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Páginas Azuis 18/03/2013 - 07h00

Confira íntegra da entrevista com Cândido Pinheiro

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O POVO –Todo nordestino é judeu?
Cândido Pinheiro – Essa resposta eu tentei dar com essa coleção que vamos publicar agora, em cima do Borges da Fonseca. A gente pesquisou desde raízes, em tombos (anotações cartoriais) que encontramos na Torre do Tombo (acervo nacional de Portugal, em Lisboa), na Biblioteca Nacional de Lisboa, e jogamos isso em cima dos livros do João Gentil e do Borges da Fonseca. Dessa história toda, não somos só judeus, mas também muçulmanos semitas e muçulmanos mesmo. Sim. Além de godos.

OP
– O senhor estuda esse tema há quanto tempo?
Cândido – Há mais de 20 anos. Estudando a Península Ibérica, a gente vai entender qual foi o homem primitivo da Península Ibérica. O íbero que chegou aqui, quem era? Primeiro foi composto pelo celta, que é o concorrente branco que desceu da montanha, da neve, brancão, mas também o íbero que veio do norte da África, negro. A junção desses dois povos dá o homem ibérico. Em cima desse povo já negro e branco, que é o íbero, a gente tem influência dos passadores, das pessoas que atravessaram a Península Ibérica e moraram lá no decorrer dos anos. Gregos, líbios, romanos, godos, que foram os fundadores do império espanhol durante 400 anos. Os muçulmanos, que dominaram a Espanha do ano 700 até o ano 1400. Durante 800 anos dominaram a Península Ibérica. Não é possível que esse pessoal não tenha constituído o homem ibérico.

OP – Mas vieram pra cá com qual intenção?
Cândido – Não vieram pra cá. Eles fizeram o homem ibérico lá. Mas quem foi o muçulmano que chegou lá? Foi só o semita? Não. Eles tinham acabado de converter o negro da África do Norte, o berbere, o tuareg. Então os primeiros invasores da Ibéria, no ano 711, eram berberes, eram negros. Tarik, quando entrou na Espanha em 711 com 12 mil homens, era com negros, muçulmanos negros. Essa conjunção de pessoas, muçulmanos negros e brancos, godos, mais homens da África do Norte, esse caldo deu o íbero. Associadoao judeu, que está lá desde a época da construção do primeiro templo, desde Salomão. Com a destruição do primeiro templo, com a primeira grande evasão, eles vieram muitos. Participar da construção do templo e também da formação da Espanha. Com a destruição do primeiro templo e a primeira grande evasão, vieram muito fortemente para a Espanha. Com a destruição do segundo templo, houve outra evasão grande de judeus para todo o mundo, mas principalmente para a Espanha. Quando os muçulmanos chegaram na Espanha, ali houve a maior população judaica do mundo. Seria como os Estados Unidos hoje. A Espanha era o maior país do mundo e a maior colônia judaica era também na Espanha. Isso fez com que o judeu também participasse da formação do ibério. Quando chegou no Nordeste, para colonizar o Nordeste através dos portugueses, o ibérico chegou judeu, semita, muçulmano, negro, godo, esse caldo todo. E aí juntou com nosso índio. Essa é a formação da elite nordestina.

OP – Esses dez livros que vão sair pela Fundação Roberto Freire mapeiam esses troncos familiares que chegaram aqui?
Cândido – O que a gente fez foi pegar Borges da Fonseca, que é o livro competente para se documentar sobre a elite. O livro dele é 1760, quando ele foi governador aqui. O pai dele foi antes governador na Paraíba.

OP
– O que ele descrevia?
Cândido – Ele descrevia todas as famílias e troncos de Pernambuco. Só descrevia as famílias, quem tinha originado e como foram as famílias nordestinas. Não dizia qual era a cor. Nós estamos dando cor nisso e chegando até o dia de hoje.

OP – Mas ele não dizia a cor intencionalmente?
Cândido – Não podia dizer e não queria. Ele escreveu tudo isso em época de Inquisição. Hoje podemos dizer. Ele próprio tinha ligações familiares com o pessoal da Branca Dias. O avô dele era casado, na segunda vez, com pessoal da Branca Dias.

OP – A Branca Dias foi a grande mãe judia desse Nordeste?
Cândido – Não foi a grande mãe, mas a que mais chamou a atenção porque foi a mais perseguida. Mas existem outras judias que foram grandes mães do Nordeste.

OP – A Branca Dias chegou aqui quando?
Cândido – Foi em 1545... por aí.

OP – Ela está na leva de judeus que foram batizados à força em Portugaleque acabaram chegando aqui?
Cândido – Sim. Ela provavelmente foi batizada à força. E foi presa em Portugal pela Inquisição. Existe um processo dela em que é presa em Portugal. Ela se apresenta. Porque a mãe havia sido presa, uma irmã presa. Ela resolve sair da cidade dela, que é Viana, e vai para Lisboa. Achava que indo para Lisboa receberia uma pena menor, e até pela dificuldade de mobilidade das testemunhas. E ela realmente pegou uma pena menor. Dois anos de cadeia, tortura leve, e depois pôde vir pra cá onde o marido já estava.

OP – Como foi a influência dela na formação da região?
Cândido – O que o Borges da Fonseca diz dela: graças a Deus, dela e do marido não existe descendência para o Nordeste. Diz isso textualmente no livro dele.

OP – Ela não teve filhos?
Cândido – Teve, vários. Nove ou dez, uma ruma. Mas quando fala dos Holanda, por exemplo, ele (Borges da Fonseca) puxa uma neta dela, que você encontra essa neta nos livros do Santo Ofício. Ela dizendo “sou neta da Branca Dias”.

OP – Como foi seu trabalho de investigação para chegar a esses documentos?
Cândido – Os documentos do Santo Ofício, mandamos buscar em Portugal, na Torre do Tombo, os processos referentes aos filhos e netos da Branca Dias que foram presos. Através desse processo reconstituímos a família inicial. Diziam que não existiam netos nem filhos com descendência dela, mas pegando os processos, procurando informações no processo, ela dizia quais eram os filhos dela. Teve filho dela que voltou para Portugal morto, aleijado, os que fugiram. E foram filhos de um casamento só.

OP
– Esses livros vão estudar só os troncos judeus?
Cândido – Todos. A Branca Dias é um deles.

OP – Por exemplo: da nossa origem muçulmana aqui, quem chegou primeiro?
Cândido – Todos nós no Nordeste temos sangue muçulmano semita e negro, da África do Norte. Todos temos. A marca? O tronco principal? Muçulmano semita. O rei Ramiro II, do ano 800, 900,mais ou menos. Os muçulmanos invadiram a Espanha no ano 711. Tomaram o país com um exército de 12 mil pessoas. Derrotaram um de mais de 100 mil. Nesse ano 800 e tanto, Ramiro encontrou numa região intermediária da Espanha uma menina linda, Artiga. Trineta do Abu Ali, que era um certo tribal berbere. Isto é, berbere é negro da África do norte. Companheiro do Tarik, aquele da tropa inicial que invadiu a Espanha, o Ramiro apaixonou-se pela menina. E ele já era casado. E procurou o irmão dela: “olhe, quebra meu galho. Você tem duas, três mulheres, me deixe uma”. O irmão disse: “Eu posso. Você é católico, não pode”. (risos) Fechou as portas pra ele. Ele pegou a menina, fugiu. Subiu as montanhas da Cartágua com ela, desapareceu. O irmão dela ficou uma arara, JadãoJadah. Pois foi lá e pegou a mulher dele, tomou a mulher do Ramiro. Pois a mulher se apaixonou pelo irmão da outra (risos). Depois, quando (Ramiro) ele soube e quis retomar com a mulher pra ficar com as duas, cadê que ela quis ficar de novo?

OP - E onde está escrito isso?
Cândido - Existe o livro mais antigo de linhagem sobre Portugal, que é de dom Pedro Antônio, filho do rei dom Diniz, o Bravo. Ele teve vários filhos bastardos. Um deles era dom Pedro. É um livro maravilhoso sobre Portugal e Espanha. Pois essa menina bonita, linda, é a origem do sangue negro de quase toda a Península Ibérica. Essa daí tingiu todo mundo. Porque é sangue real. Muçulmano semita, um deles: Tomada de Toledo, 1085. Um dos generais da defesa de Toledo é derrotado. Afonso VI, tomador de Toledo, admirou-se do cara, disse que era um cara de muito valor. “Venha cá, vou lhe converter, arranjar uma mulher pra você casar...”. E é a origem de um tronco muçulmano semita também. Juntando esse troco semita com o tronco ramita negro, quase toda a Península Ibérica é dessa formação.

OP – Tem uma família aqui que marque a chegada muçulmana?
Cândido – Aqui não. Tem na Ibéria. Esse sangue vem por tabela. Também tem sangue judeu chegando de lá. Vou citar um, muito antigo e também enorme. Afonso II. A mulher dele vem da Espanha trazendo um judeu. Era físico, médico, contador, Rui Capão. Ele tinha só uma filha. Em Portugal, ele é convertido e dota a filha ricamente. A menina casa e origina um tronco lá que a gente documentou também. É o tronco dos Albuquerque, dos Barbosa, dos Carneiro, dos Costa, de toda a Península Ibérica.

OP – É possível dizer no Ceará qual é a predominância?
Cândido – Dessa época que estudamos dos livros do Borges da Fonseca, 85% da população tinha essa formação: são muçulmanos, muçulmanos semitas, muçulmanos negros. Com o cruzamento contínuo até os dias de hoje, posso garantir que todos nós somos a mesma coisa.

OP – É possível dizer qual a origem mais antiga que chegou aqui?
Cândido – Ano 400, os godos. Todos nós descendemos de lá. Aqui no Ceará, pela documentação, foi Duarte Coelho. Com a chegada dele, chega o grande pai do Nordeste, Jerônimo de Albuquerque, com a mulher do Duarte Coelho, Brites de Albuquerque, que era irmã dele.

OP – Os principais troncos dessa origem nordestina...
Cândido – Branca Dias, Albuquerque, Carneiro, Barbosa... São quase 60 famílias citadas pelo Borges da Fonseca, todas elas estão contidas em dez volumes. Simões Colaço... Abraão Senhor, Lira...

OP
– A história é sempre contada sob a ótica do dominante. O índio passa longe? Foi só para o cruzamento?
Cândido – Passa longe nada. O índio foi de uma importância avassaladora. O defeito dele foi não ter escrita. Todos nós temos sangue do índio também.

OP – O índio está ressaltado no livro do Borges da Fonseca?
Cândido – Não. O português quando escreve a história, ele nega isso. Boa parte da sociedade daquele tempo não queria que tivesse descrita a origem do índio. Nós temos a falsa ideia de que o peninsular era um homem branco. Homem branco como, cara pálida? Como é que se mistura café com leite e dá só leite? (risos) O ibérico nunca chegou aqui branco. Ele era bem moreninho. A identificação dos troncos indígenas não foi pouca.

OP
– E nesse seu livro, o senhor vai mapeando isso?
Cândido – Sim. Mas não eram tantos assim. Era em algumas famílias somente. Quando ele (Borges) trata do Jerônimo de Albuquerque, ele cita pelo menos umas 12 mulheres nativas originando filhos importantes do Jerônimo.

OP – Dá para dizer quais famílias no Nordeste predominavam por Estados?
Cândido – O centro irradiador, a capitania que mais desenvolveu, foi Pernambuco. Houve, claro, alguma coisa que veio da Península Ibérica, algo que veio da Bahia, mas a grande predominância foi através de Pernambuco ou indiretamente da Paraíba.

OP – Por que o senhor foi estudar essa história?
Cândido – Porque eu estava querendo saber quem eu era. Quando eu descobri, achei tudo tão bonito, essa mistura tão grande, tão forte. E não era só minha. Então tenho que dizer que não é só minha, é do Nordeste todo. E estendi a pesquisa. É a origem do Nordeste.

OP – O senhor puxa que ascendências das famílias no Nordeste atual?
Cândido – Por exemplo, doutor Tasso Jereissati (ex-governador, empresário) descende de Jerônimo de Albuquerque. Ele descende da casa real da França, casa real de Portugal, e Jerônimo descende de lá também. Mas eu queria falar também de outra coisa que vocês estão esquecendo: a presença do negro escravo. Essa foi uma decepção grande. O negro não existia na elite dominadora. Até entendo por quê. Houve um processo de seleção natural ao contrário do músculo. A única coisa que queriam era o que o animal possuía, a força. Porque o resto da aliança eles já tinham tido com o índio. Até o dia de hoje, a capacidade do negro de reação é muito menor do que os índios. As comunidades quilombolas, que podiam protestar e lutar, não lutam. E é preciso a ajuda grande de quem é de fora, para que eles possam voltar e ganhar o DNA de elite, de sociedade, o que perderam. Se você liquida o poder de reação, geração após geração, o que permanece é mais fraco. Não sei se no decorrer do tempo isso mudou alguma coisa, acho difícil. Veja que os exemplos são muito poucos, da alçada no poder e na elite de um membro dessa comunidade. Ainda é muito pouco. Acho correto e necessária uma política de cotas muito mais intensa com essa comunidade que perdeu esse DNA de cidadão. Da política de reposição e de alçá-los ao poder através disso.

OP –O senhor associa a política de cotas a esse episódio histórico, como se fosse uma compensação?
Cândido –Uma maneira de alçar. Porque com estudo e alimentação correta você apressa o retorno do DNA nessas comunidades. É uma maneira de fazer voltar isso mais rápido. A representação deles ainda é muito pouca na sociedade. O Joaquim Barbosa (presidente do Supremo Tribunal Federal) é muito pouco para uma comunidade negra tão extensão, você não acha? É muito pouco. Então, quando você pega Borges da Fonseca, encontra três ou quatro troncos de negros com representação nas elites. Um foi Fernandes Vieira, o cara que fez a revolução de Pernambuco e era filho de uma negra. Aparece, mas é pouco representativo. Eu descendo de uma negra escrava também. Do tronco do Silveira Bezerra, que descende de uma negra escrava, que era de Portugal, foi para a Paraíba. E aqui no Ceará os Soares Bulcões são originários dele.

OP – E ela (escrava) foi casar com um português?
Cândido – É claro. Mistura e chega no europeu deles e tal. E eu descendo dela, com muito orgulho. Quando ela chega em Pernambuco, vira testemunha de defesa de uma neta e de uma filha da Branca Dias no Santo Ofício. Aí como a gente sabe que era uma negra? Ela diz. “Tenho 58 irmãos, sou pagueira, analfabeta, viúva e mulata”. Tem alguma dúvida? Está no processo dela. Como vou negar? Essa neguinha também é ancestral do marechal Castello Branco.

OP – A documentação pela Inquisição tem esse mérito?
Cândido - Todo documento tem mérito. O que você escreva e guarde tem mérito. Apesar dos objetivos serem outros. Marquês de Pombal, o que fez? Descendente de judeus e de índios, quando chega ao poder acaba com o Santo Ofício, a Inquisição. Ele descende da índia Arcoverde, mulher do Jerônimo de Albuquerque. Jerônimo tingiu Portugal de sangue nativo quando voltou.

OP – Quando Jerônimo de Albuquerque chega aqui?
Cândido – 1535. Ele foi colonizar Pernambuco com o Duarte Coelho. O Marquês nasce de uma descendente dele. Ele nasce em 1760. O ano do terremoto em Lisboa, 1755.Coelho é o reconstrutor de Lisboa. Bom, o Marquês destruiu a Inquisição, acabou os autos de fé, mandou destruir toda lista em que se dizia quem eram os descendentes dos judeus.Porque se cobrava impostos dos descendentes de judeus e dos cristãos novos. Ele mandou destruir e proibir que no cartório se dissesse ao lado do nome da pessoa que ela era descendente de judeus. Isso foi uma coisa maravilhosa para a época, mas por outro lado perdemos um referencial.

OP – Nessa sua investigação particular que se transformou em coletiva, o maior legado vai para Pernambuco?
Cândido – Sim. Porquea análise em feita em cima do trabalho de Borges da Fonseca. E o alvo dele maior é Pernambuco. Acho que por isso a Fundação Roberto Freire aceitou de bom grado publicar os trabalhos.

OP – Seu trabalho será em 10 volumes. Quais são eles?
Cândido – Branca Dias, Abraão Senhor, Simões Colaço, Albuquerques, Barbosas, Bezerras, Liras, Lucenas, Carneiros de rei Catão de Portugal, Nordeste e Sul do Brasil e um volume que reúne mais de 50 títulos lembrados por Rosa da Fonseca (pesquisadora portuguesa).

OP – Essa pesquisa é cercada por historiadores? A universidade daqui não entra tanto nessa temática. Há um ou outro trabalho.
Cândido – Quem me incentivou muito foi o professor (Francisco) Pinheiro (secretário estadual da Cultura, professor de História da UFC). Usou o nome dele pra gente conseguir chegar na Torre do Tombo e obter documentos, me incentivou a ir em frente quando me desanimei muito. Me deu corda, passou telefones.

OP – Qual foi o primeiro momento que o senhor pensou em iniciar a pesquisa? Como veio a ideia?
Cândido – Um dia você acorda com a vontade de saber “de onde eu venho?”. Todo mundo tem essa vontade. Qual minha origem, de onde venho. Até porque você sabe pra onde vai. Pra onde vou? Um dia vem na cabeça.

OP – E o que mudou?
Cândido – Isso me tornou um homem mais simples. Mostra a grandiosidade do que foi feito, os passos que foram tomados, os exemplos cometidos por todos esses homens, os acertos. Me fez saber que eu era mais finito. Me aceitei mais. Achei muito bom. Preencheu meu peito.

OP – Como é a sua rotina nessa pesquisa?
Cândido – Hoje está mais leve, mas já foi muito pesada. Antigamente eu acordava sistematicamente à meia-noite. Trabalhava no livro até três da manhã. De três até cinco horas via o relatório do livro. A partir daí ia dar minha caminhada, vinha trabalhar. Trabalhava até duas da tarde. Voltava pra casa. Dormia e começava meia noite de novo. Eu sempre gostei de trabalhar de madrugada. Meu pai formou os quatro filhos dele. Trabalhava com tudo. Fazia, ganhava um dinheiro, começava outra coisa. Gostava, ia fazendo outra coisa. Fez de tudo. Pois ele tinha uns ofícios de trabalhar na madrugada. Já teve vacaria, depois uma padaria, dizia que não queria filho dele em casa dormindo e ele trabalhando. Ou você levanta pra estudar ou vai comigo trabalhar. Isso acostumou a gente. Os quatro filhos são médicos.

OP – O que sua família acha dessa sua vida de pesquisador?
Cândido – A casa de um avô nosso na Segóvia, vizinha à casa do Abraão Senhor, foi pra eles um achado fenomenal. Sabia que lá tinha sido a terra do Abraão Senhor. Fui com um neto meu. A gente tava passando numa ruazinha antiga, estreitinha. Sabia que por ali deveria ter sido a casa dele, mas não sabia de nada, de onde era. Aí quando olho estava escrito lá “casa do rabino Abraão Senhor, em recuperação pelo governo da Espanha”. Rapaz, eu quase infarto. E essa mesma sensação teve meu neto e meus filhos quando souberam. Depois voltamos lá. Aí vimos a casa já pronta, totalmente recuperada. Fizeram com uma sinagoga antiga, pra que todos vissem como era. Fizeram um restaurante em frente, com comidas marroquinas da época judia. É um referencial grande pra família isso.

OP – O senhor se converteu ao judaísmo antes da pesquisa?
Cândido – Durante. E ainda tô pesquisando (risos).

OP – O senhor era católico, pais católicos?
Cândido – Era. Eu tenho sangue godo, sangue índio, negro, muçulmano, semita muçulmano, negro africano, judeu. Eu poderia ter escolhido tanta coisa. Poderia ter escolhido ser católico. Poderia ter escolhido os deuses antigos da Alemanha, poderia umbanda, poderia ter escolhido ser muçulmano. Sou parte disso tudo. Mas o judaísmo foi um caminho que se adaptou melhor ao meu personagem. Então não sou judeu, eu pratico judaísmo. Não posso ser só judeu porque sou essa mistura racial toda.

OP – O senhor é praticante de todos os hábitos do judaísmo?
Cândido – Sou, dentro do possível. Acho que é o caminho que escolhi.

OP – Sua família inteira?
Cândido – Sim, eles aceitaram. E aceitaram de bom grado. Eles acham que é o caminho bom para orientar a família. Tem sido fácil conduzir a família. Mas poderia ter sido outro.

OP – Os pequenos e os que se agregam à família também praticam?
Cândido – Também.

OP – Há uma imagem de que o judeu é muito fechado, hermético...
Cândido – É verdade. Mas o que eu queria do judaísmo era esse conhecimento, a maneira de viver. Isso eu já tenho.

OP –O que o senhor recomenda do judaísmo?
Cândido – A lógica do judaísmo, a ética, a disciplina. E há um respeito muito grande pelo outro. A certeza de que tudo que você faz, de bem e de mal, lhe retorna. Não precisa estar ninguém vigiando. É essa certeza.

OP – O que o senhor transporta para sua empresa disso?
Cândido – O conceito judaico da unicidade, de que todos nós estamos ligados de uma maneira ou de outra, isso é o melhor. A natureza, o planeta, o universo, tudo está interligado. É o que hoje está tentando se falar de empresa preocupada com o mercado, antigamente não se via isso. Abria-se uma empresa e que se dane. Hoje existe uma preocupação grande com o mercado, até porque se não houver fecha. Esse conceito de olhar para o semelhante sempre existiu na teoria judaica. Se isso for aplicado, não precisa muita preocupação com o mercado. Se todos nós formos preocupados uns com os outros, de não fazermos nada errado, dentro do princípio de justiça, isso é preocupação com o mercado.

OP – Quando o senhor decidiu fundar o Hap Vida?
Cândido – Começou no (hospital) Antônio Prudente. Nunca imaginei no Antônio Prudente virar Hap Vida. Na época, eu era chefe do serviço de oncologia da Santa Casa e tinha uma clientela particular muito grande. Muita gente não queria se internar lá. A Clínica Antônio Prudente era pequenininha, só consultório, em 1978. O sistema está com 35 anos. Um dia chego, o diretor manda me chamar, um doente que tinha me dado cano no hospital pede pra ser internado. Eu banquei. Era hospital pequeno, 12 leitos. Aí deixei tudo, Santa Casa, Instituto José Frota, Hospital do Câncer. Deixei tudo e caí dentro do Antônio Prudente. Vamos fazer um hospital. E o atendimento foi crescendo como hospital, e naquele tempo a São Raimundo desativou a hemodinâmica. Era o único hospital privado a ter hemodinâmica aqui. Fomos o primeiro a ter tomografia, primeiro com ressonância, primeiro com medicina nuclear, primeiro a fazer cirurgia por vídeo, a fazer transplante cardíaco. Foi a luta de fazer um hospital. Aí chegou a notícia de que um concorrente nosso iria montar um hospital em Fortaleza de 400 e tantos leitos. A gente fez a conta de que a quantidade de leitos de todos os convênios não dava 400 leitos. Hoje o sistema está muito maior do que meus braços.

OP – Os planos de saúde são os mais reclamados pelos usuários. Como o senhor lida com isso?
Cândido – Eu acho ótimo porque quando o cliente reclama é sinal de que temos que melhorar o serviço. É que nem casamento: se a mulher não reclama, você não melhora nunca (risos). Tem que haver diálogo. A reclamação do cliente é o diálogo. O cliente tem que reclamar, a gente tem que ouvir e melhorar. Tirando os exageros naturais que existem, mas tem que melhorar. Eu rezo todo dia pelas reclamações da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e dos meus clientes porque me fazem um homem melhor. Erros nós cometemos todo dia e choro por isso. E tento corrigir e vou e brigo.

OP – Como o senhor como médico, dono de um plano de saúde...
Cândido – Antes de você perguntar, vou responder. Não me considero dono de coisa nenhuma. A única coisa que queria ser é dono da minha vida. E não sou. Porque se fosse, diria pra ela “não morre...”. Sou um pastorador, um tomador de contas dessa coisa que o mercado me entregou pra tomar conta. É como me considero.

OP – Pois a pergunta é como o senhor lida com a morte, nos vários aspectos?
Cândido – Minha ou dos outros?

OP
– A dos outros, a sua...
Cândido – Nunca aguentei a morte. Sempre me desesperou. Foi uma das razões porque parei da oncologia foi essa. Naquela época as derrotas (para o câncer) eram muito maiores. E eu não estava suportando perder. Era horrível. A sensação de perda muito grande, de impotência, de você ver as pessoas por quem você lutou, lutou e lutou e... (neste momento, chega a marejar os olhos). Como médico, foi quando vivi mais perto dela (morte).

OP – E como pessoa?
Cândido – Ah, tento me conformar. A única coisa que peço a Deus é que ela venha sem dor. Que vou aceitar melhor (volta a marejar os olhos). Acho que o ruim disso é a dor. Ou a falta de ar, o desespero por ar, ar. A dor é negócio insuportável. Eu me conformaria muito mais com meu fim do que o fim de outra pessoa.

OP – Há uma tristeza clandestina no senhor?
Cândido – Por natureza sou assim. Não sei porquê. Talvez por isso. Não sei.

OP – Será por que remexe muito no passado? Uma nostalgia?
Cândido – Não sei. Eu me sinto bem mexendo nessas coisas. Eu sou um homem feliz, muito feliz. Sou um homem barato também.Me sinto feliz com pouca coisa. De vez em quando me assalta uma sensação de tristeza, confesso, me assalta. Mas um pássaro me acorda (risos).

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Rose Rejane Melo 29/11/2013 20:19
Estou conhecendo você hoje via recebimento de e-mail do Centro de Cultura Judaica de SP. Gostei muito do Ser que você é, sua entrevista, suas pesquisas e irei ao evento no CCJ para conecê-lo pessoalmente.Um abraço.
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Afonso Fonseca 18/03/2013 22:08
Mto interessante. Falta atenção aos Berberes. E aos Mouros--Mestiços d Árabes eBerberes. Sudaneses,Negros,são d África Subssariana. Miscigenam c os Berberes. Berberes e Mouros podem ser de Brancos a Negros. Judeus da região são Mouros. Há tb Mamelucos e Mulatos Africanos.
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