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Dificilmente você vai ouvir de um menino que ele quer ser um físico quando crescer. Mas com um pai estudioso da área e várias idas aos laboratórios da Universidade Federal do Ceará para acompanhá-lo, Claudio Lenz César virou cientista e o terceiro filho de Homero e Hulda Lenz na Física.
Com pouca memória, revela, nunca gostou das matérias de decoreba. Ex-aluno e ex-professor da antiga Escola Técnica no Ceará, Lenz foi longe. Participou da equipe que, na Suíça, conseguiu um feito inédito: fabricar milhares de partículas de antihidrogênio e controlá-las em laboratório. Mais um passo na tentativa dos mortais de compreender o universo.
Por suas pesquisas, Lenz foi considerado um dos 50 brasileiros mais influentes em sua área de estudo. Nesta entrevista, ele faz críticas ao modelo de ensino e de pesquisa no Brasil, avalia que ainda somos muito ignorantes para falar de Deus a partir da Ciência e conta que a vida de cientista também pode ter o azul profundo do oceano.
O POVO - É comum imaginar o físico como aquela pessoa “nerd”, centrada nos estudos desde cedo. O senhor sempre gostou de estudar? Quando criança, tirava boas notas?
Claudio Lenz - Sempre tive muito (e dei muito) trabalho de fazer “dever de casa”. Mesmo mais tarde, nos exercícios de Matemática ou Física, uma vez resolvido o enigma da questão me era meio custoso escrever a resposta. Acho que era um aluno preguiçoso. Mas sempre gostei de aprender coisas novas. Sempre tive boas notas em Matemática, pois tive intensa tutoria paterna; Física, as disciplinas técnicas, eletricidade, eletrônica, da Escola Técnica Federal do Ceará, e Inglês, com a influência e tutoria materna. Mas fui um aluno bem mediano nas outras disciplinas.
O POVO - Física era sua matéria preferida desde mais novo?
Claudio Lenz - A física, ou ciências, no ensino médio é ensinada no Brasil de uma maneira muito desinteressante sem experimento, muito abstrata, e com muito rigor. Mas meu pai, como bom físico, matemático e químico, me deu uma boa base de Física e Matemática. O raciocínio e a pouca memória me levaram a quase detestar as matérias que envolviam decoreba. Na hora de prestar o vestibular estava entre Física e Engenharia Eletrônica, pois gostei muito de eletrônica e computação no curso técnico, mas acabei optando pela Física.
O POVO - A ligação familiar com a Ciência então foi decisiva...
Claudio Lenz - Meu pai é físico, e de sua influência, tenho outros dois irmãos mais velhos físicos também. Assim, Física foi minha escolha fácil. Trilhei o caminho familiar. Em parte isso tem a ver também com as visitas que fazia desde pequeno ao laboratório do meu pai na Universidade Federal do Ceará (UFC).O POVO - E como foi sua passagem pelos bancos da UFC?
Claudio Lenz - O tempo na UFC foi excelente! Tive meu pai como professor em metade dos meus cursos de Física e também outros ótimos professores em vários cursos. Talvez uns dois ou três cursos na física, no máximo, não tenham sido tão bons.O POVO - E como se deu sua ida a outros estados para estudar?
Claudio Lenz - A experiência de passar por outros locais é fundamental na vida de um cientista. Estudei na Universidade de Campinas por seis meses, durante o mestrado, e na Federal de Pernambuco por um ano e meio fechando o mestrado. Depois, fui para o Massachusetts Institute of Technology (MIT), talvez o local mais impressionante para a física mundial nas décadas passadas. O que se tem nas boas universidades americanas e algumas poucas no mundo em termos de cultura de se fazer ciência é algo impressionante.
O POVO - Quando e como surgiu o interesse pelas pesquisas sobre a antimatéria?
Claudio Lenz - Meu interesse por antimatéria surgiu no MIT quando cursava meu doutorado. Foi lá que ouvi sobre um grupo que queria fabricar antihidrogênio e comparar esse anti-átomo com o átomo de hidrogênio. Fazíamos as pesquisas com hidrogênio - estudando seus níveis internos com um laser em altíssima precisão. A diferença fundamental é que antihidrogênio não existe naturalmente no universo. Seria preciso criá-lo em laboratório. Era um sonho para um cientista poder criar e estudar tal matéria exótica. Especialmente porque se houver qualquer diferença entre o anti-átomo e o átomo será preciso uma grande revisão nas leis básicas da Física que temos hoje.
O POVO - O que foi mais marcante quando da criação do primeiro átomo de antihidrogênio em 2002, experiência foi realizada nos laboratórios do Conselho Europeu para Pesquisa Nuclear (Cern), em Genebra?
Claudio Lenz - Criamos os primeiros átomos de hidrogênio a baixas energias. Como um bom otimista, fiquei com a sensação que a parte mais difícil estava vencida, embora soubesse e explicitamente falasse aos meus colegas que iríamos ter que inventar muitas técnicas até chegar ao estudo que pretendemos fazer. O segundo passo fundamental - o aprisionamento do antihidrogênio que só recentemente conseguimos - demorou quase tanto tempo quanto o primeiro passo, a fabricação do anti-átomo a baixas energias. E, tivemos que inventar, reinventar e utilizar muitas técnicas para chegar a isso e ainda não dominamos esse aprisionamento da maneira que esperávamos. Mas, como bom otimista, sei que o próximo e mais interessante passo, o da interação do laser com os anti-átomos, será o mais fácil de todos, uma vez que tenhamos maior número de anti-átomos aprisionados.O POVO - A que descoberta o senhor se dedica hoje?
Claudio Lenz - Será que a antimatéria é em tudo simétrica (a não ser pela troca de carga) à matéria como diz a Física? Será que antimatéria é atraída gravitacionalmente pela matéria, como tratou Einstein? E se as duas questões acima forem respondidas com um aparente “sim” (nunca se tem um “sim” definitivo em ciência), como se explica o universo atual e a aparente total falta de antimatéria?
O POVO - O que sentiu ao ser incluído na lista dos “50 brasileiros que mudaram as regras do jogo”, pela revista Veja em 2011?
Claudio Lenz - É sempre animador e importante ter um certo reconhecimento. Quando fui contactado, achei que tinha a ver com os resultados recentes de aprisionamento do antihidrogênio e que seria uma listagem anual na qual achava bastante natural figurar. No entanto, ao ver a revista e ver que a lista era de longo prazo e que me colocaram a algumas páginas de João Gilberto, por exemplo, achei despropositado eu figurar ali. Há muita gente muito boa em ciências no Brasil que merecia estar na lista bem mais do que eu, sinceramente. Mas entendo que cada lista é uma lista, uma seleção de um (ou mais) curadores. Assim, é bacana ser prestigiado.
O POVO - Qual princípio da Física gostaria de ver rebatido?
Claudio Lenz - Acho que a Física hoje está num momento parecido com o fim dos 1.800, com a mecânica newtoniana e o eletromagnetismo bem estabelecidos, mas com alguns problemas não compreendidos, como o da radiação de corpo-negro (emissão de radiação por qualquer corpo em temperatura diferente de 0 K). Enquanto alguns cientistas propagavam que a Física estava com seu arcabouço teórico completo, foi a maior sequência de revoluções: quantização da radiação, mecânica quântica, relatividade, e teoria quântica de campos. Essa revolução na base da Física nos levou a inventar e aperfeiçoar o transistor (hoje a base de toda a nossa eletrônica, computação e internet), o laser (usado na indústria, na música e na medicina), a ressonância nuclear magnética (que nos permite diagnósticos e salvar vidas) e tantos outros. Hoje a Física volta a ter uma série de fenômenos não compreendidos e ferramentas ultra-precisas para estudá-los.
O POVO - O que, por exemplo?
Claudio Lenz - Não conhecemos a maior parte da massa no universo, não sabemos porque aparenta estar se expandindo aceleradamente, não sabemos porque não há antimatéria no universo, não sabemos de onde vem a massa das partículas e assim por diante. Eu, pessoalmente, gostaria de ver uma diferença entre matéria e antimatéria, seja devido a uma diferença gravitacional, seja devido à quebra de uma simetria muito fundamental da Física.
O POVO - O senhor tem contatos com novos bons estudantes?
Claudio Lenz - Tenho alguns e poucos bons estudantes de pós-graduação na Federal do Rio de Janeiro. Mas temos dificuldades na nossa pós-graduação de atrair estudantes no Rio porque a bolsa de mestrado e doutorado tem valor unificado no País e a cidade do Rio é muita cara para se viver. Esse é um dos principais fatores que afeta a nossa atratividade. Gostaria de triplicar o número de alunos orientandos.
O POVO - Mas é mais fácil ser cientista no Brasil hoje?
Claudio Lenz - O Brasil evoluiu muito graças ao trabalho incessante das gerações passadas de cientistas que culminou na criação das agências de fomento, um sistema de financiamento mais estável para pesquisa e um extenso programa de pós-graduação. Ou seja, avanços enormes ocorreram no Brasil. No entanto, ainda sofremos de algumas mazelas que só dependem de nós para resolver e que iriam fazer uma revolução. Nos boicotamos constantemente e intensamente. A Receita Federal, ou nossa lei, boicota nossas importações. Não dá para fazer ciência sem uma importação realmente eficaz e rápida. Nossa infraestrutura nas universidades ainda deixa muito a desejar e nossa própria cultura. Não há apoio eficiente administrativo e técnico. Gasta-se tempo do professor/pesquisador cumprindo tarefas de office boy, literalmente. Nosso sistema de avaliação do pesquisador (CNPq) e das pós-graduações (Capes) que cumpriu um ótimo papel passou do limite, a meu ver. Hoje acho que ele precisa de enormes ajustes.
O POVO - Em que sentido?
Claudio Lenz - Nossos pesquisadores não ousam, porque sabem que mudar de área ou fazer algo mais complicado implica em menos publicações, o que pode lhes doer no bolso e em capacidade de conseguir aprovar projetos. O resultado é que fazemos uma grande quantidade de ciência “previsível”, motivada pela publicação, e pouquíssima ciência “ousada”, motivada pelas descobertas e indagações científicas. A avaliação numerológica das pós-graduações também começa a nos fazer mal. Há uma verdadeira “engenharia” para melhorar os índices. Pelo que conheço de Brasil e do Exterior diria que não temos nenhuma pós-graduação em Física realmente que valesse a tal nota máxima “sete” da Capes que deveria ser compatível com as melhores pós-graduações do Exterior. Vamos pagar caro se não aperfeiçoarmos esse processo, pois isso afeta especialmente os jovens pesquisadores, nossos possíveis futuros expoentes. E, finalmente, recursos, materiais e humanos, ainda continuam esparsos, fora de São Paulo.O POVO - Que tipo de apoio, do governo e da iniciativa privada, o senhor avalia que falta e seria essencial ao desenvolvimento da ciência brasileira?
Cláudio Lenz - Acho que nos falta: uma revolução no ensino fundamental e médio para não desperdiçar e massacrar nossas mentes jovens criativas; um choque de desburocratização na gestão de projetos e importação; uma mudança na cultura, governança e eficiência de nossas universidades. Expandindo: nossa Matemática na escola é uma verdadeira decoreba e um sem número de casos especiais. Nossa Física do ensino médio contém o rigor copiado do ensino superior, enquanto a observação, a indagação ficam alheias. Quando você ouve o diretor de uma instituição pública respeitadíssima de ensino médio dizer que o seu filho vai ter que repetir o ano porque a História que ele aprendeu numa escola (no intercâmbio) é diferente da outra do programa daqui, você vê que o problema é grave e de completa falta de visão. É levar ao pé da letra algo que é intercambiável, maleável. É a cultura de dizer “não” e de dificultar sempre que possível.
O POVO - Há um erro de condução de governo e escolas?
Claudio Lenz - Quando nossas escolas particulares só querem aceitar o aluno todo certinho, vê-se que elas se pensam como um”negócio”. É preciso tornar a burocracia inteligente, e eficaz. Tentamos controlar tudo e nos cercar de todas as garantias supondo que o cientista (e isso vale para o cidadão também) é desonesto. A comunidade científica nacional não é tão grande assim e tem bastante vigilância interna e julgamento dos projetos pelos pares. Se tomarmos a pessoa como honesta, simplificando a burocracia e tendo um bom sistema de punição para possíveis desvios, ganharemos muito. Gastamos muito tempo em burocracia e sem um mínimo de apoio secretarial para tal. Como disse e volto a repetir: somos cientistas e office boys.O POVO - Que tipos de atividades burocráticas?
Claudio Lenz - É inacreditável para qualquer professor do Exterior contarmos que vamos pessoalmente ao banco tirar dinheiro para pagar um visitante, ou ao correio para enviar uma carta! É o completo descaso pelo tempo do pesquisador no qual o País investiu e investe uma fortuna para formá-lo e mantê-lo.
Nossas universidades são péssimas em sua administração. A lógica da eleição direta para reitores resulta em corporativismo. Recentemente a França criou um edital para criar superuniversidades para aparecer nos melhores rankings mundiais. Um dos consórcios de ótimas universidades que previa o reitor ser escolhido por eleição foi rejeitado pela comissão internacional que julgou os projetos, enquanto outro, com a previsão do reitor ser escolhido por uma comissão de alto nível, envolvendo membros ilustres da comunidade acadêmica, do governo e da sociedade, foi aprovado. Seu primeiro reitor será um laureado Nobel de Física, cujo compromisso é com a sociedade e a excelência da instituição ao invés de compromisso corporativista com o corpo de funcionários. Avaliação é fundamental e somente algumas carreiras de Estado têm que ter alta estabilidade para poderem falar livre e criticamente do Governo, da administração local, da sua própria chefia, sem medo de retaliação, como deve ser para juízes, professores e poucas outras.
O POVO - A ciência desenvolvida nas universidades é distante da prática do cidadão?
Claudio Lenz - Em parte sim. Já estamos bem inseridos na agenda científica internacional, e deveríamos ter um pouco mais ciência de interesse regional, por exemplo. Já há bons exemplos, como a Embrapa, afetando diretamente nossa mesa e nossa economia. Nosso problema é que todo nosso ensino é de cópia. Assim, os que aprendem a seguir a agenda tendem sempre a segui-la e poucos são os que vislumbram novas agendas e oportunidades. Temos uma riqueza impressionante a ser estudada: da Amazônica à questão energética.
O POVO - O senhor é uma pessoa religiosa?
Claudio Lenz - Professo a fé cristã de uma maneira profunda. Como cientista vejo que a Ciência sabe tão pouco e no entanto muitos cientistas são tão arrogantes. Não sabemos da maior parte da composição do universo e, no entanto, continuamente ouvimos cientistas falando que Deus não é necessário para a existência do universo ou vida. Ora, eu diria: a ciência atual não chega nem próxima de ter conhecimento suficiente para dizer nada sobre Deus, nem contra nem a favor. Assim, detesto o uso “marketeiro” de expressões do tipo “partícula de Deus”. Na minha visão, somos ignorantes demais para falarmos de Deus à partir da Ciência. Da minha parte, me admiro da beleza do universo e da vida, seus métodos, suas leis até então apreendidas, sua evolução. É formidável. Enquanto a Ciência ainda não sabe responder as perguntas mais básicas, como de onde vem a massa das partículas, a tecnologia que ela gerou é fantástica e hoje usamos celular, computador, avião e realizamos imagem de dentro do corpo sem invadi-lo a partir das leis que aprendemos da natureza e de experimentar com ela. Isso é um grande feito do homem.
O POVO - O senhor participou de uma regata de Recife para Noronha (PE) num barco com três gerações de físicos. Como foi isso?
Claudio Lenz - Como os jornalistas descobrem isso? (risos) Como me dizia meu orientador de mestrado, José Rios Leite, da UFPE, é preciso dizer aos alunos que vida de cientista não é só de muito trabalho, mas que nos proporciona oportunidades únicas e muito bacanas! O Rios foi aluno do Nicim Zagury na PUC-Rio. Rios, sócio do Cap. Marrocos no barco Yakaré, nos convidou, ao Nicim e a mim, para participarmos de regata Recife-Noronha. Foi uma experiência extraordinária: o azul marinho profundo do oceano, tartarugas, golfinhos e corais, a excelente comida a bordo, mas principalmente a companhia agradabilíssima de Rios, Nicim, Marrocos e dos outros tripulantes e suas histórias. Para não dizer que tudo foi suave, o sacolejo das ondas pode fazer marear alguns desavisados, como eu, que encheram a pança antes da partida. Ainda tivemos a aventura da quebra de um stay que segurava o mastro pesado no meio da noite. Não fosse a rápida intervenção dos experientes navegadores poderia ter sido bastante complicado. São memórias e experiências que celebro até hoje!
Visitar os pais e participar de encontros acadêmicos são compromissos que anualmente trazem Claudio Lenz ao Ceará. Em novembro passado, ele esteve na capital cearense para participar como palestrante de um evento sobre astronomia e cosmologia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). O tema da palestra “Anthidrogênio e o mistério da
antimatéria no Universo”
De tantos filmes e livros que tratam do início do universo e das descobertas da Física, Claudio Lenz sugere a leitura do recente
“História do Universo” do procurador da República Edmac Trigueiro, Editora Novo Século. Nas horas de lazer, o físico revela que gosta muito de teatro, cinema e viagens
Além da Física, a proximidade da família Lenz César com a educação é grande. O patriarca Homero Lenz César foi professor e pesquisador da UFC e a matriarca Hulda secretária de Fortaleza nos anos 90. Em artigo publicado no O POVO em 5/7/2009, Homero criticou a política de cotas nas universidades brasileiras e destacou a importância de evitar o “ensino alienado, sem referências às experiências diárias”
Os contatos para esta entrevista foram feitos por email e com o auxílio do professor Mauro Oliveira, do IFCE e articulista do O POVO.
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