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Lisiane Mossmann
da Redação
Filósofo, teólogo, psicólogo, professor universitário, padre, escritor....Os títulos e o estilo de vida que levava não impediram padre Airton Freire de Lima de fazer a opção de morar na periferia de Arcoverde, uma cidade com pouco mais de 61 mil habitantes, no semi-árido do estado de Pernambuco, distante a 256 quilômetros de Recife.
Na decisão de padre Airton, pesou a formação que recebeu de sua família. O pai, um militar, dedicava-se aos trabalhos vicentinos nas horas de folga. A mãe, filha de camponeses, cuidou dos seis filhos com simplicidade. Airton Freire de Lima, 51 anos, é o segundo filho, de uma família pobre, de São José do Egito, no sertão de Pernambuco, a 404 quilômetros de Recife. "Aprendi do meu pai duas coisas que eu pratico até hoje e é somente o que eu sei fazer: doar para os pobres e anunciar Jesus. São as duas coisas que eu sei fazer na minha vida, todo o resto gira em torno disso", diz.
Padre Airton chegou ao Recife com 16 anos em busca de concretizar seus sonhos de se tornar sacerdote. Formou-se em filosofia, teologia e psicologia e se ordenou padre diocesano em 1982. Depois de ser ordenado, trabalhava com a juventude, quando em 1984 lhe apresentaram a rua do Lixo. Ele começou a freqüentá-la e nunca mais saiu.
Lá, ele conseguiu com a comunidade estruturar projetos de educação e um sistema de atendimento de saúde. Hoje, 500 famílias são atendidas pela Fundação Terra, que congrega todos os trabalhos. Leigos, profissionais liberais e empresários participam desta idéia, que já criou raízes em cidades pernambucanas como Pesqueira e Poção e, no Ceará, em Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza.
Hoje, ele deixou sua clínica, já não consegue mais escrever, para se dedicar aos trabalhos da Fundação Terra, que sobrevive de doações de pessoas, de empresas e das vendas de CDs e DVDs das missas e músicas de padre Airton. Os livros que saem são os seus sermões e testemunhos transcritos para milhares de fiéis.
O POVO - Como um psicólogo como o senhor, um especialista em Lacan, se dedicou aos pobres, se tornou padre?
Padre Airton - Houve um tempo em que eu tinha consultório e atendia como psicoterapeuta. Isto passou. Fui absorvido, completamente, pela pregação e o cuidado com os pobres. Ficou o que estudei, o que aprendi. A minha formação em Lacan ajuda-me a compreender a dimensão psíquica do humano, com suas potencialidades e limites.
OP - Como surgiu a idéia de iniciar a Fundação Terra? E como foi tomar a decisão de morar na periferia?
Padre Airton - Eu fui ordenado em fevereiro de 1982 e fui morar no centro da cidade de Arcoverde. Dois anos depois, eu trabalhava com a juventude e fui convidado a conhecer a periferia. Levaram-me para conhecer a rua do Lixo. Chegando lá, fiquei impressionado com a situação da casa de lixo e a situação das pessoas. Visitando o local novamente, perguntei se as pessoas aceitariam que morasse com elas. Passasse a minha vida com elas. Elas aceitaram e a partir de 1984, no dia 8 de setembro, eu passei a morar na rua do Lixo com os pobres de lá. Foi um apelo muito forte, foi numa missa que eu celebrava na rua do Lixo. Na hora em que eu estava celebrando, no momento da distribuição da hóstia, uma criança começou a chorar muito e a dizer: "Eu estou com fome, pelo amor de Deus, me dê bolacha". Ela se referia à hóstia que eu estava dando. Outro irmão viu. Começou a chorar muito. Ele tentava pegar as pernas, os braços da criança...porque ela se debatia muito. No meu interior, aquilo foi tão forte... Foi como se dissesse: "Esse povo que tem sede de comida, tem sede também de Eucaristia e de justiça". Então, o momento eucarístico e a situação de carência em que eles viviam fez com que brotasse um apelo dentro de mim: eu deveria partilhar minha vida também como um sinal da presença do Senhor, o corpo dado e o sangue derramado também por Ele.
OP - O senhor começou esse trabalho em 1984. Que tipo de serviço começou a se desenvolver a partir deste ano?
Padre Airton - Era simples. Encontrávamos no final da tarde e líamos o Evangelho - era o Evangelho de São João. O primeiro trabalho que solicitamos na rua do Lixo foi que houvesse luz e que houvesse água. Em reunião, conseguimos criar a Associação Terra, que se transformou depois na Fundação Terra, e através dela conseguimos água, depois conseguimos luz. Conseguimos recuperar casebres, depois fazer uma creche em mutirão com os pobres da rua para os filhos deles e um pequeno centro comunitário, onde eles pudessem se reunir, e que hoje é a capela da comunidade. A nossa primeira capela. Atualmente, a Fundação Terra - somente a Fundação Terra - trabalha com cerca de 500 famílias, são em torno de 2 mil pessoas.
OP - Que trabalhos são desenvolvidos com essas 500 famílias?
Padre Airton - Tem uma escola - a Pax Christi Escola -, com 600 crianças. Temos o centro maternal infantil, que dá apoio às mães gestantes e aos recém-nascidos. Tem uma escola de informática, o abrigo de idosos. Há o trabalho com as mulheres que fazem renda comunitária. Uma casa para os que vivem na rua, os desabrigados. São dois sítios onde se produzem frutas e legumes para a Fundação Terra e onde ficam os dois grupos de prevenção contra riscos para meninos e meninas. Temos a Casa de Retiro da Sagrada Família, que é o pulmão da Fundação, e temos também a comunidade de filhos e servos de Deus, que ajuda na evangelização dos pobres.
OP - O que é a Comunidade Servos? Como funciona?
Padre Airton - A Comunidade de Vida dos Servos de Deus é formado por jovens leigos que ajudam na obra de evangelização junto aos pobres. Após um período de vivência fraterna, partilha do pão e da palavra, eles consagram sua vida a Deus em favor da evangelização. Atualmente, eles estão na cidade de Belo Jardim (PE) para ajudar nas missões populares.
OP - Como é que se mantém o trabalho? Como é a manutenção da obra?
Padre Airton - A obra tem um custo anual de R$ 1,5 milhão, mensal de pouco mais de R$ 100 mil. A gente pede às pessoas. Pede doações de R$ 40 mensais para não deixar as crianças catando lixo e encaminhá-las para a escola, onde elas têm educação, alimentação, trabalho extra classe. Elas permanecem todo o tempo nas atividades escolares. Pregamos retiros. Vendemos CDs, livros. As pessoas vão ajudando.
OP - Existem exemplos de projetos semelhantes no Brasil ao que senhor mantém em Arcoverde?
Padre Airton - Há uma experiência bonita. Dois empresários, um de Fortaleza, chamado França Neto, e outro do Recife, Sérgio Mota, vieram nos visitar há dois anos e conhecer a obra. Eles perguntaram como podiam ajudar e começaram um projeto que se chama Prover para ajudar as pessoas com uma cesta básica na condição de que elas estudassem. O projeto Prover vivenciou uma segunda etapa: descobrir os talentos dessas pessoas, o que eles poderiam fazer, como corte e costura, corte de cabelos, colocar uma barraquinha pra vender algo. Uma forma de auto-sustentabilidade. À medida que as pessoas foram conquistando seus espaços, elas não precisavam mais das cestas básicas. Elas já podiam se manter. Então, conversando com eles sobre isso, eu disse uma vez: "Seria interessante que vocês conversassem com o bispo de Pesqueira, dom Francisco Biasin, que é um homem muito interessado em obras sociais. Eles o encontraram e apoiou o trabalho. Os dois passaram a ajudar também as cidades de Pesqueira e Poção, desenvolvendo projetos auto-sustentáveis. No ano passado, o padre Fabrício, de Maracanaú, no Ceará, convidou França Neto e Sérgio Mota a visitar a região. Eles foram e começaram também a desenvolver um trabalho com a mesma filosofia. Este projeto começou há dois anos na Fundação Terra. É nossa intenção de ver isso também acontecer em outros locais, dando condições de sustentabilidade a comunidades organizadas ou a pessoas que mostrem algum talento para crescer.
OP - O projeto Prover está diretamente ligado à Fundação Terra? O senhor é responsável?
Padre Airton - Trabalhamos de forma colegiada. França Neto e Sergio Mota fazem parte do conselho da Fundação Terra. Quando eles vão pensar em algumas ações referente a Pesqueira, a Poção e a Maracanaú, combinamos com padre Fabrício ou com dom Francisco, vamos conversando e tomando decisões.
OP - O senhor imaginou quando começou esse trabalho na década de 80 que viesse a se tornar o que é hoje em Arcoverde?
Padre Airton - Impossível. Não tinha condição, nem idéia. Olhe... por isso eu digo: Deus sabe. Deus, encontrando disponibilidade no coração de alguém, faz a obra.
OP - Como o senhor consegue sensibilizar as pessoas para trabalhar na Fundação Terra em um momento em que a Igreja vive o surgimento de tantos movimentos?
Padre Airton - É o exemplo de Jesus. Quando Ele encontrou com os primeiros discípulos e eles perguntaram: "Onde moras?" e Ele respondeu: "Vinde e vede". E foram, ouviram e ficaram com Jesus.
OP - Como o senhor vê na Igreja o surgimento de tantos movimentos?
Padre Airton - A Igreja tem o lado humano, institucional. Governado por homens. Mas quem governa a Igreja é o Espírito de Deus. O Espírito suscita homens, mulheres, santos, mártires, profetas, religiosos, como Ele quer, onde quer, na época que quer.
OP - O seu trabalho é social. Como o senhor vê os projetos sociais no governo Lula?
Padre Airton - O homem é o homem, mais os seus cooperadores. Eu diria assim: eu creio na boa intenção de Lula. Infelizmente - ou não sei se felizmente -, mas o presidente nem sempre tem conseguido alcançar o que foi proposto. O que o operário propõe e o que o presidente faz há certa distância. Algo foi conseguido? Foi. A pobreza diminuiu? Diminuiu. Mas o mundo da política é um mundo difícil, muito difícil. Eu vejo um grande limite. Por isso é que na Fundação Terra não há opção política. Qualquer um vota em quem quiser e a obra acontece pela grande vontade de Deus. Ela é uma obra que acontece porque o Evangelho é prática.
OP - O senhor fala de dificuldades do Governo. Que tipo de dificuldades a Fundação e o trabalho enfrentam?
Padre Airton - Olhe, eu não sei quanto dinheiro circula nos ministérios, eu não sei quanto dinheiro circula nas prefeituras. Mas a Fundação Terra, com R$ 100 mil por mês, é capaz, só de alimento, dar 600 pratos de comida por dia e atender por mês a 1.500 pessoas na área de saúde. Reduzimos a mortalidade infantil a praticamente zero na rua do Lixo. Com R$ 40 por mês de doação mantemos uma criança na escola, com professor, com comida. Não sei quanto se gasta por aí. Agora, quando pensamos que poderíamos fazer muito mais e não conseguimos fazer porque faltam recursos... Vivemos trabalhando no limite para não estourar o orçamento. Trabalhamos com planejamento. Somos assessorados por pessoas que dizem: "Até aqui você pode gastar, daqui pra lá você não pode." Agora, puxa vida. Os jornais noticiam milhões e bilhões do que é feito, do que não é feito, do que deixou de ser feito. E nós com apenas R$ 100 mil por mês podemos fazer isso. E não pode fazer mais por não ter. Aí...
OP - As famílias de alguma maneira ajudam na Fundação?
Padre Airton - Essa é a grande alegria. Crianças que eu encontrei pequenininhas hoje dão aula na Fundação. São professoras, dão aula de música, trabalham como voluntárias. Um jovem que enviei para Alemanha, chega agora em outubro. Ele passou um ano e meio lá e volta para dar aula de alemão aos nossos jovens. Vamos mandar um jovem para estudar na França e outro na Inglaterra para dar aulas de francês e inglês na Fundação Terra. Jovens da época em que comecei na Fundação têm filhos que hoje são servos da nossa comunidade e que trabalham junto aos pobres.
OP - Qual o desafio da Igreja hoje?
Padre Airton - O grande desafio da Igreja do Brasil é que ela se mantenha fiel à mensagem de Jesus e a anuncie aos homens. Mas os meios para conseguir anunciar Jesus e sua mensagem são diferentes de acordo com cada período histórico. Dou um exemplo: na época da ditadura, dom Helder Camara pregou uma grande mudança na Igreja, que deveria ser fiel à sua vocação: anunciar o Evangelho e estar ao lado dos mais pobres. Nesse momento, houve um mal-estar. Era um momento de efervescência política. Formaram-se as Comunidades Eclesiais de Base. Surgiu a Teologia da Libertação. Tempos difíceis. A Igreja foi uma voz no processo de redemocratização do Brasil. Depois, com a redemocratização do Brasil, a Igreja teve de perceber novamente seu papel e perceber que tinha de formar leigos para que assumissem um lugar na sociedade. Nesse momento, também surgiam no Brasil os novos movimentos religiosos. Aí, perguntava: como foi a opção da Igreja pelos pobres? A Igreja faz opção pelos pobres? Os pobres fazem opção pela Igreja? Como é isso? O que estava errado? A Igreja teve novamente de repensar a sua prática. Hoje, vejo uma Igreja mais serva, com seus pastores mais simples, próximos do povo, com seus padres mais à escuta do povo de Deus, redescobrindo seu papel. E eventuais dificuldades em qualquer que seja a área, apenas fazem mostrar a exceção à regra que é a opção da Igreja por anunciar Jesus e seu amor preferencial pelos pobres.
OP - De onde vem a inspiração para suas músicas e sermões?
Padre Airton - Vou partilhar algo íntimo e que agora vai se tornar público: o tempo que eu dedico ao povo de Deus é até as 22 horas. Das 22 horas até as 4 horas da manhã, é o tempo que eu dedico ao Senhor em oração. Aí, eu converso com o Senhor, abro meu coração e Ele me inspira como devo agir na vida - apesar da minha pouca saúde. Eu tive um aneurisma na aorta. Por isso, eu trabalho. Porque a qualquer hora Ele poderá me chamar e eu quero me apresentar diante Dele dizendo: Foi difícil, mas cheguei. É, eu sou um servo de Deus.
E-MAIS
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município de Arcoverde está a 256 quilômetros da capital de Pernambuco, Recife; tem uma área de 379 quilômetros quadrados; a temperatura média é de 24 draus Celsius; fica a 663 metros acima do nível do mar; o índice pluviométrico médio (chuvas) é de 500 milímetros por ano; a população do município é de 61.600 habitantes: 89,8% urbana e 10,2% rural (homens:47,1% e mulheres: 52,9%); as principais atividades econômicas são comércio e serviços; a principal rodovia de acesso é a BR-232. E conta com um aeroporto para aeronaves de pequeno porte.
Ainda de acordo com o IBGE, em Arcoverde, 10,30% das pessoas responsáveis por seus domicílios não têm rendimentos. Entre as pessoas que têm rendimentos: 43,54% recebem menos de um salário mínimo por mês. O índice de analfabetos é também elevado: 23% da população de 10 anos ou mais de idade
LIVROS
Comunicação Interativa
(A)Mar Sem Fim
Am (ai)
Aos Olhos de Deus
Aos Pastores
As Quatro Estações
A Vida Simples
Caminhos
Centelhas
Todos da Editora Bagaço
Serviço
Fundação Terra: (81) 3242 9262
Mais informações:
http://www.geocities.com/mvieiradesousa/obras.htm
http://www.fundacaoterra.org.br/
PERFIL
Padre Airton Freire de Lima nasceu em 29 de dezembro de 1955, em São José do Egito (PE). Ele foi ordenado padre em 1982, em Recife (PE). Ele é formado em Filosofia, Teologia e Psicologia.
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