? Por que ele não fez isso antes?”, mas essa transformação veio ao longo da década de 1990. Se eu tivesse estudado mais esse assunto, que já via nos países de primeiro mundo, eu talvez tivesse antecipado isso pra minha equipe. O meu mea culpa é que eu não fui mais agressivo no começo dessa grande mudança nos anos 1990.

OP - Depois do acidente, o senhor se vê como uma personagem muito diferente da que era antes no trato com as pessoas, na compreensão do valor das pessoas na companhia?
Pedro - Eu estou escutando muito mais. Estou me colocando mais no lugar delas. Isso não significa que eu não continue fazendo pressão. Eu continuo extraindo delas o que elas têm de mais forte para dar para o projeto.

OP - É muito tênue a distância entre a dureza e a, digamos, crueldade. O senhor se considerava cruel?
Pedro - Não, não. Eu sou duro, porém não cruel. Eu sou exigente, mas de novo: eu arranco das pessoas o que elas têm de melhor pra dar e elas são agradecidas por isso, porque elas crescem como seres humanos, como indivíduos, junto comigo.

OP - Qual é o retorno que o senhor tem dos seus ex-comandados nesta sua atual fase da vida?
Pedro - Os meus ex-comandados são todos pessoas excepcionais, valentes e que compraram os desafios, acreditaram em mim e me permitiram liderá-los e responderam a essa liderança com muita bravura, com muita honestidade, franqueza, que é da mesma forma que eu os tratava, com honestidade e franqueza. Os meus sócios, que são ex-liderados, são incondicionais, eles querem estar comigo pra onde o projeto nos conduza, tem uma confiança completa e que não significa que eu sou voz absoluta. São mais jovens, eles são 16 anos mais jovens do que eu - entre 16 e 12 anos mais jovens. Posicionam-se frontalmente contra mim quando tem que ser. Eu ainda brigo com eles e eles me respondem numa boa. Se tiverem que me frear, eles freiam.

OP - Eu usei a expressão comandado e o senhor corrigiu para liderado. Há diferença nestas duas expressões?
Pedro - Completamente, porque por comandado, subentende-se que há algo de cima para baixo e liderado, na minha visão, é quando as pessoas permitem que você os lidere e isso é algo absolutamente genuíno, absolutamente carismático e essa é a minha posição. Eu, como líder, sou sempre alçado à liderança pelas pessoas, elas me aceitam liderá-las, tanto que, tem uma coisa curiosa: ao longo da minha vida, sempre que eu estou com uma equipe, eu estou atrás da equipe nas fotos. Isso mostra o seguinte: por que eu estou atrás? Porque eu não estou puxando, quem puxa são as pessoas da equipe e eu estou sempre atrás suportando as pessoas.

OP - Se o senhor pudesse começar a Azul de novo, o que você faria diferente?
Pedro - Nada. Eu acho que se eu soubesse, não faria nada. Eu apenas teria um pouquinho mais de paciência em algumas situações, mas não faria nada, porque eu acho que o projeto que eu implantei com minha equipe foi fantástico.

OP - Como é que foi em Teresina? Conte o episódio com os funcionários da Azul.
Pedro - Fui num jato de um empresário (Flávio Rocha, dono da Riachuelo) e aí pedi uma ajuda ao pessoal de operações da Azul se eles tinham uma escada ou uma máquina de subir escada. Quando a equipe de Teresina soube que eu estava lá, foram me receber no dia do embarque com a máquina de subir escada e com um buquê de flores. Elas estavam fora do horário delas, porque os vôos de Teresina chegam à noite. Isso era 5 horas da tarde, estavam todos eles no aeroporto, meninos e meninas que me conheciam e que não me conheciam. As que conheciam queriam me rever - quatro anos depois - e as que não me conheciam queriam me conhecer. Todos arrumadinhos, me levaram dentro do avião, entraram no avião deram um beijo e foram embora. Isso para mim é um legado que mostra que toda a minha caminhada foi super boa, sobre a ótica de eu ter deixado um rastro super positivo na minha vida.

OP - O senhor não era o CEO da Zara no Brasil na época em que se comprovou trabalho escravo em fornecedoras. Mas como controlar esse tipo de risco numa produção como a da Zara, que é mundializada?
Pedro - Existem empresas que fazem o rastreamento da mercadoria nos centros de produção. São empresas mundialmente reconhecidas, certificadas pelos órgãos necessários, agora, é uma caçada de gato e rato, porque você tem uma parte industrial que você está vendo, mas as terceirizações, quarteirizações, “quinteirizações”. Para você empresa não sofrer esse tipo de coisa, você tem que escolher muito bem os seus fornecedores e ser muito rígido e duro contra essas questões de trabalho escravo. A Zara do Brasil foi pega por uma displicência do departamento de compras e uma displicência dessa empresa que ajuda a fiscalizar. Mas isso de jeito nenhum está no DNA da companhia. Pelo contrário. Não se deve generalizar. Foi um acidente sério, grave, mas que não faz parte - a Zara está em 106 países no mundo, ou 117 -, dá milhares de empregos. É uma empresa séria e idônea.

OP - Como é que o senhor vê a moda prêt-à-porter e as grandes marcas diante da moda fast da Zara, que troca a sua gôndola a cada 10 dias?
Pedro – O mundo está se democratizando cada vez mais. A democratização do mundo começa com a informação, a informação que, outrora, algo muito restrito a todos. Hoje está no seu palmtop, no seu celular. O que eu vejo é que as tribos estão cada vez mais se fragmentando e tem uma tribo que quer consumir o que o prêt-à-porter faz a preços justos. E a Zara está atendendo isso de uma maneira brilhante e o seu tamanho, em crescimento e rentabilidade, provam isso.

OP - Como se preparar para o consumidor multicanal, com as oportunidades e ameaças da compra online? Quem tem mais chance no e-commerce?
Pedro - Primeiro, a gente tem que desmistificar uma coisa: não é jogo de futebol. E-commerce versus comércio presencial. Está provado nos EUA que o e-commerce precisa do comércio, da loja física, e vice versa. Eles se retroalimentam e, nesse momento, numa perspectiva de 10 anos, para conseguir ter um foco apurado, o e-commerce não vai superar. Ele representa hoje 5% de todo o comércio físico, porque o ser humano ainda é sociável, ele ainda - apesar de ele se curtir, estar sempre exposto nas mídias sociais e etc - quer ter contato com outras pessoas, ver outras pessoas.

OP - Por isso que os shoppings têm muito futuro ainda?
Pedro - Os shoppings têm futuro, mas tem que se reinventar. Eles têm que se tornar um ambiente mais agradável para estimular a convivência das pessoas.

OP - O senhor costuma dizer que não tinha um sobrenome S/A. Não era o Pedro da Zara ou Pedro da Azul, era o Pedro Janot. Como o senhor trabalhou a sua marca?
Pedro - Isso começou muito cedo, meu pai era um pequeno construtor civil, pequeno engenheiro civil, fazia reformas, e eu tenho foto nos braços dos operários, da pequena construtora dele. Eu cresci junto com os operários, comendo aquelas marmita com prego na tábua junto com eles, mexendo nas ferramentas, e meu pai era um homem muito dado, muito simples. Eu cresci nessa simplicidade. Ao longo da minha passagem nas companhias, essa simplicidade continuou existindo. Eu já fui um dos grandes salários brasileiros, e isso nunca mudou a minha maneira de ser. O fato de eu ter tido essas posições altas nunca mudou o Pedrão, na sua essência, que é uma pessoa que fala com qualquer um, sem barreiras, sem limites, sem pompas e sem circunstâncias. E foi assim que eu escrevi a minha história e, como te falei recentemente, no meu acidente. Foi emocionante receber mensagens de pessoas que trabalharam comigo 30 anos atrás, que eu não via há 30 anos, e lembraram-se de mim. E mais, dizendo como eu tinha sido importante na vida delas.

OP - O que é estar junto da tropa? Estar junto da tropa é sofrer junto?
Pedro - Sofrer com eles, rir com eles, comemorar com eles e mostrar o seguinte: se eu posso fazer esse trabalho, se o meu presidente pode, eu também posso. E fiz isso várias vezes, diversas vezes, seja na Richards, na Zara, no Pão de Açúcar e na Azul. A gente está lá para arrumar estoque as 5 horas da manhã, receber um vôo às 4 horas da manhã em Viracopos com toda a equipe. Não é demagogia, era conhecer o cliente de verdade, saber onde estava, realmente, o problema. O cliente externo e interno.

OP - Quem é o cliente mais importante, o interno ou externo?
Pedro - O interno. Porque ele é quem vai cuidar do nosso externo.

OP - Como o senhor vê o apoio às micro e pequenas empresas no Brasil?
Pedro - Olha, eu vejo com todas essas dificuldades, eu vejo o Sebrae fazendo um trabalho excepcional como um Brasil que está dando certo. Teve agora, recentemente, há uns anos, a criação do Simples, do micro empresário individual, e mais as ações do Sebrae. O Brasil é o País da microempresa. O presidente que saiu agora, o Luiz Barreto, é um cara que eu conheço o trabalho dele, é muito bom, e vai entrar agora o Afif (Guilherme Afif Domingos, ex-ministro da Micro e Pequena Empresa), com um entusiasmo desse projeto genial. Eu acho que o Sebrae é o Brasil que deu certo. O Sebrae é parte do governo brasileiro que deu certo, porque o Brasil que deu certo são os microempresários brasileiros.

OP - Parece que o Brasil é hostil pra quem quer ganhar dinheiro, não é?
Pedro - O Brasil hostil? O Brasil é completamente hostil. Se você for analisar, o Brasil é um dos países mais difíceis pra incentivar o empreendedorismo. Crédito é difícil, é caro, as leis são duríssimas, não há confiança no sistema. E nos Estados Unidos você abre uma firma e fecha em horas. Aqui você pode abrir em horas e demora anos pra fechar. O Brasil é inóspito e agressivo para o pequeno empresário.

OP - O que é que você tem dito para os seus clientes em relação a 2016?
Pedro - Vai ser melhor do que 2015, porque todas as mazelas políticas, policialescas, grotescas e econômicas já estão colocadas na mesa e precificadas na mesa. Então, apesar de ser um ano duro, vai ser melhor que 2015, porque isso vai mexer no Índice de Confiança do Consumidor, que hoje está muito baixo. O consumidor vai saber qual é o jogo, os empresários qual é o jogo e vão jogar, não num campo mais difícil, eu diria num campo molhado, pesado, mas eles sabem quais são as regras que vão estar em vigor, o que não aconteceu em 2015. Você teve aumento da luz, aumento da água, aumento da energia, aumento do câmbio, lava jato, Petrobras, Cunhas da vida e etc, etc, empresários presos… Tudo isso gerou uma insegurança, uma inflação brutal, fechamento de postos de trabalho e por aí vai.

OP - O senhor se vê executivo de uma empresa novamente ou esse tempo já passou?
Pedro - Esse tempo passou, porque na minha atual condição física, hoje, eu não tenho a mesma disponibilidade - eu faço 5 horas de fisioterapia por dia, porque eu vou voltar a caminhar e a mexer minhas mãos, seja com a limitação que for…

OP - O senhor vai?
Pedro - Vou.

OP - Tem prognóstico?
Pedro - Tenho prognóstico não, tenho fé em Deus e fé em mim.

OP - Por falar nisso, o senhor já disse que é o “CEO da sua cura”. Qual a meta?
Pedro - A meta é uma meta maluca, porque é uma meta que eu sei que ela vai chegar, mas eu só posso pensar no dia seguinte, porque ninguém consegue olhar o futuro dessa meta. A minha meta é diária e a cada dia eu faço a minha meta para construir o futuro. Na medicina, não sabe falar nada sobre o meu ponto de recuperação, nem ninguém consegue. É uma meta diária que eu luto como se o resultado viesse pra amanhã, com todas as minhas forças, a cada dia.

OP - O que é que o motiva pegar um avião e viajar pelo Brasil para falar com estas plateias?
Pedro - O que me mobiliza é saber que eu estou dividindo uma história, um conhecimento muito amplo e vitorioso sobre a ótica empresarial com pessoas que estão buscando um lugar ao sol, a realizar o sonho delas. Isso me dá muita gratificação.

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