[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] O poeta do biodiesel | Páginas Azuis | O POVO Online
19/08/2007 - 20h52

O poeta do biodiesel

O pai do biodiesel, o engenheiro químico cearense Expedito Parente, é também um poeta da tecnologia. Hoje, além de desenvolver novos produtos como o bioquerosene para aviação, o pesquisador também criou uma fundação e pretende instalar a Univerversidade Ambiental do Ceará
Pesquisador Expedito Parente revela que pretende instalar no Estado a Universidade Ambiental do Ceará para discutir questões ambientais como o tema energia (Foto: Patrícia Araújo/Especial para O POVO)

Neila Fontenele

da Redação

O homem que conseguiu enxergar as moléculas de biodiesel observando um simples ingá e transformar isso em tecnologia para a geração de um combustível mais limpo, tem hoje uma missão muito maior: ajudar a salvar o planeta da sua destruição. Não é nenhum herói de quadrinhos com superpoderes, mas uma pessoa comum que tem consciência de seu papel social. Cearense, 66 anos, o engenheiro químico Expedito Parente, ex-professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), trabalha há 30 anos na criação e aperfeiçoamento do biodiesel, considerado hoje um dos produtos que podem ajudar na redução do efeito estufa, caso seja adicionado ao diesel comum e utilizado nos motores dos carros. Com isso, seria posto um fim à fuligem produzida pela queima do diesel comum e aos problemas gerados por ela.

Tachado de sonhador e de poeta da tecnologia durante os anos 80, Expedito Parente é reconhecido no mundo inteiro como o pai do biodiesel. Embora tenha perdido a patente do produto, hoje de domínio público, o pesquisador continua trabalhando em vários projetos. Um deles é o desenvolvimento de um tipo de bioquerosene para aviação feito a partir do babaçu, que está sendo testado por grandes empresas internacionais cujos nomes não podem ser revelados por questões contratuais.

Num escritório simples, sem nenhuma ostentação, o pai do biodiesel recebeu nossa equipe para contar um pouco da lógica da tecnologia. História cujo processo será narrado por ele também através de livro que será publicado pela Unesco, na França. O livro terá como título "A Lógica e a Missão do Biodiesel".

OPOVO - Dentro do conceito ambiental que está surgindo, que prega uma energia mais limpa, e, ao mesmo tempo, com problemas de amplitude planetária como o efeito estufa, qual a missão do biodiesel?
Expedito Parente - Os biocombustíveis têm, na verdade, três missões. A primeira delas é ambiental, é a limpeza do planeta, fazer com que haja uma diminuição do efeito estufa, das poluições localizadas, do aquecimento global do envenenamento do planeta. A propósito disso, fiz uma palestra em Belo Horizonte, na PUC, e uma menininha de 11 anos queria me conhecer e tirar fotos comigo. Ela me disse uma coisa sobre um trabalho feito na escola, que tinha uma das frases mais sintéticas a respeito dessa questão atual do planeta Terra. Ela fez um cartaz com um desenho no qual estava escrito: "a Terra está com febre - use biodiesel". Achei aquilo fantástico: a febre é o efeito estufa. A febre é o primeiro resultado de uma infecção, é conseqüência da poluição e você pode extrapolar até para outras coisas, como a miséria e a questão ética. A Terra realmente está com febre.

OP - E o biodiesel pode curar a febre do planeta? Como?
Expedito Parente - Essa é a primeira missão dos biocombustíveis. No momento em que se faz agricultura energética, você está absorvendo gás carbono. Ela tira o gás carbono e fixa-o nas plantas, que produzem matéria-prima para os biocombustíveis. Essa é a primeira maneira de contribuir com o meio-ambiente, é um remédio que não se encontra em farmácia. O segundo remédio: o biodiesel reduz a queima de combustíveis fósseis, como os gases de enxofre que produzem fuligem. A fuligem é extremamente nociva e hoje nas grandes cidades morre mais gente com tuberculose do que com AIDS. Esses microrganismos, por conta da fuligem, ficam preservados nos brônquios e a doença torna-se crônica. Na proporção de 25% de biodiesel e 5% de óleo diesel, você elimina até totalmente a fuligem.

OP - E o impacto disso ...
Expedito Parente - ...seria um ar mais puro nas grandes cidades. Um ar sem fuligem de carbono e zinco. Não precisa substituir tudo. Basta misturar 25% do biodiesel para eliminar toda a fuligem que é emitida pelos motores a diesel. Nas grandes cidades, a participação da fuligem oriunda dos motores é muito alta, chega a ser mais do que 80% das densidades de outras indústrias.

OP - Voltemos às outras missões do biodiesel. Quais seriam elas?
Expedito Parente - Na Europa hoje, com uma consciência ecológica mais avançada e segmentada, a comunidade está exigindo um diesel sem enxofre, sem a possibilidade de emissão de óxido de enxofre, que produz chuvas ácidas e que são cancerígenas. Nessa missão de eliminar o enxofre do óleo diesel, o que já é quimicamente possível nas grandes refinarias européias, o diesel resultante fica muito aguado e isso é recuperado e reposto com a adição de 5% a 8% de biodiesel na purificação. Hoje, na França, por exemplo, há um diesel considerado superlimpo, que não tem enxofre e recebe 8% de biodiesel. Este é um artifício, uma contribuição do biodiesel.

OP - E qual a terceira missão?
Expedito Parente - É a missão social. Não só no Brasil, mas em todo o mundo, você tem milhões de pessoas que vivem em estado de miséria no campo. Uma das maneiras de combater o problema é gerar emprego e renda no campo, e o biodiesel, o bioquerosene e os outros representam uma solução, por serem bioenergéticos. Não digo o caso da cana-de-açúcar, que já é um pouco excludente, porque é muito mecanizada. O biodiesel não; com ele é possível fazer a agricultura familiar. Você gera muitas ocupações no campo e, como o mercado é muito grande, são mercados ilimitados, não tem a idéia do mercado, como ocorre com o feijão, por exemplo. No caso do feijão, se todo mundo for plantar quando há uma safra fértil, com muita oferta do produto o preço cai e o produtor não tem a quem vender, ficando no limite do mercado. Com a agricultura energética não há esse limite: você produz muito e quanto mais produz, mais o mercado absorve. No Nordeste, o tamanho dessa miséria chega a mais de 10 milhões de seres humanos que vivem no campo com fome. Isso é um paradoxo: a pessoa está no campo produzindo alimentos inclusive para vender e vive com fome. No Nordeste, várias oleaginosas podem ser usadas para produzir biodiesel.

OP - Como é o caso da mamona...
Expedito Parente - Da mamona e do pião manso. Existem muitas outras culturas nativas que poderiam ser contempladas para a produção do biodiesel. No livro do Guimarães Duque (qual?) sobre as culturas xerófilas no Nordeste ele cita várias espécies de oleaginosas que poderiam contribuir hoje para a produção do biodiesel. No entanto, hoje é importante que a comunidade agrônoma estude, que domestique essas plantas, para que elas possam entrar nessa cesta de oleaginosas. Portanto, fica o recado para os agrônomos nordestinos para estudarem e negociarem com o governo o apoio e a participação para estudar essas plantas nativas não convencionais e transformá-las em mais opções para a produção do biodiesel.

OP - O senhor e o governo tratam o biodiesel como um remédio para a inclusão social, mas muita gente fala que hoje já se produz mais biodiesel com soja do que com mamona, até porque existe atualmente uma maior oferta de soja do que de mamona e, dentro desse contexto, o Nordeste não seria o grande beneficiado com a produção de biodiesel. Até porque a produção de mamona agora que começa a ser incentivada....
Expedito Parente - O programa do biodiesel é um programa muito novo no Brasil. Apesar de ter sido concebido em 1977 e aqui, o Brasil entrou nisso atrasado. Só agora o governo brasileiro teve a sensibilidade de perceber a importância do biodiesel e resolveu apoiar esse programa que é uma coisa nova, e tudo o que é novo tem muitas implicações. Existe a necessidade de implantar esse projeto, de formar cultura e são coisas muito grandes e tudo que é muito grande tem uma inércia, mas é uma questão de tempo. Essas coisas vão evoluir. A própria ministra Dilma (Rousseff) tem sempre dito de uma maneira muito inteligente que o programa do biodiesel é uma eterna aprendizagem. E isso é verdade, a gente vai aprender. O álcool passou por isso. Uma questão bem conhecida do setor sucroalcooleiro é que, em 1975, o custo do metro cúbico do álcool era de US$ 700, e hoje o custo é de US$ 200. Houve a queda porque ocorreu uma evolução muito grande nas técnicas na produção da cana-de-açúcar, não só da produção da cana, mas também no teor de açúcar do caldo da cana. Esses foram alguns dos fatores importantes para o barateamento desse custo. O outro foi o próprio acesso à produção para a extração do caule, fermentação e destilação desse álcool. Houve uma evolução das técnicas desse processo.

OP - Para quem não conhece bem a respeito da produção de energia e de biocombustíveis, fica a impressão que hoje é possível produzir energia e combustível até com pêlo de cachorro, porque com tudo se produz energia. Porque se demorou tanto tempo para se produzir efetivamente outras fontes de energia?
Expedito Parente - Essa é uma boa pergunta. Primeiro, porque no passado se pensava muito que o biodiesel era um sucessor do óleo diesel e na verdade é muito mais do que isso. Esses sucedâneos biológicos da biomassa e o petróleo são muito mais que isso, eles têm suas peculiaridades, que são essas missões das quais estamos falando: as missões ecológicas, sociais e, também, de gestão estratégica. Agora vamos sair da era do petróleo para a era da energia solar, mas na realidade o biodiesel, o bioquerosene, são bioecológicos e importantes para tornar o mundo mais sustentável, caso contrário, a gente acaba mesmo. Você imagina um aquário com peixes, onde eles começam a colocar os seus excrementos no aquário; se você deixar aquilo ali, em pouco tempo a água vai ficar turva e eles vão se envenenar com os próprios resíduos se não houver uma pessoa para trocar aquela água. Da mesma forma é o planeta: nós estamos dentro de um aquário de ar, que é a atmosfera. Se tivesse um Deus para mudar esse ar para a renovação do aquário, seria uma solução, mas não existe isso.

OP - O senhor não acredita em Deus?
Expedito Parente - Não. Nem desacredito. Apenas sou testemunha de uma coisa, nesses pactos que foram criados até hoje. Primeiro foi o pacto do cordeiro, que foi o cordeiro de Deus que ia tirar os pecados do mundo e que sacrificavam os cordeiros nas solenidades, como se os cordeiros fossem tirar os pecados do mundo e isso não deu certo. Depois veio a idéia de que Deus enviaria o próprio filho, que inventou a idéia de Jesus que ia tirar os pecados do mundo. Uma das coisas que eu gosto dele é que ele gostava de vinho também.

OP - Mas o biodiesel vai salvar os pecados do mundo?
Expedito Parente - Vai, da seguinte maneira (é muita filosofia): esses dois pactos, seja o do cordeiro ou o de Jesus, nenhum dos dois deu certo. Hoje o Satanás ganha de 10 a 1. Existe muita maldade no mundo com esses seqüestros, a Terra com febre e cobiça, e nos espanta viver num mundo com violência. As coisas não estão dando certo porque esses pactos foram verticais, de cima para baixo, e o ser humano vai entrar em um novo pacto que é horizontal, entre os homens. Os homens, dentro desse aquário, vão ter que descobrir uma regra de sobrevivência. Não é possível as coisas continuarem da forma como está. Esse novo pacto deve ser a última chance que a gente vai ter. Vamos fazer esse pacto horizontal, que deve ser celebrado em termos culturais, educacionais, em termos de uso, de consumo e de produção. Isso significa fazer um bom uso da água, ter energias limpas, passar a ser responsável pela sua vida e pela do seu semelhante, você ter a consciência de que não vive sozinho, mas dentro de um aquário que tem que permanecer limpo. Não tem ninguém para tirar o ar e colocar outro no lugar. Na verdade eu não tenho religião. Minto. Eu tenho essa "religião horizontal". Acho que temos que crescer dentro de si e, se existe alguma energia que a gente ganha, é essa que a gente carrega.

OP - Qual o seu ensinamento dento dentro desse contexto em que estamos vivendo?
Expedito Parente - Eu fui professor durante toda a minha vida, mas sempre tive relação com o setor produtivo, com as indústrias. Mas sempre fui professor, sempre senti esse desdobramento. Quando você ensina a uma pessoa, essa pessoa vai ensinar a outras pessoas. O ensino é uma coisa que te desdobra muito. Hoje, devido à situação atual, eu sou muito solicitado para entrevistas, a escrever, fazer palestras. Isso tudo são oportunidades para educar. Deixar exemplos e cultivar nas pessoas esse pacto horizontal. Às vezes diretamente, às vezes indiretamente. Essa é a missão do biodiesel, essa missão mais social. Nós temos uma Fundação, o Instituto Confiança, que vai trabalhar nessa área social. Nossa missão no futuro é muito ambiciosa, mas a gente vai conseguir: queremos criar no Ceará uma Universidade Ambiental, cujo marco conceitual seja o meio ambiente, que seja um ponto de discussão das questões ambientais, onde a energia evidentemente se insere. O biocombustível é a saída dessa era do petróleo para a energia solar, que essa é uma era definitiva. Os biocombustíveis são, de uma forma indireta, frutos da energia solar.

OP - Como será isso?
Expedito Parente - O petróleo está acabando. Ou seja, o petróleo energético. O petróleo que vai ficar deve servir para fins químicos, para ingressar na petroquímica, o que é um uso muito mais nobre. Isso quer dizer que, mesmo na escassez, esse petróleo terá um uso mais nobre e vai predominar a energia solar. E o que é a energia solar? Nós temos duas modalidades de energia solar: a energia solar direta e a indireta. A indireta é o biocombustível, que nós já estamos vivendo, porque o sol incide sobre as plantas e promove a fotossíntese que as faz crescer. A energia eólica é também a energia solar indireta, porque os aquecimentos, as noites e os dias, fazem os ventos que também produzem energia. Em diversos lugares do mundo já existem várias fazendas de energia eólica, que também é energia solar. Tem a energia solar direta, ou seja, o calor do sol, a energia radiante que produz energia. E como é isso? É fácil de entender: é o aquecimento. Você pode perfeitamente fazer água quente, fornos solares para aquecer e tem a transformação da energia solar radiante em eletricidade. Você produz energia elétrica nos painéis fotovoltaicos. Isso está cada vez mais avançando. A energia solar direta, se você observar, vai ver que o mundo apresenta um crescimento exponencial no seu consumo. Quando eu morava na Alemanha, em 1969, a Telefunken lançou naquela época uns painéis de energia solar que eram extremamente caros. O metro quadrado desses painéis era o preço de um Mercedes-Benz de luxo. Hoje, o metro quadrado desse painel é o preço de uma bicicleta. Para você ver como caiu. Na hora que a tecnologia vai avançando na produção dessas células fotovoltaicas, os preços vão caindo cada vez mais, tornando essa técnica cada vez mais viável. Esses dispositivos poderão gerar energia elétrica limpa, o que é um dos fatores indicativos de que estamos no caminho certo de acreditar e sonhar com essas novas energias. Veja como são transportados os combustíveis, em caminhões, gastando pneu, gastando o asfalto, jogando fumaça no mundo. Um transporte demorado e extremamente caro. Já a energia elétrica se transporta na velocidade da luz. Você gera energia aqui e roda pelos cabos elétricos, não tem pneu, não tem estrada, não tem emissão de gás e chega em qualquer lugar no tempo da luz. Um transporte extremamente prático, barato e limpo. Os motores elétricos têm uma eficiência superior a 95%; já os motores de combustão interna dos veículos têm eficiência só de 35% e os motores elétricos não produzem emissão nenhuma, não fazem barulho e também geram muito pouco calor. O sol é uma fonte inesgotável de energia. E há a questão da transmissão à distância: lembro-me, quando menino, que se falava que transmitir energia elétrica por mais de mil quilômetros era inviável. O então governador Virgílio Távora trouxe energia elétrica com mais de mil quilômetros para Fortaleza, de Paulo Afonso, e ninguém acreditava. Hoje no Brasil se transmite energia elétrica com mais de 4 mil quilômetros de distância. No futuro poderemos enviar energia elétrica por mais de 10 mil quilômetros. No futuro poderemos perfeitamente enviar energia para a Europa por cabo submarino. Veja que existiam os cabos submarinos das telecomunicações antigamente e no futuro talvez possamos fazer isso através da eletricidade. Passar uma energia tropical. Pegar a energia do sol e mandar para a Europa no inverno. Nós podemos ser os maiores produtores de energia elétrica: de energia limpa, e isso não está muito longe. Não acredito que esse projeto demore mais do que 30 anos. Acredito nisso e não sou quiromante nem louco. No passado fui acusado de "poeta da tecnologia" e ninguém acreditava em mim. Passei 10 anos escrevendo sem poder assinar embaixo e hoje a gente traz soluções e fica mais à vontade para dizer umas loucuras.

OP - O senhor criou o biocombustível durante a crise do petróleo e hoje a gente vê o apogeu do biodiesel durante a crise ambiental.
Expedito Parente - Acho que o ambiente falou mais alto...

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