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Sobre a mesa, J. Ciro Saraiva já tem praticamente prontos três capítulos de seu segundo livro. No fim do ano passado, lançou a primeira parte da trilogia que contará a história política do Ceará pós-Estado Novo. Ele começou pelo meio, com No tempo dos coronéis, lançado em dezembro. E não foi apenas observador, mas personagem da história que narra. Teve presença particularmente marcante no período do primeiro livro. No fim da “era dos coronéis”, foi secretário de Comunicação de dois governadores. Aos risos, em tom de brincadeira, disse que se sentia, ele próprio, um “coronel da imprensa”.
No segundo livro, que pretende lançar no fim deste ano, ele recuará ainda mais no tempo. Contará o período anterior aos coronéis. O relato abordará os governos cearenses do ciclo entre o Estado Novo e a ditadura militar.
Curiosamente, todos os governadores dessa época eram bacharéis em Direito. “Estou em dúvida entre chamar o livro de Antes dos coronéis, ou de Os coronéis de anel”, conta. Em seguida, narrará o período pós-coronéis, de Tasso Jereissati e Ciro Gomes à política atual. Nesta conversa, ele fala do que presenciou e viveu na intimidade do poder.
O POVO – A quando remontam as primeiras memórias políticas?
J. Ciro Saraiva – Em 1945, eu já tava metido com política (tinha sete anos). Sei cantar as músicas do Eurico Dutra (presidente de 1946 a 1951): “O pleito de 2 de dezembro nos encheu de glória/Nos dará a vitória/Viva o Brasil na grande consagração/Eurico Gaspar Dutra/O chefe da nação”. Eu ficava ouvindo as conversas. Meu pai não era chefe político, mas gostava muito de política. Recebia os jornais de Fortaleza. O POVO, O Estado. Nesse tempo, morava numa localidade chamada Lacerda, em Quixeramobim. Eu notava que ele acompanhava muito as coisas do PSD (Partido Social Democrático, extinto com o golpe militar de 1964). Desde aquele tempo, eu sei que o PSD era um partido leve, que fazia as coisas na maciota. Enquanto a UDN (União Democrática Nacional) era golpista. O PTB e o PSD foram criados pelo Getúlio Vargas. O PTB foi criado porque o Getúlio queria se contrapor ao Partido Comunista, do (Luís Carlos) Prestes. Tinha necessidade de criar um partido voltado para as massas operárias. Enquanto o PSD era o partido dos agropecuaristas, dos patrões. Era um partido de Minas Gerais. E era o partido mais inteligente.OP – A morte do Getúlio iniciou período de mudanças frenéticas no Brasil. Como foi no Ceará?
Ciro – Em 1954, eu trabalhava no jornal O Estado. Era revisor. Estava se dando Ceará uma das mais difíceis campanhas eleitorais de todos os tempos. Paulo Sarasate contra Armando Falcão. O Sarasate, diretor fundador do jornal O POVO, tinha popularidade imensa. Era excelente deputado federal. E o Armando Falcão, deputado federal também, tinha surgido no cenário nacional com aquela história contra o roubo e a corrupção. (Cantarola o jingle da campanha, numa paródia da marchinha As águas vão rolar) “Armando vai ganhar/Sua vitória ninguém pode contestar/O povo todo está com ele, é colossal/É contra o roubo nacional/Candidato ideal”. E havia uma dualidade. Disputa entre o jornal O Estado e O POVO. Um pessedista, outro udenista. Curiosamente, o editorialista dos dois jornais era o mesmo: Odalves Lima (célebre por escrever o editorial do matutino O Estado e responder ao próprio texto no então vespertino O POVO).OP – O período que antecede os coronéis foi tão atribulado no Ceará quanto na política nacional?
Ciro – Em 1947, que foi a primeira eleição depois da redemocratização, tivemos o primeiro governador, que foi Faustino de Albuquerque. Foi uma coisa que eu, criança, assisti. Cada partido tinha um boi. Não havia proibição de dar comida ao eleitor. A UDN matava um boi, o PSD matava outro boi. Em cada localidade. Você via filas de gente procurando almoçar naquele dia da eleição. Vamos dizer que em cada distrito morresse um boi de cada partido. E havia eleitor que comia em mais de um dos lados. Ainda hoje há, né?OP – Como a notícia do golpe militar chegou, em 1964?
Ciro – Não havia informação. Eu trabalhava no Correio do Ceará e na TV Ceará. Quando chegava ao Correio, na Senador Pompeu, pertinho da Praça do Ferreira, diziam que estava havendo um movimento grande. A reportagem ia para lá. Mas não podia nem publicar. Nós começamos a acompanhar pelo Correio da Manhã e A Última Hora (jornais cariocas). Que logo foram apreendidos. Quando começaram a ser presos alguns jornalistas, lembro do Cid Carvalho, cheguei em casa e disse: “Pelo sim, pelo não, vou logo queimar esses Última Hora”. O que era de jornal velho que me ligasse ao Jango botei fora.OP – Qual a expressão do Castello Branco na sociedade cearense, antes de ser presidente?
Ciro – Na época que ele passou aqui, foi muito festejado. Quando assumiu a Presidência, tomou posse com quase todos os governadores presentes. Foi a primeira aparição que o Virgílio fez depois de estar escondido. Reaparece lá no Palácio do Planalto para a posse. E aí o Castello começa a se entrosar. Desde a primeira hora, o Paulo Sarasate foi escolhido por ele como a pessoa que fizesse a ligação com o Congresso Nacional. Dona Albanisa (Sarasate, esposa de Paulo, presidente do O POVO entre 1974 e 1985) era muito amiga do Castello. E, sem nenhuma dúvida, o Paulo Sarasate foi o homem mais forte do Ceará. Dona Albanisa, numa entrevista que me concedeu, disse que o Paulo Sarasate escolheu sete governadores, inclusive o de São Paulo. A propósito da escolha do doutor Plácido (Castelo, sucessor de Virgílio no governo). Ela me disse o seguinte: “Ora, se ele tinha força para indicar até em São Paulo, como não teria força para indicar no Ceará?” Ela me revelou mais: Sarasate só não foi vice-presidente da República porque já estava doente. E o Castello tinha dito que ia precisar muito do Paulo no Congresso Nacional. Como, de fato, precisou.OP – Como se constitui o triunvirato dos coronéis? Eles (Virgílio, Adauto Bezerra e César Cals) estavam em constante disputa.
Ciro – Só vieram se unir em 1986. O governo favoreceu a todos eles com as sublegendas. Ao criar as sublegendas, viabilizou essas lideranças. O Virgílio, que era udenista, ficou, por exemplo, com a Arena 1. O Adauto Bezerra, que era um virgilista auxiliar, vamos dizer assim, ficou com a Arena 2. E o César Cals ficou com a Arena 3. A guerra era num só partido, a Arena. As sublegendas permitiram que eles existissem como lideranças estaduais. E o exercício dessas lideranças ia se dar nos municípios, na disputa das prefeituras. O Virgílio tinha um candidato a prefeito, o César tinha outro candidato a prefeito e o Adauto tinha outro. Nessas cidades, a disputa não se dava entre MDB e Arena. Dava-se entre Arena 1 e Arena 2. Por isso César e Virgílio foram, durante muito tempo, adversários. Não havia adversidade entre Virgílio e Adauto, não. Agora, eles só vão se juntar em 1986. Como eles andavam separados, se juntaram para enfrentar Tasso Jereissati.OP – Como foi possível a eleição do Mauro Benevides ao Senado, pelo MDB, em 1974? Foi resultado dessa divisão?
Ciro – Foi um fenômeno, não pode ser explicada de outra maneira. O Governo Federal tinha cometido muitos erros, na medida em que fechou. Ali foi uma válvula. Não tinha eleição para governador. Onde vai se manifestar o desagrado do povo? É na senatória mesmo. Aqui, os candidatos eram Edilson Távora e Mauro Benevides. O Edilson, a despeito de ser parente, o Virgílio não votou nele. Porque havia um problema dele com o Virgílio envolvendo dona Luiza (Távora). Entendeu? Coisas que nunca ficaram bem esclarecidas. Nem a mim cumpre esclarecer. Então, o Virgílio mandou votar no Mauro Benevides. Que junta com aquela declaração do Virgílio, que manda lhe dizer que não esquecerá o seu gesto. O gesto foi quando o Mauro disse aos dois majores: “Vocês estão esquecidos que o Virgílio é sobrinho do Juarez Távora?” O golpe não foi dado contra o Virgílio porque faltou o apoio da Assembleia (presidida, em 1964, por Mauro Benevides). Mauro Benevides não deixou prosperar. O Mauro nunca contou essa história direito. Até a mim mesmo não contou direito, pelo fato de que me disse que ia contar num livro.OP – Como foi a experiência da Secretaria de Comunicação (comandada por Ciro nas administrações de Manoel de Castro e Gonzaga Mota)?
Ciro – Eu acho que o Virgílio (que instituiu a pasta) quis criar essa secretaria para dar mais oportunidade à imprensa. Botar os jornalistas no Palácio. E botou. Eu me senti muito bem como secretário de Comunicação. Não devo mentir. Me considerava, assim, um coronel da imprensa (risos). Um dia eu estava dormindo, me telefonou um jornalista, que evidentemente eu não vou lhe dizer o nome. “Ciro, eu estou preso. Vem me soltar”. Saí daqui, fui até de táxi. O delegado me atendeu bem. Mas eu não botei paletó, não fui de carro oficial. O poder tem toda sua simbologia. Cheguei lá em manga de camisa. Pedi que o liberasse, que estava fazendo falta em casa. Ele ficou meio... Eu não era secretário de Polícia. Aí pedi um copo d’água. Ele foi buscar, aproveitei e eu telefonei para o Gonzaga Mota (então governador). Eu disse: “Diga onde é que eu estou.” Ele respondeu: “Tá bem em Quixeramobim”. “Que Quixeramobim! Estou na Polícia. Vim soltar aqui um jornalista. E parece que o delegado não vai soltar não”. Ele pergunta: “Quem é esse jornalista?” Eu disse o nome. O Gonzaga responde: “Rapaz, passe esse telefone”. O delegado vinha chegando. “O governador quer falar com o senhor”. Ele se assusta: “O governador?” No telefone, ele disse: “Não senhor, tá tudo resolvido, já”. Quando ele soltou, o cara veio para perto de mim, ainda cheio do álcool: “Quero levar meu revólver”. Eu disse: “Depois eu resolvo com o delegado. Sabe como essa Polícia é cheia de coisa, né”. Eu estava estreando naquele tipo de coisa. Por isso que eu digo que secretário de Estado não pode ser jornalista. Jornalista não tem formação para isso. Ele insiste e eu peço o revólver dele. O delegado resiste. E eu digo: “Você vai querer que eu ligue de novo pro governador?” “Não, não. O senhor pode levar o revólver”. (Risos) Nunca contei essa história. É inédita.OP – Como foi a escolha do Gonzaga Mota para governador?
Ciro – O Gonzaga era candidato a deputado federal. Quem ia ser candidato era o Aécio de Borba (com apoio de Virgílio Távora). Mas se dá a disputa entre o Aécio e o Adauto. Mas o Virgílio, há muito tempo, ele era muito sabido, havia botado no colete o nome do Gonzaga Mota. Já tinha o plano B previsto. Houve várias reuniões dos três. Virgílio, Adauto e César. Que iam a Brasília e não resolviam nada. Todo o pessoal do Manoel de Castro, leia-se, Aécio de Borba, está reunido no Palácio (da Abolição). Recorde que, naquele momento, o vice-governador era o Manoel de Castro. Ele que animava. Estava toda a corriola, candidato a deputado, gente amiga. Todo mundo estava certo de que era o Aécio de Borba. Porque ninguém sabia do nome do Gonzaga Mota.OP – O senhor estava no Palácio?
Ciro – Estava. Já estava fazendo a campanha do Aécio. Quando isso se dá, também entro na frustração. Me senti desempregado. No outro dia, recebi com muita alegria o telefonema do Gonzaga Mota. Tinha conversado com o Aécio e ele tinha me indicado para continuar o trabalho.OP – O Gonzaga acabou sendo, proporcionalmente, o governador mais votado da história do Ceará. Como foi aquela campanha?
Ciro – É aquela conversa que o Virgílio me disse: “Fiquem certos que esta é a última eleição dos coronéis. Os coronéis não vencerão mais outra”. Falou em 1982. Ele sabia que essa história de coronel ia degringolar. Quando se deu a eleição do Gonzaga Mota, não sei como nós não percebemos isso. Naquela hora, era para ter notado que a coisa estava escapando dos coronéis.OP – Como se explica a queda quatro anos depois?
Ciro – Aí é a história da mudança. A campanha do Tasso ainda precisa ser contada. Altamente profissionalizada. O sentimento era de que se estava tentando uma coisa nova. Se ia dar certo ou não era outra história. E os coronéis estavam certos de que iam ganhar. Quando o Tasso começou a se movimentar, um jornalista chegou para o Adauto e perguntou: “Como o senhor pensa enfrentar essa campanha toda profissionalizada?” Ele disse: “Isso aí não nos mete medo. Vamos ganhar do mesmo jeito que nós fizemos das vezes passadas”. Claro, eles não sabiam o que estava sendo estruturado.OP – O que houve de especial?
Ciro – A campanha de 1986, até pela necessidade de levar essa palavra mudança, e explicar. A mudança está representada no encontro que o Tasso vai ter com os prefeitos do Mauro Sampaio (ex-prefeito de Juazeiro do Norte, que articulou grupo de apoio), lá no hotel, em Juazeiro. Quando chega o Zeca Macedo, de Aurora, e diz: “Doutor Tasso, o senhor, para ganhar essas eleições, consiga 40 mil, 50 mil nomeações com o governador Gonzaga Mota, que o resto a gente faz”. O Tasso parte com o dedo em riste para ele. Aí os prefeitos ficaram assim: “Ah, o negócio é para ser sério!” E eu imagino que eles tenham raciocinado: “Mas, se é para ser sério, como é que nós vamos fazer?” O Tasso tinha a receita: enfrentar.OP – Ao assumir, o Tasso extingue a Secretaria de Comunicação. E disse que muito jornalista recebia sem trabalhar.
Ciro – Essa história de jornalista participar da folha do Palácio vinha desde o governo Parsifal Barroso. O pagamento era feito de redação em redação. Havia um rapaz, chamado Getúlio, que levava a folha. E eu recebi lá. Quem me botou foi o Themístocles (de Castro e Silva). E isso me ajudou muito. Esse negócio foi em 1958, teve em 1962. No governo do Virgílio tinha. E não era só lá, não. O Mauro Benevides tinha também, na Assembleia. E depois os prefeitos tiveram, também. E tinha gente que tinha 25 (‘salários’). Recebia em moeda mesmo. Não sei se isso era corrupção. Porque a mim, por exemplo, nunca foi me pedido lealdade, fidelidade, que eu deixasse de publicar nada. Eu escrevi o que eu queria. Iam me pagar porque me era útil e era necessário.OP – O senhor fala no livro também da relação com o Juraci (Magalhães, ex-prefeito de Fortaleza).
Ciro – Foi um bom amigo. Agora, ele tinha dificuldade de se expressar e, também, problemas de saúde. Acho que ele foi infeliz, na parte de comunicação, por exemplo. Ele metia muito o dedo dele. O Juraci achava que era marqueteiro.OP – O senhor cita também que ele tinha dificuldade de controlar os auxiliares e cobrar. E atribui a isso alguns dos escândalos.
Ciro – Ele reclamava: “Esse pessoal não faz o que eu quero”. E eu perguntava: “Por que você não cobra?” Aí ele disse: “Não cobro porque quero que eles descubram o que eu quero”. Parece o Getúlio Vargas.OP – Como se explica que ele tenha tido hegemonia sobre Fortaleza por uma década e meia?
Ciro – Eu posso estar cometendo um erro, mas eu acho que o Juraci foi o último produto do populismo. Ele saia pros subúrbios, bebia cachaça com todo mundo, chegava numa casa, ia na cozinha, sentava lá com a ‘cumade’. Pedia a opinião da ‘cumade’ sobre a administração dele. Anotava, ou fazia que anotava alguma coisa. Não dava resposta nem nada, mas sempre que se encontrava com aquela ‘cumade’ dizia: “Aquele seu caso já está sendo resolvido”. Os populistas sempre faziam assim.
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