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As memórias de Totó 28/02/2011 - 01h30

Íntegra da entrevista de Gonzaga Mota

Gonzaga Mota, Totó para os amigos, governou o Ceará de 1983 a 1986. Nessa entrevista, a versão dele reconta histórias do período
RAFAEL CAVALCANTE


Aos 68 anos, o ex-deputado e ex-governador Gonzaga Mota trocou a política pela literatura. Acaba de lançar um livro com compilação de artigos de sua autoria, diz já ter encaminhado uma obra de poesias para a editora e trabalha, agora, numa autobiografia. Outros dois projetos literários ocupam suas preocupações no momento. Apesar disso, a política ainda o entusiasma como tema de discussão, pelo que demonstra o resultado de duas horas e meia de conversa com O POVO, na tarde da terça-feira, dia 22.

 

O próprio ambiente onde a entrevista aconteceu, o pequeno escritório de trabalho do seu apartamento, é pura política. Por exemplo, fotos com político e de políticos ornamentam a parede.
Gonzaga Mota fala de tudo. De como virou candidato a governador em 1982, de como fez de Tasso seu sucessor quatro anos depois, das dificuldades que enfrentou no governo e após deixá-lo, dos rompimentos que protagonizou e da dependência que diz ter hoje da pensão de ex-governador que recebe. Vale conferir.

 

O POVO – O senhor está aposentado da política de maneira definitiva?
Gonzaga Mota – Nunca gosto de dizer nunca mais. Diria que tenho ainda um por cento de probabilidade de ser político, para 99 por cento de intenção de não mais disputar cargo eletivo. Por que isso? Entrei muito cedo na política, quase todas as pessoas com as quais me relacionei tinham idade para ser meu pai, aprendi a fazer política com um cidadão chamado Virgílio Távora, que já não existe mais. Então, minha faixa política não se confunde com a minha faixa etária, que, na verdade, é formada pelos que estão hoje no poder ou na oposição. É o Michel Temer, o (José) Serra, Lula, o Agripino (Maia), o Hugo Napoleão, entendeu? A minha faixa política, infelizmente, com “I” maiúsculo, quase todos já faleceram. Biologicamente, claro, mas deixaram muito, realizaram muito e ainda estão prevalecendo muito suas propostas, ideias, sua forma de ver as coisas. Essa é uma situação que me desestimulou muito.

OP – O senhor diria que vivemos uma crise de nomes na política, nacional ou cearense?
Gonzaga – Não, acho que temos grandes valores hoje. Temos sim, na oposição e na situação. Evitarei citar nomes para não cometer injustiças...

OP – Não dá pra citar um, pelo menos, que lhe chame mais atenção?
Gonzaga – Não é bom citar, posso esquecer algo. Me poupe desse sacrifício porque eu posso ser injusto, a memória arrisca falhar.

OP - A política, mais do que os políticos, mudou muito comparada àquela da época em que o senhor começou?
Gonzaga – Muito, mudou muito. Naquela época em que entrei, que era um tempo de transformação, de mudança radical no processo político brasileiro, vivíamos a redemocratização, havia mais romantismo. Eu convivia com gente como Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves, Marco Maciel, José Richa, Franco Montoro, e, digamos assim, um pós-adolescente, com 36 anos, aprendi muito. Passei, então, a tentar viver aquele momento histórico do País.

OP – Era mais difícil fazer política naquela época, que era de recomeço do processo democrático.
Gonzaga – Não sei se era mais fácil ou mais difícil, ocupei cargos distintos, fui secretário, depois governador, depois deputado por três legislaturas, mas, penso eu, naquela época havia mais romantismo, mais idealismo. Hoje, parece, o pragmatismo prevalece demais.

OP – O senhor disse que aprendeu a fazer política com o ex-governador e ex-senador Virgílio Távora? Como é que ele chegou ao seu nome para o cargo de secretário de Planejamento lá nos 70? Já existia alguma relação política, então?
Gonzaga – Nenhuma, nenhuma. Eu conhecia o Virgílio por já ter votado nele uma vez, quando era ainda um garoto, na época em que ele se candidatou ao governo. Enfim, me formei em Economia, pela UFC, e depois, na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, cursei a pós-graduação. Lá fiz boas amizades, principalmente com o diretor da faculdade, que era, então, o professor Mário Henrique Simonsen. Uma figura de alto respeito, que tinha sido ministro, que nas décadas de 60, 70, 80. talvez tenha sido o principal economista do Brasil. O primeiro plano de governo do Virgílio tinha sido coordenado por Hélio Beltrão, um homem também de grande respeitabilidade, competentíssimo, e ele, querendo seguir o mesmo caminho, foi até o Simonsen, de quem era muito amigo, e lhe pediu para indicar um nome para coordenar seu novo plano de governo. Era outubro, novembro, de 1978, por aí, ele já tinha sido eleito pelo Colégio Eleitoral....

OP – Não necessariamente um nome cearense?
Gonzaga – Não. O Simonsen disse, então: olha Virgílio, tem o Totó lá em Fortaleza que foi meu aluno no Rio, é professor da Universidade (Federal do Ceará) e é técnico do Banco do Nordeste. Ele poderia coordenar esse plano. O Virgílio, então, perguntou: quem é o Totó? Ele, Simonsen, explicou que eu trabalhava com o Nilson Holanda, então presidente do Banco do Nordeste. Eu, na época, era coordenador de planejamento do BNB, era o ano de 1978. O Simonsen pegou o telefone, ligou para o Nilson e anunciou que o Virgílio estava vindo para Fortaleza e perguntou se ele poderia recebê-lo no dia seguinte, às 15 horas. O Nilson disse que sim, evidentemente, quis saber o que o Virgílio pretendia e o Simonsen disse que ele queria ‘conhecer o Totó’, como eu era tratado pelos dois. No outro dia, às 14 horas e 30 minutos, meu gabinete ficava no 4º andar, o do Nilson era no 6º e ele me orientou para, mais ou menos às15 para 3 da tarde subir até sua sala porque o senador era pontual. Duas e meia cheguei lá e mandei a secretária avisar ao Nilson que tinha chegado. Cerca de dez minutos depois passa o Virgílio de uma vez, sequer boa tarde deu. Eu, sem experiência política nenhuma, o máximo que tinha sido era presidente do Centro Acadêmico do curso de Economia da UFC, em 1966...

OP – Durante o período de ebulição política?
Gonzaga – Foi. Lá, passei por bons e maus momentos. Bons porque consegui algumas vitórias e maus pelas derrotas que também aconteceram.

OP – Voltando à história do convite do Virgílio, então?
Gonzaga – Bom, então, o Nilson chegou e me apresentou ao senador Virgílio Távora, que ficou olhando, eu, um menino ainda etc. Naquele jeitão dele, enquanto o Nilson falava e tal. Ficamos os três sentados e a verdade é que ninguém sabia como começar o assunto.

OP – Qual era a idade do senhor, na época?
Gonzaga – Trinta e seis anos. Eu, querendo mostrar que era o bamba, perguntei: governador, quais as prioridades do seu governo? Se a missão era fazer um plano precisava, pelo menos, conhecer as prioridades dele. Ele, então, botou aquela cara feia, com aquele jeitão de quem não dava um sorriso, embora fosse uma pessoa de um coração imenso, do tamanho de um bonde, uma pessoa adorável, olhou pra mim e disse que tinha três prioridades. Pensei: vai dar samba! Três prioridades! Perguntei, então, quais eram elas. Ele, vocês talvez não o conheceram, era um homem que falava muito de forma telegráfica, gostava de dizer muito ‘pt saudações’, ‘pt’ aquele negócio. Ele chegou e disse: são três prioridades, emprego, emprego e emprego. PT saudações! E encerrou o assunto. PT, no sentido telegráfico, queria dizer acabou, ou seja, não tinha mais o que falar.

OP – Não tinha a ver com o Partido dos Trabalhadores (risos)...
Gonzaga – Não tinha, o PT, partido, estava ainda em processo de formação, não existia ainda. Só sei que ele disse isso e me entregou uma pasta que levava com ele, a abriu, tirou um envelope, colocou no bolso, pegou a pasta e, surpreendendo, disse ‘tome!’ Jogou a pasta nos meus peitos. Eu, então, indaguei: senador, e a pasta? ‘É sua!’. Quando abri a tal pasta tinha carta de ministro, pedido de vereador, só não tinha plano de governo. O resultado, finalmente, é que para minha surpresa, e do Nilson, ele deu uma assistência total à elaboração do plano. O Virgílio era um homem muito competente, do ponto de vista técnico e político, e tinha uma excelente formação intelectual...

OP – Aquele plano projetou o Ceará pra quanto tempo adiante?
Gonzaga – Para o governo dele, do Virgílio. Na verdade projetou ainda para um ano além, que acabaria sendo para o meu governo.

OP – Era um pouco a proposta do PPA (Plano Plurianual) dos dias atuais, não é?
Gonzaga – Tenho ainda a cópia de um exemplar dele. Foi um plano que fiz com pessoas do Ceará, não tinha uma só pessoa de fora. Quem participou da elaboração desse plano: Uece, BNB, UFC e outros técnicos do próprio governo estadual.

OP – Qual cargo o senhor ocupou no governo Virgílio?
Gonzaga – Bom, conclui o plano em fevereiro, entreguei a ele, que recebeu, agradeceu, ‘muito obrigado doutorzinho’, vou ler e depois quero comentar com você. Em casa, disse à minha mulher que iria ligar para o doutor (Camilo) Calazans, que estava presidente do BNB, pedir férias até o mês de março, descansar um pouco e retornaria em abril. Falei com o Nilson Holanda, que ainda não tinha deixado o cargo, enfim, até que um dia o telefone da minha casa tocou e era o coronel Virgílio Távora querendo falar comigo. Perguntou se eu poderia dar um pulo à casa dele, que ficava ali na rua Canuto de Aguiar, era um homem muito educado. Cheguei lá, estávamos por volta de 13 de março, a posse seria dois dias depois, ai ele disse: ‘muito bem doutorzinho. O senhor fez o plano não fez?’ Respondi que sim, ao lado de técnicos de instituições, das universidades, do próprio governo.. Ele disse, então, que eu iria aplicar o plano. Assim foi que me tornei secretário de Planejamento.

OP – Qual era a estratégia central do plano, na perspectiva de atender às prioridades apresentadas?
Gonzaga – A estratégia era fantástica, até hoje rende frutos. O eixo central era a interiorização e a industrialização, isso tudo começou com o Virgílio. Distrito Industrial... é preciso que se faça justiça!

OP – Estava no plano?
Gonzaga – Estava. O Virgílio, quando estava em Fortaleza, fazia questão de participar. Ele era senador e ligava de lá, normalmente na quinta-feira à noite, e informava que queria uma reunião com a equipe para o dia seguinte, à tarde. Eu reunia a equipe toda e ele saia perguntando como estava a questão da educação, a saúde, estradas etc. Enfim, desenvolvemos uma boa amizade dentro do processo e o convite para secretaria se deu com essas palavras: ‘já que você fez o plano, o execute!’

OP – Uma história um pouco mais longa, agora. Como é que o senhor, que não era político, virou secretário, mas de uma área técnica, se transformaria, depois, em candidato a governador?
Gonzaga – Como disse, até então minha experiência na política era como presidente de diretório acadêmico na universidade. O que aconteceu foi um fato muito interessante: um grupo de deputados estaduais, formado por gente como Antônio Câmara, Everardo Silveira, Pinheiro Landim, Maria Dias, Otacílio Correia, Marcone Alencar, Ubiratan Aguiar, queria que eu fosse candidato a deputado federal. Desculpe a falta de modéstia, mas eu tinha sido um bom secretário de Estado. Assim, em fevereiro de 1982, peguei a corda, projetando uma candidatura para deputado federal. Mas, no dia 7 de fevereiro, de 1982, eu cheguei para o Virgílio e disse coronel, ou foi governador, dependia do humor dele, vou deixar a secretaria para me candidatar a deputado federal. Ele: ‘você vai ser candidato a deputado federal?’ Eu disse, vou. ‘Como?’ Ele perguntou. Tenho uns amigos ai que estão querendo me apoiar e decidi entrar. Ele perguntou, então, se eu tinha estrutura. Disse que os amigos haviam garantido mexer comigo pelo Interior e tal, mas o certo é que fui. Deixei a secretaria, pedi demissão, entreguei o cargo a ele e passei o mês de fevereiro todo, a partir daquela conversa no dia 7, trabalhando. Era uma dificuldade danada, eu não via rendimento, não via nada e a verdade é que precisava também da força logística, da estrutura (risos). E não tinha estrutura nenhuma. Havia, na época, uma disputa muito grande dentro do PDS para o governo do Estado, que era entre o Adauto Bezerra e o Aécio de Borba, os dois fortíssimos e os dois se articulando pela indicação. Acho que se tivesse havido a disputa entre os dois era difícil fazer um prognóstico.

OP – Lembrando-se, ainda, que era a primeira eleição direta para governador desde o golpe militar.
Gonzaga – Seria uma eleição disputadíssima.

OP – O Aécio tinha o apoio de quem?
Gonzaga – Dos virgilistas. Também do pessoal ligado ao Manoel de Castro.

OP – Ele também era secretário na época, não era?
Gonzaga – Era o homem forte do governo, à frente da Secretaria de Governo. Aécio era uma espécie de primeiro-ministro. É uma pessoa muito boa, quero muito bem a ele. Então, era o Aécio e o Adauto naquela briga toda e eu na minha. Desisti de ser federal, vencido pelas dificuldades, e fui ao doutor Camilo comunicar que queria voltar a trabalhar no BNB no dia 2 de abril, para fugir do dia da mentira, dia 1° (risos). Ele disse que tudo bem e eu voltaria para o mesmo posto que ocupava quando sai, ou seja, a chefia da assessoria de recursos humanos. Se não me falha a memória, no dia 24 de março, eu de férias, tinha ido à praia com a mulher e meu filho caçula, os maiores estavam na aula, ali no Santo Inácio, tinha umas barraquinhas ainda modestas, acho que nem a 31 de Março existia, ainda, tomei uma cervejinha, comi um peixinho tal, minha biquara assada, enfim, de férias mesmo. Voltei pra casa, almocei e fui dormir. Era 24 de março, se não me falha a memória. Estou dormindo, coisa de duas e meia, três horas da tarde, quando a empregada chega chamando, ‘doutor Luiz, doutor Luiz, o gabinete do Governador quer falar com o senhor’. Pensei comigo: vixe, rapaz, gabinete do Governador? Não fiz nada!? O que é que houve? É o doutor Manoel, disse ela. O Manoel de Castro estava no Governo porque o Virgílio estava em Brasília e naquela época era assim, toda vez que o governador se ausentava, uma viagem aqui perto, ao Recife, exigia a passagem do cargo. Levantei, fui ao telefone e o capitão, ajudante de ordens dele, disse que era para esperar que o doutor Manoel queria falar comigo. Doutor Manoel era gente muito boa, era bonachão, e disse: ‘caba vei, bote a gravata, o paletó e venha pra cá, para o meu gabinete, porque tá cheio de jornalista. Tem mais jornalista do que gente e eu quero que você venha pra cá porque eles querem lhe ouvir. Você é candidato a governador’. Eu, surpreso: como é doutor Manoel? E ele: ‘faça o que eu tou dizendo. Até logo’. Baixei o telefone imaginando que era um trote, só podia ser. Ai, liguei de volta para o gabinete e o ajudante de ordens confirmou, pediu para ir pra lá, no Palácio da Abolição. Rapaz, quando entrei na sala, de fato, havia mais jornalista do que gente. Eu me dava muito bem com os jornalistas, mas...

OP – Entre a conversa por telefone e a chegada ao gabinete o senhor não conversou sobre o assunto com mais ninguém?
Gonzaga – Nada, com ninguém. Fui pra lá como cego num tiroteio.

OP – Os jornalistas sabiam mais do que o senhor?
Gonzaga – Tudo. Eu não sabia de nada, realmente, quando cheguei e o doutor Manoel mandou logo eu sentar na cadeira de governador, na cabeceira da mesa. Eu sentei e ai foi TV, os gravadores na minha boca, mas os jornalistas eram meus amigos, jamais foram lá para me colocar numa fria. Agora, questionaram porque tinha sido eu o escolhido. E, enfim, respondi o que era possível responder. Depois fui pra casa e quando cheguei lá, morava ali na Santos Dumont, coisa de 18 horas, 18 e 30, havia mais carro do que no enterro de Getúlio (Vargas). Era muita gente! Acabaram a minha casa, invadiram, quebraram coisas etc. Era a história do sol nascente, todo mundo querendo dar parabéns, Fortaleza quase que em peso. Senti a necessidade, depois, de fazer uma visita ao Aécio e fui até ele. Afinal, eu era ligado ao Virgílio, me dava muito bem com o Adauto (Bezerra), como até hoje me dou, mas o Aécio era apoiado pelo Virgílio. Só sei que aconteceu assim, agora, como eu fui escolhido é uma coisa que vocês vão morrer de achar graça.

OP – Foi o famoso pacto dos coronéis, pacto de Brasília?
Gonzaga – Exatamente. O doutor Leitão de Abreu, que era o homem forte do governo (João Baptista) Figueiredo, é quem estava coordenando as sucessões estaduais. Lembrando-se que eram as primeiras eleições diretas para governos estaduais em muitos anos...

OP – Deve ter sido um trabalhão fechar a equação em todos os estados.
Gonzaga – No Ceará, por exemplo, havia três PDS. Havia o PDS do Adauto, o do Virgílio e o do César. Eram três partidos, na verdade, e o doutor Leitão reuniu-se com os três. Nisso, ele tinha que representar o presidente Figueiredo no sepultamento de um jurista, um desembargador famoso, parece lá no Rio Grande do Sul, de onde ele era. Por isso, tinha que sair do Palácio do Planalto, no máximo, às duas horas da tarde para que às cinco pudesse participar lá do sepultamento. Do aeroporto ele iria direto para o cemitério, inclusive. E a reunião começou, segundo me relatou o ajudante de ordens do Virgílio, que depois seria meu ajudante de ordens, o doutor Leitão de Abreu perguntou ao Virgílio quem era o candidato dele. ‘É o doutor Aécio de Borba’; Adauto, quem é seu candidato? ‘Sou eu’. César, quem é seu candidato? César era o que estava menos fortalecido no processo, dos três, e informou que o nome de sua preferência era Wilson Gonçalves, que era senador dele, foi vice-governador etc. A essa altura, já uma e meia da tarde, o doutor Leitão olhava para o relógio, se não embarcasse até duas horas perderia o discurso lá no Rio Grande, a assessoria já pressionando, ai, lá pelas tantas, ele vira para o Virgílio e pergunta: você não tem outra alternativa? Ai o Virgilio, ‘tenho’ (risos). O doutor Leitão perguntou quem seria e ele disse que era o seu secretário de Planejamento, que foi aluno do Simonsen. ‘Doutor Gonzaga Mota’. O doutor Leitão, muito vivo, perguntou ao Adauto se ele teria alguma coisa contra o Gonzaga. ‘Não’, disse Adauto. Perguntou a mesma coisa ao César e a resposta também foi não. Então, disse o doutor Leitão, referindo-se ao Adauto e ao César, ‘você indica o vice e você o prefeito de Fortaleza. Até logo, vou embora, vamos capitão’. E seguiu para o enterro do desembargador. Assim se deu a minha escolha.

OP – Virgílio Távora nunca tinha tratado do assunto com o senhor, numa tinha colocado a possibilidade?
Gonzaga – Nunca.

OP – Depois do encontro em Brasília, quando o senhor falou com ele? A entrevista no Palácio, que o senhor diz ter sido às escuras, foi sem qualquer tipo de conversa entre os dois?
Gonzaga – Foi. Ele comunicou ao Manoel e deve ter dito a ele para me comunicar, fui para entrevista sem saber mesmo. Fui conversar com o Virgílio no dia seguinte, por telefone, de minha casa. Ele elogiou, disse que eu tinha sido muito bem, que havia gostado, o Manoel de Castro lhe falara e ressaltou o fato de eu ter conseguido escapar bem das onças (risos), referindo-se aos jornalistas.

OP- Ele explicou o por quê de ter optado pelo senhor?
Gonzaga – Não. O Virgílio era um grande político, não é, e...desculpe, mas fui um secretário que fez o dever de casa, já tinha feito o plano de Governo, havia a indicação do Simonsen, que era ex-ministro, era colega do Leitão.

OP – O nome já estava no colete como alternativa?
Gonzaga – Acho que não. É que a briga estava tão grande, a disputa entre Aécio e Adauto, especialmente, que quase exigia o aparecimento de um outro nome. O que acontece é que o doutor Leitão foi inteligente, deu uma de advogado.

OP – E quanto ao acordo que teria dividido o governo em partes iguais para os três coronéis, ficando um por cento, apenas, para o senhor nomear à vontade?
Gonzaga – Se houve este tal acordo onde menos funcionou foi no meu governo. É uma injustiça que se faz ao Virgílio, ao Adauto e ao César, porque a maioria dos secretários quem nomeou fui eu. De cara, só pra lhe dizer, escolhi os secretários de Fazenda, Planejamento e Segurança Pública, além do comandante da Polícia Militar. Dá meio governo, considerando-se a importância estratégica dos cargos. Botei o Firmo (de Castro), botei o Osmundo (Rebouças), o Feliciano (de Carvalho) e o Luna na PM. Fiz mais, inclusive, porque naquela época o normal era trazer um nome do Exército para comandar a Polícia e eu coloquei um oficial da própria PM, entendeu? Fui muito aplaudido pelos militares da corporação por isso. E há outros casos, aqueles que não indiquei pessoalmente, mas que o Virgílio, o Adauto e o próprio César chegavam pra mim e conversavam, consultando-me. O que eu achava de um Luiz Marques, por exemplo, o melhor secretário de Obras que o Ceará já teve.

OP – Não existiam cotas para serem preenchidas na equipe com nomes a eles ligados politicamente?
Gonzaga – O Luiz Marques foi o melhor secretário de Obras do Ceará. O Adauto perguntava o que eu achava do Ernando Uchôa Lima, que está ai, ex-presidente nacional da OAB. Qual é o governador que tem a honra de ter um ex-secretário que presidiu nacionalmente a OAB? E assim foi. O Virgilio consultou sobre o nome do Ubiratan Aguiar na Educação e eu disse que claro. Ubiratan era um professor, um estudioso, entendeu? Faço uma aposta, se você pegar da redemocratização pra cá, mas a redemocratização antiga, do Dutra pra cá, não houve um governador do Ceará com mais liberdade do que eu para formar sua equipe. Agora, claro que a oposição usou essa história dos 33 por cento, mas, enfim, estava no papel dela. Você tira pelos quatro casos que citei, de cara, pois foram nomeações feitas sem conversar com eles.

OP – A composição total ficou como pelo acordo?
Gonzaga – Adauto foi meu vice e o César indicou o filho, César Neto, para prefeitura de Fortaleza.

OP – E a campanha eleitoral, como foi? Parece-me que o senhor obteve o maior percentual de votos da história do Ceará para um candidato ao governo..
Gonzaga – Não mudou não?

OP – Não, o Cid parecia que o faria, mas não conseguiu. Quem eram os adversários do senhor?
Gonzaga – Havia o Mauro (Benevides, do PMDB), o Américo (Barreirra, pelo PT), e eu.

OP – A campanha, como foi. Era, afinal, a primeira escolha direta de governador depois do golpe.
Gonzaga – Olha, o primeiro debate entre candidatos pela televisão aconteceu aqui no Ceará, mediado pelo jornalista Edilmar Norões.

OP – Havia dúvidas sobre a vitória na campanha do senhor?
Gonzaga – Eu lutei muito, lutei muito. A briga interna, até a escolha do nome, deixou sequelas. Agora o problema não era comigo, era com o Virgílio. Não o Adauto, mas as bases dele, fui líder e tive base, e a verdade é que somos muito pressionados. Muito, muito. Então, quando o Adauto não foi candidato, ficando com a vice, a base dele reagiu. Pôxa!! O Adauto ia para as reuniões, pedia, dizia que o candidato dele para o Senado era o Virgílio, para o governo era o Luiz, ouvi isso várias vezes. A gente não fazia comício, com medo de que houvesse até morte. E o problema é que as bases do Adauto não queriam votar no Virgílio, queriam fazer o famoso voto camarão. Parece pretensão minha, mas o que sempre quis foi ajudar o Virgílio, evitar esse voto divergente para senador.

OP – Essa tensão teve de ser administrada ao longo do governo, também?
Gonzaga – Teve, acontece que no governo você tem a caneta nas mãos. A realidade é outra, quando comparada à situação em que você é apenas candidato. Eu me dava bem com o Adauto, por outro lado, tão bem que na sucessão nacional nós votamos juntos no Tancredo Neves. Adauto votou no Tancredo!

OP – Quando o senhor tomou posse, voltando mais um pouco no tempo, o Ceará vivia um quadro de seca que, espera-se, nunca mais virá a enfrentar...
Gonzaga – Foram dois anos de seca e dois anos de enchentes.

OP – O momento também era tumultuado na política nacional. Como foi chegar em meio a tantas dificuldades?
Gonzaga – O meu prestígio com Figueiredo estava em queda, porque não apoiava o (Paulo) Maluf. Devo, porém, ressalvar o nome de um cidadão que era do governo e que me ajudou muito: Mário Andreazza, Mário Andreazza. Era, inclusive, um dos possíveis candidatos à presidência da República, mas acabou internamente derrotado pelo Maluf no PDS. Ele ajudou bastante no envio de recursos.

OP – Ainda no tema das dificuldades administrativas, a realidade da época era muito mais problemática para os governadores em termo de autonomia..
Gonzaga – Muito mais. Um governador, então, dependia fundamentalmente do dinheiro que vinha de Brasília. Diante das circunstâncias políticas, o Figueiredo me deu uma chave de pescoço que impedia receber qualquer tostão, isso, em meio a seca e a enchente. O Andreazza é que dava alguma coisinha e eu me virando. Foi ai que surgiu um instrumento que ainda vai merecer uma estátua na Praça do Ferreira: as chamadas gonzaguetas. Uma estátua não, claro, porque não é uma pessoa..

OP – Como é que elas surgiram, então?
Gonzaga – A ideia partiu do Firmo de Castro, excelente secretário, que já tinha estudado as brizoletas, na época em que Brizola foi duramente perseguido, final da década de 50, começo da década de 60, e também as simonetas, que quando o Brasil estava numa crise forte de liquidez, inflação galopante etc, o Simonsen pensou em criar uma moeda paralela. Exatamente as tais simonetas. O Firmo disse que não havia dinheiro nem para pagar o combustível dos carros da polícia e, de uma maneira inteligente, comunicou que iria falar com as classes empresariais e propor uma coisa que, depois, seria deturpada pela oposição. A gonzagueta foi um símbolo importante da resistência democrática no Ceará. Vou repetir: as gonzaguetas simbolizaram a resistência democrática no Ceará! A ideia do Firmo era propor aos empresários pagar o ICM em gonzaguetas, com as quais nós pagaríamos o funcionalismo. Não havia dinheiro, o governo federal não mandava, trancou tudo. Havia o Andreazza e havia um ou outro que liberava algo para o combate mais emergente à seca.

OP – O senhor não contava com apoio nenhum da bancada cearense em Brasília, por exemplo?
Gonzaga – Era uma época de Regime forte. O que adiantava a bancada diante disso? Eu, por outro lado, não tinha deputado federal, só tinha deputado estadual.

OP – Qual foi o período das gonzaguetas?
Gonzaga – Oitenta e quatro, oitenta e cinco, a época lá do Colégio Eleitoral, a derrota do Maluf etc. Foi uma retaliação grande, grande. O Firmo, então, foi aos empresários e propôs. Os empresários foram solidários, sou grato a eles, e a gente pôs em prática o plano de pagar o ICM com as gonzaguetas. Assim eu levei o Estado.

OP – E se não existissem as gonzaguetas?
Gonzaga – Fechava o Estado, porque não tinha de onde tirar o dinheiro. Por isso é que considero um símbolo da resistência democrática.

OP – Do ponto de vista político, no entanto, foi um desgaste para o senhor.
Gonzaga - Foi, porque o povo não entende. O importante é que, graças a Deus, os cearenses deram essa grande colaboração à redemocratização ao aceitarem as gonzaguetas. Caso contrário, não teria havido redemocratização. Quero deixar bem claro esse negócio das gonzaguetas porque acho que comete injustiça, não em relação a mim, mas em relação a um símbolo da resistência democrática.

OP – Outro episódio marcante foi o da campanha das Diretas Já. Em que contexto o senhor se transformou no primeiro governador a aderir?
Gonzaga – Sempre fui um democrata, sempre fui um democrata. Por isso é que aderi à campanha das diretas e fiquei mal visto dentro do PDS, embora muito bem visto perante a opinião pública. A ponto de ter sido aplaudido de pé dentro do Canecão, no Rio de Janeiro.

OP – Houve pressão oficial ou do partido? De que forma se manifestava, além do corte de recursos?
Gonzaga – Havia recados, ameaças. Quem me deu muito apoio foi o Aureliano Chaves, que era vice-presidente da República. Nós dois, eu e o Aureliano, é que realmente começamos a dissidência no, chamado à época, maior partido do Ocidente.

OP – Os coronéis, a essa altura, como se comportavam?
Gonzaga – Na campanha das diretas o Virgílio e o Adauto não se manifestaram, de jeito nenhum. Justiça seja feita aos dois, eles não foram contra, nem a favor. Ou seja, eles foram partidários e eu é que não fui.

OP – Hoje, como o senhor avalia o episódio, aquele momento e sua postura diante dele.
Gonzaga – Acho que acertei, acertei. A pior democracia é preferível a qualquer forma de ditadura, seja de direita, de esquerda ou de centro. Quando a campanha das diretas fracassou, imediatamente depois nós entramos na disputa do Colégio Eleitoral, que também era uma maneira de chegar às diretas. Como, de fato, aconteceu. Tancredo e Sarney se elegeram indiretamente, mas, já na disputa seguinte, Fernando Collor ganhou uma disputa direta.

OP – O rompimento com os coroneis, em que contexto se deu? Houve alguma ação formal, concreta nesse sentido?
Gonzaga – Na verdade, nunca houve um rompimento. O que houve foi um desentendimento determinado por problemas nacionais, não de questões locais. A eleição foi em 1985, a indireta, e a de governador foi um ano depois.

OP – Em que momento ficou claro que o senhor já não mais integrava o grupo deles?
Gonzaga – Quando apoiei o Tancredo.

OP – Havia, como complicador, o fato de Adauto Bezerra ser, ao mesmo tempo, o vice-governador.
Gonzaga – Exato. O Adauto que foi uma pessoa muito leal ao Virgílio, ficou com ele. Mesmo apoiando o Tancredo no Colégio Eleitoral. Eu não, apoiei o Tancredo e fui para o PMDB. Não havia mais espaço pra mim no PDS!

OP – Mas, em que momento pareceu claro ao senhor que já não integrava aquele mesmo grupo político dos coroneis? Havia ainda o fato de o coronel Adauto Bezerra ser o seu vice.
Gonzaga - O Adauto sempre foi uma pessoa muito leal ao Virgílio, ele ficou com o Virgílio. Mesmo quando apoiou o Tancredo na disputa presidencial, inclusive. Eu não, apoiei o Tancredo e fui para o PMDB, inclusive porque não tinha mais espaço no PDS. O Adauto ainda tinha. O Adauto é uma pessoa de palavra, sempre foi muito correto com o Virgílio, muito. Enfim, aconteceu a eleição, o Adauto ficou no PDS, enquanto o doutor Ulysses (Guimarães) foi ao meu gabinete, acompanhado do Mauro Benevides, oficializar um convite para eu entrar no PMDB. Mauro era o presidente no Ceará do partido.

OP – O Virgílio em algum momento manifestou mágoa com o que aconteceu?
Gonzaga – Pra mim não. Inclusive, poucos dias antes dele falecer nós nos falamos ao telefone. Tem muita lenda ai, coisa que gente fala, mas o que estou relatando aqui é a mais pura verdade.

OP – Nesse meio tempo tivemos um fenômeno, que foi a eleição da Maria Luiza como prefeita de Fortaleza. O senhor estava com quem naquele momento?
Gonzaga – Estava com o meu amigo deputado Paes de Andrade. Eram três candidaturas mais fortes: o Paes, a Maria e o Lúcio (Alcântara). O Lúcio, apoiado pelo Adauto, começou bem mas na reta final da campanha caiu e deixou a disputa entre Paes e Maria, candidata que cresceu muito nos últimos dias.

OP – A Maria diz, até hoje, ter sido vítima de boicote dos governos federal e estadual da época. Houve?
Gonzaga – Não, não. Ela não diz mais isso não, diz?

OP – A queixa dela é, mais ou menos, a mesma da que o senhor apresentou em relação ao governo Figueiredo.
Gonzaga – Não, não pode. Eu não tinha que repassar dinheiro nenhum para ela. Boicote não, pelo contrário...

OP – A questão é que ela não tinha apoio político nenhuma e, segundo queixava-se, a articulação que havia era para evitar que recursos chegassem a Fortaleza.
Gonzaga – Ah, não algo feito por mim. Acredito, até, que pode ser mais uma vítima do que acontecia com o Ceará, ou seja, que se evitava mandar dinheiro para Fortaleza porque havia o Gonzaga no meio.

OP – Como era a relação com ela durante o período de convivência como governador?
Gonzaga – Boa, ao ponto de, sempre que nos encontramos lembro isso para ela, Fortaleza ter enfrentado na época um sério problema com acúmulo de lixo, a cidade estava imunda. Lixo em todo canto. O pessoal reclamando muito, doenças etc, então procurei a Maria para darmos um jeito na situação. Só que ela disse que não tinha dinheiro, ai chamei o Luiz Marques, que era meu secretário de Obras, e perguntei a ele quantas carretas seria possível conseguir emprestado junto àquelas construtoras, àquelas empreiteiras, para nós limparmos Fortaleza durante um final de semana. E nós limpamos Fortaleza. Pois na segunda-feira seguinte a Maria Luiza foi à rádio e me reduziu. Chamou de interventor, autoritário, tal, tal. Meu Deus do céu! É uma grande amiga minha, gosto muito dela, mas me reduziu. Foi ai que o Américo Barreira, que era o vice dela, logo depois, foi à mesma emissora e disse que ‘o governador tinha razão, ele tinha que limpar a cidade, havia o risco de doenças etc’. Ô velho decente que era!

OP – Já discutimos o processo que levou à indicação do nome do senhor como candidato ao governo. E a escolha por Tasso Jereissati para disputar sua sucessão, como aconteceu?
Gonzaga – Foi muito simples o lançamento da candidatura dele. Apesar de, na verdade, nem o CIC querer, inicialmente, o Tasso como candidato.

OP – Mas, como é que o senhor chegou nele?
Gonzaga – Monocraticamente. O CIC queria a candidatura de outro associado, o Beni Veras, e o Tasso foi um nome escolhido por Gonzaga Mota. Gosto muito do Beni, mas eu queria ganhar a eleição do Adauto, qual o governador que não quer ganhar uma eleição, fazer o sucessor. O Lula, ai, fez o que fez para ganhar a eleição de cabo a rabo, como ganhou. O CIC é uma instituição que prestou relevantes serviços ao Ceará. Há 30 anos, claro, não se tinha pesquisas científicas, como existem hoje, as pesquisas eram empíricas. Não era uma coisa de qualidade, dois pra lá, dois pra cá, não tinha o grau de confiabilidade dos dias atuais, variância, Enfim, foi uma decisão monocrática, minha. Chamei o Tasso lá em casa e disse a ele que iria lançá-lo candidato ao governo do Estado. Ele questionou por que eu não lançava o Beni. Daí você vê, então, que o Beni era o nome que o CIC já definira para a eventualidade de um lançamento de candidatura ao Governo. Foi uma atitude correta do Tasso, inclusive.

OP – Por que não o Mauro Benevides, um dos nomes mais fortes do PMDB do Ceará na época?
Gonzaga – Eu fiz as pesquisas empíricas e nelas o Adauto tinha 70% enquanto o Mauro aparecia com 10%, 5%. O Adauto era muito forte, especialmente no Interior.

OP – O sentimento entre as pessoas era no sentido de querer algo novo? Isso pesou?
Gonzaga – Pode até ter pesado, mas o que pesou mais foi o desempenho de Tasso na campanha que foi muito bom. Surpreendente, até.

OP – O próprio Tasso diz que no começo achava que não ia ganhar. E o senhor?
Gonzaga – Eu achava (que Tasso venceria). Quando lancei o Tasso foi com a certeza de que ganharia, mesmo que no começo ele tivesse 1%, contra 40% do Adauto.

OP – De onde vinha essa certeza? Do Plano Cruzado, de quê?
Gonzaga – Foi o Plano Cruzado, foi a estrutura logística do Tasso, que era muito boa, o fato de ele ser novo, tudo isso influiu. Mas, chamei o Tasso e disse que seria ele o candidato e que eu só ouviria duas pessoas para obter a concordância. Caso elas concordassem, ele já sairia dali candidato. Um era o chanceler Airton Queiroz e o outro o diretor do Incor na época, doutor Fúlvio Pileggi, que era o médico dele no Brasil. O Airton era porque eu precisava do aval da família e, devo dizer, tanto ele quanto o doutor Pileggi foram muito corretos.

OP – Com o Beni havia o risco de derrota?
Gonzaga – Pelas minhas pesquisas empíricas, sim. O Tasso tinha estrutura, era novidade, tinha se saído bem no meio empresarial, dispunha de liderança lá em São Paulo. O que acho é que ele foi correto, ao questionar-me em relação ao Beni, e o Airton também foi correto ao dizer que se fosse por ele o Tasso não seria candidato, mas garantindo que se a decisão dele fosse por disputar teria todo seu apoio. Depois, após conversar com a família, ligou pra mim e disse que poderia lançá-lo como candidato. Eu disse: calma porque ainda tem uma consulta. Ouvir a família era importante, porque já pensou se eu lanço o Tasso candidato e ele, recém-operado do coração, morre? Já pensou como eu ficaria perante a família? A comunidade? A família vai assumir comigo esse risco. E o médico. Depois do sinal verde do Airton, chamei o Tasso à residência oficial para a consulta que seria feita ao doutor Fúlvio. Eu não o conhecia. Liguei para ele, disse que queria uma orientação, que já tinha o aval da família e que estava pensando em lançar o Tasso candidato a governador do Estado. Ele disse: ‘é a melhor coisa que você pode fazer para esse homem. Você está me ajudando!’ É que dizem que a operação causa uma depressão, 30 anos atrás era assim, talvez hoje nem seja mais assim. No final, inclusive, ele disse que queria vir para o lançamento. Não veio, claro.

OP – O Tasso eleito governador também haveria rompimento..
Gonzaga – Eu nunca rompi.

OP – O senhor participou, por exemplo, da montagem da equipe do governo Tasso?
Gonzaga – Nada. Não indiquei nem um ascensorista.

OP – A história que ele nos contou uma vez confirma que não houve um rompimento formal, mas que o desencontro deveu-se ao fato de deputados ligados ao senhor chegarem até ele um dia já com uma divisão de cargos feita..
Gonzaga – Não. O que fiz foi chamá-lo, depois da vitória e antes da posse, para que ele pusesse uma pessoa de sua confiança como secretário ainda no final de minha gestão. E deixei claro que não queria um só cargo. Ele colocou o Airton Angelim como secretário de Governo. Agora, se chegou algum gonzaguista...

OP – O que ele disse é que o grupo já chegou para conversa com tudo definido: Cagece é de fulano etc etc. E que ele já mandou aquele pessoal de lá para a oposição. Agora, como é que se deu o desgaste entre os dois, entre o senhor e ele?
Gonzaga – Nunca houve nada assim, entre mim e o Tasso, particularmente. O problema, acho, foi com alguns áulicos do Tasso, certamente com receio, não alimentado por mim, de que eu viesse a me transformar no grande líder do Ceará. Por quê? Adauto derrotado; César Cals derrotado para o Senado; Virgílio derrotado. O Tasso, diretamente, nunca recebi dele qualquer atitude brusca, tanto é verdade que ele me chamou para ser do PSDB alguns anos depois. Agora, alguns áulicos do Tasso, e não citarei nomes, a maioria está ai, viva.

OP – A maioria dos deputados ligados ao senhor foi para o lado do Tasso?
Gonzaga – Somente dois ficaram comigo, realmente: o Antônio Câmara e o Franze Moraes. Todos passaram para o governo e acompanharam o Tasso.
Eu, inclusive, prejudiquei a vida política do Câmara, porque se ele tivesse me largado, me deixado, como outros fizeram, ele seria governador do Ceará, tranquilamente. A fidelidade dele a Gonzaga Mota levou os meus assessores a não darem oportunidade. Fiquei sem nada, sem mandato, e, inclusive, o Sarney havia prometido um ministério pra mim, que nunca aconteceu. Fui vítima de uma perseguição mesquinha por esses áulicos, mas a história vai mostrar quem foram eles. Passei quatro anos sofrendo, sem mandato, voltei a dar aula na faculdade, pedi licença do BNB para interesse particular e...

OP – Sendo chamado de força do atraso.
Gonzaga – Sendo chamado de força do atraso, quando fui o primeiro a lutar pela redemocratização a partir do PDS e sustentei o Estado em meio a grandes dificuldades. Mas, não tenho ódio, mágoa ou rancor.

OP – Quanto à situação em que Tasso recebeu o Estado, o quadro econômico era tão ruim quanto ele próprio disse? Falava-se, por exemplo, em seis meses de salários atrasados.
Gonzaga – Fui vítima, no período em que deixei o governo, de calúnias, de injúrias, até em assassinato tentaram envolver o meu nome. Até, até. Houve um determinado homicídio aqui em Fortaleza e apontaram pessoas ligadas a mim como responsáveis por ele. E pessoas, áulicas, levaram aos jornais, à imprensa que eu tinha sido um dos elementos que mandou fazer aquele ato criminoso, aquela barbaridade. Foi uma coisa tão grosseira que o ex-secretário de Segurança, doutor Feliciano de Carvalho, foi à televisão me defender. Reclamou que era um absurdo aquilo, era uma calúnia etc. Mas, até nisso tentaram me envolver. Agora, o mais interessante de tudo é que as pessoas ligadas a mim que se tentou acusar de envolvimento com o crime, gente de quem gosto até hoje, passaram para o governo. Foram aceitas no governo.

OP – O argumento do Tasso era que recebeu o governo com seis meses de salários atrasados, o Estado devendo tudo, caixa desmilinguido, muito funcionário sem trabalhar, folha de pessoal inchada...
Gonzaga – Muito exagero dele. Houve, realmente, uma crise financeira, crise motivada pela retaliação que sofri para redemocratizar esse País. É bom que a juventude saiba disso. Havia dificuldade, como todo governo começa com dificuldade. Além da discriminação, foram dois anos de seca e dois de enchentes. O que acontece é que estava colocado um projeto de poder, os áulicos queriam um projeto de poder, não era um projeto de governo.

OP – Agora em 2010 o senhor votou em quem para governador?
Gonzaga – No Cid Gomes, por causa de uma pessoa: Domingos Filho (candidato a vice-governador). Porque ele é parente do Antônio Câmara, que foi o maior amigo que tive na política. Há duas coisas que matam: a inveja e a ingratidão.

OP – No Tasso, candidato a senador, o senhor votou?
Gonzaga – Votei.

OP – Ele foi um bom senador?
Gonzaga – Foi.

OP – Em 1998, quando ele estava mais forte na política, o senhor teve a chance de enfrentá-lo nas urnas, disputando o governo. Como avalia aquela experiência?
Gonzaga – Foi a eleição da formiga contra o leão.

OP – Na campanha, o senhor utilizava o slogan ‘a jangada contra o Titanic”.
Gonzaga – Não fiz um comício em Fortaleza. Um só! Na carroceria de uma camioneta que fosse e mesmo assim ganhei em 28 municípios. O meu querido amigo, já falecido, Juraci Magalhães, candidato antes de mim, concorrendo também contra o Tasso, se não me falha a memória, apesar do apoio que teve do Cambraia, enquanto não tive o apoio de ninguém, ganhou em três municípios.

OP – O Juraci não apoiou o senhor?
Gonzaga – Não me ajudou, pelo menos. Não fez um comício em Fortaleza comigo, para se ter uma ideia. Mas foi um grande prefeito.

0 mil votos, mas.. Depois, o Luiz disse que o Tasso queria falar comigo. agradecer, perguntou se eu aceitava tomar um cafezinho com ele e disse que sim, claro. Não tenho nada contra o Tasso que, acho, foi vítima de uma conjuntura que ele amarga até hoje. Ele sofre até hoje vítima daquela conjuntura, daqueles áulicos e ele até já brigou com alguns. Não há nenhuma raiva dele não, embora ache que ele poderia ter sido um pouco mais seguro com os áulicos, mas, política é política, é circunstância. É preciso ver o momento, era a fase da Constituinte, precisava dos votos dos deputados, há necessidade de ver tudo isso.

OP - Nesse encontro, então, é que ele convidou o senhor para o PSDB?
Gonzaga - Sim. Eu estava muito chateado com o PMDB, na verdade, apesar de gostar muito do partido. Alguns amigos meus do PMDB, como eu não tinha dinheiro para gastar na campanha, investiram em colégios eleitorais meus. Fiquei desanimado com o PMDB e fui, então, para o PSDB.

OP - Continua filiado?
Gonzaga - Continuo. Em 2010 não concorri, inclusive porque fui vítima, vítima mesmo, de duas cirurgias delicadas no periodo de um ano e isso me afetou muito. Estou voltando agora, uma delas na cabeça, mas está tudo bem, não deu nada maligno, é tudo benigno.

OP - Como é a vida do senhor, hoje?
Gonzaga - A minha vida é a de um cidadão de classe média, aposentado do Banco do Nordeste, não, lá eu fiz um PDV, da UFC e do INSS. Tenho 68 anos de idade, gosto de política, acompanho, mas não participei de nada desde a última eleição, em razão da minha condição de saúde. Agora quero me dedicar mais à literatura, gosto muito de escrever. Vou, inclusive, publicar agora um livro de poesias e estou com três livros no prelo. Um, já sendo escrito com ajuda do meu amigo Mário César e o professor Francisco Moreira, o de poesia está pronto, já mandei para a editora, embora só queira lançar em maio, acabei de lançar um outro. Além disso, tem outros dois nos quais pretendo trabalhar, um seria "Política, momentos históricos", voltado mais para minha participação na redemocratização, e, finalmente, mais outro onde pretendo fazer uma análise histórica do capitalismo cearense posterior à proclamação da República. Como ocorreram algumas fortunas no Ceará e como algumas delas desapareceram ao longo do tempo.

OP - Vai mexer num vespeiro, certamente.
Gonzaga - Estou pensando, inclusive, em escrever na forma de romance, com nomes fictícios (risos).

OP - O senhor, como deputado federal, foi relator do Plano Real. Como é que foi esse episódio?
Gonzaga - Sem dúvida. Eu diria, desculpe, que fiz o dever de casa, também. Fui presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, a mais importante junto com a de Constituição e Justiça. Era uma comissão da qual fazia parte gente como Roberto Campos, Delfim Neto, Maria da Conceição Tavares, aquele que faleceu e que era um grande economista, Ieda Crusius. Luiz Gushiken, Kandir, fui presidente da Comissão de Economia, fui relator de vários projetos, um deles é este do genérico. Não estou querendo dizer que sou o responsável, pelo amor de Deus.

OP - A escolha do senhor para relator, como foi?
Gonzaga - Foi um processo muito simples. O Plano Real foi concebido por um grupo de jovens gênios da economia, Pérsio Arida, Gustavo Branco, Pedro Malan, Edmar Bacha, pessoas extremamente qualificadas que o Fernando Henrique Cardoso, ministro do Itamar Franco, foi para o Congresso e solicitou ao então presidente, Inocêncio Oliveira, para instituir uma comissão especial para análise da matéria. PFL e PMDB tinham as maiores bancadas, eu era peemedebista e o Inocêncio, então, usou poder de presidente para indicar o meu nome para relatoria, ficando a presidência com o paranaense Reinold Stephanes, na época pefelista. Ele fez as indicações com os líderes da época, Luiz Eduardo Magalhães e Tarcisio Delgado. Eu só sei que dezembro de 1993, janeiro, fevereiro e março de 1994, passei trabalhando em Brasília, não vim a Fortaleza nem mesmo para as festas de Natal e Ano Novo. Não era fazendo o Plano Real, pelo amor de Deus, não vão dizer que fui eu quem o fiz. Eu não fiz o Plano Real! Fui, apenas, o relator. É verdade, claro, que o relator também pode atrapalhar. Tive, de início, uma oposição muito forte do PT. Fui vaiado duas vezes na minha vida como político e uma delas foi ao defender o Plano Real, da tribuna da Câmara. A outra, quando defendi o Colégio Eleitoral numa palestra que fiz para estudantes da UnB. Por quem, não sei. Sinceramente, fui vaiado apenas essas duas vezes.

OP - Está em discussão hoje no País, inclusive com decisões por serem tomadas no STF acerca da questão, a legalidade da pensão para ex-governadores. Qual é a opinião do senhor?
Gonzaga - Acho que cada caso deve ser analisado.

OP - Acabar não seria correto?
Gonzaga - Acabar com a pensão para uma pessoa como eu, por exemplo, seria um desastre. Sabe quanto recebo da minha aposentadoria na universidade? Dois mil reais. Sabe quanto é a do INSS? Dois mil reais. Falo de coração aberto que se eu perder a pensão como ex-governador como é que vou viver? Uma coisa é você conseguir um emprego com 35 anos, 38, outra é ter 68 anos. Até porque, tomei muita decisão como governador exatamente pela segurança que essa pensão proporcionava. Como é o caso do meu PDV com o Banco do Nordeste, que fiz para pagar contas de campanha. Ou do acerto em torno do que tinha direito no Instituto de Previdência lá da Câmara, para pagar outras dívidas.

OP - Um regramento é necessário, porém?
Gonzaga - Claro. No meu caso, por exemplo, tirei os quatro anos de mandato, assumi em 15 de março de 1983 e passei o cargo em 15 de março de 1987. Fui quatro anos governador, certo? A justiça, acho, precisa analisar caso a caso e saber do que está por trás em termo de doutrina jurídica. Há uma coisa da qual muito me orgulho, inclusive, em relação a isso. Um dia estava no Palácio quando adentra meu gabinete o então deputado Aquiles Peres Mota, presidente da Assembleia, e disse ter tomado conhecimento da existência de várias ex-primeiras damas do Estado passando necessidades. Não vou dizer os nomes, mas ele citou uma, duas, três, quatro. Essas primeiras damas estão passando necessidades, disse ele, adiantando ter uma proposta a fazer. Perguntei qual era e ele sugeriu um dispositivo constitucional através do qual por morte do ex-governador a mulher dele passaria a ter direito a receber dois terços até sua morte. Depois, acabaria. Eu disse, então, na hora. O Aquiles saiu da minha sala mais ou menos às 11 horas, às 15 começava a sessão na Assembleia, votaram, aprovaram, trouxeram pra mim, sancionei e no dia seguinte estava publicado. Essas quatro senhoras, que estavam passando necessidade, puderam ter um final de vida digno. Governador sofre, é fato, mas mulher de governador sofre ainda mais. A Justiça não pode sair acabando o direito indiscriminadamente, precisa pedir o Imposto de Renda do Gonzaga Mota. Acho que vai ser assim, entrego nas mãos da justiuça e de Deus porque, realmente, eu preciso.
Eu prejudiquei a vida política do Câmara, porque se ele tivesse me largado, me deixado, como outros fizeram, seria governador do Ceará, tranquilamente. A fidelidade dele a Gonzaga Mota levou os meus assessores a não darem oportunidade

OP – O senhor acreditava em vitória naquele momento, por que foi candidato?
Gonzaga – Acredito que por idealismo. Eu não disse que hoje não se fez mais política por romantismo, é tudo pelo pragmatismo. Fui candidato porque não tinha quem quisesse ser naquele momento. Eu disse, então: eu vou. Para fazer uma bancada e ela foi feita, de deputados estaduais e federais.

OP – Como foi enfrentar o Tasso?
Gonzaga – Normal. O único debate que aconteceu na TV ele não foi. Já disse que não tenho ódio, rancor ou mágoa de ninguém, faria tudo de novo. Agora que eu fui caluniado, injuriado, perseguido de uma maneira brutal..

OP – O senhor já chegou a conversar sobre essa questão com o próprio Tasso?
Gonzaga – Nunca. Nem vou.

Guálter George gualter@opovo.com.br
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Comentários
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As informações são de responsabilidade do autor no:
espaço do leitor
Paulo 03/03/2011 23:24
Vou aguardar a publicação de sua autobiografia. Terá um valor inestimável o seu conteúdo, se realmente forem relatados fatos relevantes de sua apoteótica carreira política, principalmente no que concerne ao episódio da traição a VT e da campanha que elegeu Tasso.
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Vladimir Spinelli Chagas 01/03/2011 17:56
De fato, quem saiu à frente e fez todo o esforço para a escolha dos delegados favoráveis ao Dr. Tancredo foi o destemido Governador Gonzaga Mota. É importante também lembrar que em novembro de 1985 o pessoal estava em dia (eram pagas várias folhas por mês) e naquele ano superou-se todos os recordes de arrecadação (até a instituição do ICMS). Daí aumentaram as retaliações de que ele fala, com enorme prejuízo para o próprio Estado e, principalmente, para os servidores que, daí em diante tiveram enormes perdas salariais.
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Mario Cezar Sales 28/02/2011 23:12
Sobre os delegados ao Colegio Eleitoral que terminou elegendo Tancredo Neves, foram seis (6), sendo 03 Adautistas e 03 gonzaguistas, os dois estavam unidos nessa ocasião. O cel Virgilio votou no Maluf.
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MORVAN LOBO 28/02/2011 07:58
Parabenizo o JORNAL O POVO pela importante reportagem sobre o grande governador GONZAGA MOTA., Gostaria se possivel o Email do Sr. GONZAGA MOTA. Grato MORVAN
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Paulo Lustosa 28/02/2011 06:19
Elucidativa a entrevista de Totó. Só que, talvez por um lapso de memória, tenha ele se esquecido que foi Adauto Bezerra quem fez o primeiro plano de governo só com tupiniquins. Foi o I PLANDECE. E, é também interessante lembrar que o apoio maior a Tancredo Neves no Ceará veio dos irmãos Bezerra, de Virgílio e Adauto que indicaram quatro dos cinco votos do Colégio Eleitoral do Ceará além do maior número de apoios de deputados federais e senadores. Aliás a adesão deles ao Tancredo se deu em meu apartamento da Câmara, em Brasília.
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