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O sorriso desconcerta. Chega a carregar em si o inesperado diante da rigidez que assume quando a feição se torna séria, quando fala dos obstáculos que impedem o avanço da educação. O mesmo sorriso revela também a índole discreta, de uma dureza cheia de ternura. A atual titular da Secretaria da Educação do Estado (Seduc), Izolda Cela, é movida por desafios. Eles, ao mesmo tempo que a lançam a um reconhecimento que não gosta de ostentar, a conduzem para a prática cada vez mais constante de tornar visível o outro pela crença de que “todos são capazes”. Como um dos gestores à frente da educação municipal de Sobral, foi responsável por um cenário de esperança, antes considerado por ela como “desesperador” na cidade. Izolda vem mostrando que é possível reverter quadros de fracasso quando se estabelecem prioridades e se busca alcançá-los com pulso firme, “sem perder o foco”. A secretária explica como alçou ao âmbito nacional a revolução que o sistema de alfabetização vem provocando no Estado.
Izolda - No colégio Santana, fiz as séries iniciais do Ensino Fundamental e depois mudei, na 5ª série, para o colégio Sobralense. Elas representaram para mim exemplos de escolas que funcionavam bem. O Sobralense, por exemplo, era simples, sem luxo, mas era uma escola muito viva. Fazíamos esporte, arte, teatro, coral. Tínhamos vivências de protagonismos em atividades de solidariedade, humanitárias, como ajudar vítimas de enchentes. Tudo, sem nunca esquecer os estudos. Éramos muito cobrados.
OP - A atuação política começou na faculdade de psicologia, em Fortaleza?
Izolda - Não. De jeito nenhum. Eu acompanhava o movimento estudantil, votava, mas nunca assumi cargos em DAs (Diretórios Acadêmicos) ou DCEs (Diretório Central dos estudantes), nunca me interessei por essa atuação.Izolda - Quando terminei psicologia na UFC (Universidade Federal do Ceará), voltei para Sobral e me vinculei a duas atividades: em clínicas, com crianças com dificuldades de aprendizagens, e em escolas. Trabalhei no Sobralense, no acompanhamento da educação infantil. Depois, uma amiga pedagoga e eu montamos uma escola de educação infantil e séries iniciais, a Arco-íris, que funciona até hoje. Como a clínica me exigia viagens, e os filhos ainda estavam pequenos, acabei me vinculando mais à escola. Quando passei para ser professora do curso de pedagogia da UVA, me desliguei da clínica de maneira mais definitiva. Foi nessa época, final da década de 1980, que organizamos os primeiros seminários sobre educação, desenvolvimento infantil e práticas pedagógicas no município.
Izolda - Na verdade, pouco tempo depois eu comecei a militar na área dos conselhos tutelares que veio com a criação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990). Fui da comissão eleitoral que preparou a primeira eleição dos conselheiros tutelares. Era algo que realmente me mobilizava.
OP - Esse foi o momento mais político?
Izolda - Sim. Veio junto com minha atuação na escola Arco-Íris. Depois, já como professora de pedagogia, na UVA, passamos a acompanhar uma escola municipal de ensino infantil e fundamental vinculada ao curso de pedagogia, um Caic. Por decisão do reitor, o curso de pedagogia passou a funcionar dentro do Caic.Izolda - Isso. A ideia é que a instituição funcionasse como uma escola de aplicação. Mas nunca funcionou de fato dessa forma. Foi por ela que começamos, pela primeira vez, a ver o que se passava na escola pública. Havia uma desconexão muito grande - e ainda há! - entre a universidade e a realidade da educação pública. Acompanhávamos todo o dia a dia da escola, das professoras. Eu via meninos de 5, 6 anos já com distorção de idade-série. Não sabiam sequer desenhar o nome. Foi nessa escola que eu ouvi algo impressionante de um menino do 1º ano, com 10 anos. Ele reconheceu em mim uma autoridade frente à professora e me falou: “Diga pra essas professoras que copiar essas coisas aí eu já sei. Eu quero é aprender a ler”. Fiquei muito impressionada com essas palavras dele.
OP - E na universidade vocês não sabiam dessa realidade?
Izolda - Não. Não sabíamos o que realmente se passava. Nós não tínhamos instrumental para uma observação mais ampla da rede pública. No momento em que constatamos isso naquela escola, eu fiz uma proposta meio intuitiva que era garantir para os meninos do 1º ano um tempo integral. Então, eles iam em casa almoçar, porque não tinha a menor condição de garantirmos refeição, e retornavam para ter um tempo pedagógico a mais. De segunda a quinta, eles tinham esses dois tempos e na sexta-feira, eu trabalhava somente com as professoras nessa perspectiva de alfabetização, nas competências e processos de leitura e escrita. Mas, sabia, a impressão que nós tínhamos é que aquele problema só acontecia ali; em outra escola, a realidade talvez fosse outra.Izolda - (Risos) Da minha parte, sim. Porque eu fiquei realmente muito impressionada de ver a absoluta falência de um processo escolar. Esse trabalho de formar os professores durou um ano letivo e não teve mais sequência. Depois o curso de pedagogia se retirou de dentro da escola. Não deu para sabermos se houve algum avanço nas crianças.
OP - E quando se iniciou algo que, de fato, apontava mudanças nessa realidade?
Izolda - De 97 a 2000, durante a primeira gestão do Cid (Gomes, atual governador do Ceará) como prefeito, se iniciou a política de financiamento do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério). Isso possibilitou muita coisa. Foi uma luz no fim do túnel. Começou também um movimento de municipalização maior da matrícula do ensino fundamental. Cid foi muito ágil, conseguiu apoio, construiu escolas, melhorou o salário dos professores, reformou, fez concurso, regularizou a merenda escolar, o transporte escolar. Nessa primeira gestão dele, houve um reordenamento de estrutura.Izolda - Não. Eu militava nos conselhos tutelares. Mas, olhe, Sobral era terra arrasada. Eu lembro também que a Secretaria da Educação fez um convênio naquela época com o Instituto Ayrton Senna (ONG que pesquisa e produz conhecimentos para melhorar a qualidade da educação no Brasil). Implantaram o Acelera Brasil, em 98, pra fazer com que os meninos que estavam em defasagem conseguissem ganhar ritmo e pudessem ir para frente com mais rigor.
OP - O quadro de defasagem atingia qual porcentagem dos estudantes?
Izolda - Praticamente, 60% dos meninos, em diferentes níveis, estavam em distorção. O Acelera tentou resolver isso, mas o problema é que os meninos não estavam só em distorção, eles estavam analfabetos.Izolda - Do Ivo (Gomes, atual secretário da educação de Fortaleza), que tinha sido chefe de gabinete do Cid, no primeiro mandato, e pediu para ser secretário da educação, em 2001. Ele não é da área, é formado em Direito, nunca teve uma militância dentro de escola, mas ele tem uma percepção muito clara da importância da educação.
OP - A senhora nunca tinha vislumbrado nada na política? A convivência com seu marido (Veveu, atual prefeito de Sobral, à época secretário de cultura do município) não lhe incentivava? Izolda- Nada. Zero. Na verdade, eu resisti muito. Estranhei o convite. Disse a ele: “Não, tu precisa de alguém mais experiente”. Ele queria que eu assumisse como secretária adjunta. Tentei me livrar de todo jeito.
OP - Quais as primeiras providências?
Izolda - A primeira pesquisa sobre a realidade da escola foi encomendada pela secretaria em 2000. Quando o Cid viu, caiu das nuvens. Ficou realmente arrasado. Quem ouviu o discurso de posse dele na segunda gestão, parecia um discurso de oposição, de tão absolutamente perplexo que ele estava. Ele achava que tinha feito tudo que precisava na primeira gestão, e fez muita coisa, mas faltava entrar na escola. Fizemos outras parcerias, como com o Instituo Ayrton Senna, com o projeto Escola Campeã, de apoio à gestão. Montamos equipe, fizemos diagnósticos de toda a rede. Transformamos 96 escolas em 37. E o mais importante: elegemos duas metas: meta 1, alfabetizar todo os alunos de 6 e 7 anos na idade certa; meta 2, identificar os alunos que estavam analfabetos ao longo das séries do Ensino Fundamental e enturmá-los em salas de alfabetização.Izolda - Primeiro: selecionar professores por competência. E não queríamos só prova. Queríamos selecionar pessoas com potencial para fazer aquele negócio funcionar. Elaboramos cursos sobre liderança e situações desafiadoras. Houve muita descrença no início. Quando começaram a sair reprovados pessoas que acreditavam ter alguma influência, melhorou a credibilidade. Queríamos pessoas descontaminadas de acomodações, com esperança. Depois, trouxemos para a responsabilidade municipal todos os estudantes de 1º e 2º ano - que ainda eram divididos com a rede estadual. Foi muita confusão, mas estávamos focados na nossa prioridade. E criamos as turmas de metas.
OP - Como funcionavam?
Izolda - Aumentamos um ano do ensino fundamental. A nomenclatura de 1º ao 9º ano ainda não existia. Batizamos, então, de 1ª série básica (para trazermos as crianças de 6 anos) e a 1ª série regular (para as crianças de 7 anos). A meta 1 era trabalhada pela alfabetização nos meninos de 6 e 7 anos. E a meta 2, os meninos que estavam no 3º, no 4º e no 5º analfabetos. O problema era grande: nas séries iniciais, nós tínhamos em torno de 18 mil alunos ao todo; 12 mil eram só de turmas de meta. Nossa, foi muito trabalho, foi dureza.Izolda - Definimos muito claramente os papéis da secretaria, da direção, dos professores, dos pais dos alunos. Cobrávamos muito. Instituímos prêmios às escolas que apresentavam bons resultados. Os professores tinham formação em serviço, recebiam material elaborado especificamente para aquela realidade, o que trouxe uma rotina estruturada ao professor. Os 200 dias letivos passaram a ser absolutamente sagrados. Nada justificava a escola deixar de ter aula. Implantamos um calendário. Os professores das salas de metas recebiam gratificações de acordo com o desempenho dos alunos. Era 30% do salário. Fizemos entrevistas com os alunos para avaliá-los.
OP - Receberam alguma crítica? Como foi o retorno dessas novas exigências?
Izolda - Às vezes chegavam umas críticas da universidade dizendo que a gente estava matando o povo, porque os diretores e as crianças estavam estressadas. Eu só dizia: estamos não, não morre nenhum! Foi realmente uma gradação de maturidade das pessoas. Eles sabiam que se não houvesse comprometimento, a gente exonerava, mas também que eles não eram descartáveis. Os diretores precisavam arcar com o ônus da autonomia. Se um professor não estivesse agindo, é conversar, tirar, se preciso. Então, eles deviam entender que se não tomassem pra si a responsabilidade, eles iam ficar patinando. A gente fiscaliza tudo, a presença, inclusive, ligávamos para a escola para saber se estavam lá. Não permitíamos contar como abandono uma criança sair da escola sem a comprovação de que estava matriculado em outro canto.Izolda - Falta. Precisa-se de mais liderança, regras claras, objetivos explícitos, prioridades definidas. O trabalho de Sobral me ensinou isso. Foi uma grande escola, especialmente por ver o que as pessoas são capazes quando estão realmente mobilizadas para se alcançar um objetivo. Hoje, não é qualquer desculpinha que me convence, não, porque vi tanta coisa que parecia sem jeito e as pessoas serem capazes de transformar. Por isso eu acho que na rede estadual a gente ainda tem muito para avançar nesse sentido.
OP - Falta dinheiro para melhorar a educação pública?
Izolda - Eu acho que, com os recursos que o País já tem, mesmo enfrentando dificuldades, nós poderíamos estar muito melhor do que o que nós estamos. Temos muito mais problemas de gestão e responsabilização por resultados do que falta de dinheiro.Izolda - Porque, do contrário, estaríamos enxugando gelo. A crise no ensino médio é consequência dessa etapa inicial. Ele amarga os piores resultados. É uma visão sistêmica da educação básica. Não inventamos a roda, é o óbvio. Nossa prestação de contas é com a aprendizagem dos alunos. Uma das nossas agendas prioritárias no Estado é com a rede de escolas profissionalizantes.
OP - Elas são a solução para essa crise no ensino médio? A tendência é transformar as regulares em profissionalizantes?
Izolda - Não, é importante que haja itinerários diferentes aos estudantes, mas que não devem ser apartados um do outro, mesmo que o foco seja só o vestibular. Aliás, nosso grande desafio ainda é o acesso à universidade. Não sei bem qual o nosso percentual, mas o número ainda é baixíssimo.OP - Em relação aos professores, como a Seduc vem estudando as reivindicações da categoria?
Izolda - Bom, principalmente em relação à Lei do Piso, acredito que não temos mais nenhuma pendência. Estamos distante do salário que a gente deseja, mas houve uma crescimento significativo neste governo.Izolda - Não é que Fortaleza tenha caído ao longo dos anos, os outros municípios é que cresceram em um ritmo maior. A alfabetização precisa ser encarada como prioridade. Não tenho dúvidas que isso acontece agora.
OP - Há possibilidades de a senhora candidatar-se ao governo do estado?
Izolda - Zero de possibilidades. Não há nada de concreto que justifique a especulação.Erro ao renderizar o portlet: Caixa Jornal De Hoje
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