[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Confissões de um "amador" | Páginas Azuis | O POVO Online
12/11/2006 - 23h22

Confissões de um "amador"

Saindo de sua maior derrota eleitoral, o ex-prefeito atribui o fracasso na eleição para deputado federal à falta de dinheiro e comenta as negociações com interlocutores da prefeita Luizianne Lins no segundo turno de 2004

Antes de receber a equipe do O POVO, o doutor Juraci Magalhães debruçava-se sobre o futuro. Rabiscava em uma folha o projeto da sala em que pretende reabrir o consultório de dermatologia, de onde está afastado desde que assumiu a Prefeitura pela segunda vez, em 1997.

"Sempre a gente termina como começou", afirma o ex-prefeito de Fortaleza, lembrando que foi tirado do consultório quase duas décadas atrás para, no seu dizer, "aumentar o número de clientes". Mas a política continua presente em seu cotidiano, mesmo nas coisas mais prosaicas, como na régua com a logomarca da campanha de Fernando Henrique Cardoso, que utiliza para preparar o projeto da clínica.

O ex-prefeito diz que já está importando equipamentos e volta-se agora para o estudo do uso do laser em dermatologia. "Eu nunca deixei de ler minhas coisas. O que vale em dermatologia é o diagnóstico. Isso eu não perdi. A terapêutica muda todo dia. Aí você lê, sabe e aprende mesmo".

Mas se o retorno ao consultório, palco de muitas articulações políticas, significa o adeus da política, ele não responde. "Todo cidadão que é animal político não pode dizer que não vai mais (concorrer)". Após a derrota na eleição para deputado federal - quando teve 31 mil votos - ele brinca até com a possibilidade de concorrer a vereador em 2008. "Não posso ser candidato, não?", provoca.

Em quase três horas de conversa, o homem que comandou a política da capital por mais de uma década fala do futuro e também do passado. De suas relações com o ex-companheiro de chapa Ciro Gomes, de cujas mãos herdou a Prefeitura, às conversas com aliados da prefeita Luizianne Lins em 2004. Fala também sobre a polêmica envolvendo seu genro, o deputado cassado Sérgio Benevides. Sobre o presente, lamenta que a prefeita Luizianne Lins não tenha dado continuidade a muitos de seus projetos. Com um jornalzinho na mão, da época em que deixou a administração, desfila uma relação de obras que deixou em andamento e que até hoje não teriam sido concluídas. Sobre sua derrota na última eleição para deputado federal, culpa a falta de dinheiro: "Faltou mamona", resume.

O POVO - O senhor teve uma seqüência de vitórias eleitorais, mas sofreu duas derrotas seguidas nas últimas eleições. O candidato que o senhor apoiou na sua sucessão foi mal votado (Aloísio Carvalho, que ficou na quinta colocação em 2004). O senhor agora não conseguiu se eleger para deputado federal. A que o senhor atribui isso?
Jurac Magalhães - Tenho impressão de que sou um amador. Eu sou amador. Sei fazer as coisas para os outros e não sei para mim. No caso particular do Aloísio, foi o meu presidente. Passei 40 anos em um partido brigando para ter independência, e o Eunício Oliveira (presidente estadual do PMDB, partido de Juraci à época) vai e determina intervenção nos diretórios zonais, porque estava perdendo para mim. O que é isso? Os vereadores ficaram doidos. Tanto é que vereador com 10.400 votos não foi eleito. Nem Magaly (Marques), nem Ageu (Costa). Porque eles foram atrás dele (Eunício). A primeira vez que um candidato a voto majoritário tem menos voto do que os vereadores do partido. O que é isso? É nau sem rumo. Depois, eu briguei com algumas pessoas da imprensa. Eu não aceitei e briguei. A influência que fizeram de tocar aqueles problemas do Sérgio (Benevides, genro do prefeito, que teve o mandato de deputado estadual cassado por suspeita de desvio de dinheiro da merenda escolar da Prefeitura) para mim, foi uma grande influência. Mas porque não entrou agora o presidente Lula (que tem suspeitas de ter o filho envolvido em irregularidades)? Porque o Lula tinha condição de fechar a torneira, e eu não tinha condição de fechar.

OP - O senhor não teve condição?
Juraci - Por causa do amadorismo. Eu não me considero derrotado. Eu não ganhei. Por quê? Porque não tive voto. Não tive voto por quê? Porque faltou mamona (faz gesto em referência a dinheiro). Eu não tinha. E todo mundo pensava que eu era um ladrão. Não é verdade? É. Todo mundo botava aqui.

OP - O senhor acha que tem essa imagem?
Juraci - Essa imagem eu não tenho. Essa foi feita, construída. Um bocado de gente se elegeu às minhas custas.

OP - O senhor avalia então que não se elegeu porque faltou dinheiro?
Juraci - Não posso dizer isso. Quem sabe dizer isso e avaliar é você, que está nesse meio aí. Ela saiu mais cara? Você não acha que faltou camisa? Qual foi a substituição de três camisas? Cada candidato não dava em média duas a três camisas para cada eleitor, para ganhar voto? Aí substituiu pelo vil metal. Provar? Não posso provar porque eu não estava lá. Mas houve.

OP - O senhor enfrentou dificuldade na campanha?
Juraci - Claro. Primeira coisa é o seguinte. Quem foi que ficou comigo? Dos 41 vereadores que tem lá, 16 se reconhecem eleitos com minha ajuda. Quem foi que ficou comigo? Adelmo (Martins, dom PL) ficou comigo. A Teresinha (de Jesus, do PHS) e o Jorge Vieira (PMN). Porque eu não tinha dinheiro.

OP - Houve ingratidão?
Juraci - Não. Eu não fui eleito porque não tive voto. Agora, a razão de não ter voto, uma delas se chama mamona (dinheiro). Fiz propostas viáveis para um deputado federal. Mas a população não entendeu esse discurso. Então não me quer mais trabalhando? Não sei. Agora, não fiz o que aconteceu com outras pessoas. Eu votei no Tarcísio (Leitão, candidato do PCB ao Senado), mas não deixei de votar no José Maria de Melo (candidato do partido ao governo). E algumas pessoas mudaram. Eu fui instado um dia. Na sexta-feira. Eu tinha voto na sexta-feira.

OP - Para se eleger?
Juraci - Tinha bastante voto. Aí veio a verticalização, aí eu não aceitei. Porque eu não nasci e não me criei desse jeito. Eu tenho prova disso. Na sexta-feira, eu tinha voto. Aí eu fui chamado, fui instado, fui procurado para que eu fosse um dos cinco (chapa de deputado federal, estadual, senador, governador e presidente). Era voto verticalizado. Um meu e quatro deles.

OP - Deles quem?
Juraci - Você já entendeu o resto, não é?

OP - O senhor não aceitou?
Juraci - Não. Não posso.

OP - O senhor imagina quantos votos perdeu?
Juraci - Eu tinha meus 80 mil, 90 mil votos, eu penso que eu tinha. Todas as pesquisas davam isso. As pessoas queriam votar em mim. Mas acontece é que recebiam a chapa completa. Que foi também o que aconteceu com o (Francisco) Cavalcante. Ou você não notou isso? (Cavalcante foi o deputado estadual mais votado em 2002, e não se reelegeu esse ano). O Cavalcante tinha mais de 100 mil votos. Tinha nas pesquisas. Estou dizendo isso aqui, que eu nem tinha intimidade com ele. O que aconteceu com o Edson Silva (deputado estadual eleito pelo PFL), baixou dos 70 mil para 40 mil votos.

OP - O senhor ficou surpreso ao não ser eleito?
Juraci - No domingo, às duas horas da tarde, eu fui ao escritório da Elzivone (Magalhães, candidata a deputada estadual derrotada, cujo avô é primo de Juraci) e disse a ela: "A coisa está acontecendo assim e assim". Um cidadão me chamou atenção e disse: "Entre, vá até lá dentro (da sessão eleitoral). O senhor aqui na porta. O povo gosta de ver (o candidato)". Depois eu vi que ele estava era dizendo que, se eu fosse lá, as pessoas talvez mudassem o voto. Porque já estavam com ele (o voto) pronto. Quando foi de noite, que eu recebi as primeiras informações, de determinadas sessões eleitorais. Aí eu disse ao meu irmão: "Não vou eleito". Tinha umas pessoas comigo lá no comitê, começaram naquela coisa todinha e eu disse: "Não vou fazer velório aqui, não". Naturalmente, chegou um sabido com uma garrafa de uísque. Aí eu tomei uma dose e fui embora. Claro que você sente, mas, se houve ingratidão, não foi desse povo.

OP - O senhor mencionou a questão do genro do senhor, o Sérgio Benevides. As denúncias contra ele foram, digamos assim, turbinadas em função do vínculo com o senhor?
Juraci - Você acha que queriam atingi-lo ou a mim? Claro que a mim. Agora, lhe digo uma coisa também. Desde 1994, quando eu fui candidato ao governo, que fizeram processo contra mim. Aconteceu uma denúncia, que foi aquela do "corruptograma". Se lembra? Que o Moroni (Torgan) botou, com o Sérgio Machado. Eu com a minha família todinha, botando coisa até contra meus filhos, minhas netas. E até hoje não foi provado nada.

OP - Essa questão do Sérgio, até que ponto o senhor entende como parte, ainda que mais nefasta, da política?
Juraci - Jogue o mal em cima de um, jogue o que você jogar. Se pegar, ninguém tira. Naturalmente foi feito isso. Eu fiquei tranqüilo e continuo tranqüilo. Eu moro na mesma casa. Desde 1980, que eu não tenho um patrimônio acrescido. Eu comprei tudo no meu tempo de consultório. Por que eu não podia estar morando hoje na Beira-Mar, se houve dinheiro?

OP - O senhor acha que...
Juraci - Que houve, houve. Agora, eu realmente não vou condenar ninguém, porque não sou promotor nem juiz. E até agora não foi condenado. Se você pegar o processo, não existe o nome do Sérgio nele, porra! Me botaram no meio, mas não existe nada.

OP - Houve o quê? Corrupção?
Juraci - Você enxergar, é muito difícil. Para chegar e tomar a atitude. Porque quando eu voltei (à Prefeitura), eu fiz uma reforma (administrativa) em que eu não sou gestor. Quem é gestor é o secretário. Ele é o ordenador de despesa, o responsável. Eu só era o político. Tanto é que todo esse negócio que tocam aí, eu não sou atingido em nada, porque eu não tenho nada a ver com isso. Agora, é um rapaz, pessoa de boa índole. E foi pego. Houve o interesse em se fazer isso. Muito mais provado aconteceu agora, e não se fez nada.

OP - Por que não se fez?
Juraci - Porque o PT sabe fazer oposição. Eu convivi com eles muito tempo. Eles não sabem fazer é o trabalho que precisa ser feito. Eles não sabem executar as ações. Tanto é isso que está parado (a Prefeitura). Agora sabe fazer isso aqui: desmanchar.

OP - Por que a prefeita não tem oposição?
Juraci - Porque ela assumiu, chamou e disse: "Está aqui" (faz gesto como se entregasse algo).

OP - O senhor acha que ela comprou o apoio?
Juraci - Não sei se comprou. "Está aqui". E os meninos se conformaram, porque ela disse: "Está aqui".

OP - Grande parte deles era aliada do senhor.
Juraci - São de poder (risos).

OP - Ela teria uma oposição se seus aliados se opusessem a ela.
Juraci - Eu votei na Luizianne. No segundo turno. Não é nada contra o Moroni. Tomei uma atitude política. Vinha dizendo ao doutor Tasso (Jereissati) que ele cuidasse do grande (Moroni) que eu cuidava do barbudo (Inácio). E eu cuidei bem do barbudo. Quando foi determinado dia, ele (Tasso) disse: "A moça está crescendo". E eu disse: "Vai ganhar". Porque ela começou a tirar voto dos outros. Quando ela tirava só do Inácio, ficava num jogo para lá e para cá. E ficava Cambraia e Moroni lá em riba. Quando terminou o primeiro turno, eu ocupei o espaço. Quem joga xadrês, existe o peão no três, defesa do rei. Você vai e toma, que aquilo ali será rainha depois. Ninguém se meta com ele, porque quem vier morre. Aí bota os cavalos para dar coice e os bispos para dar porrada. Foi o que eu fiz. Assim que terminou a eleição, eu disse: "Voto na Luizianne". Ocupei. Peão três, dama do rei. Para quê? Para o Eunício não chegar. Tanto é isso que, para poder ele se encostar agora, para essa aliança (para o governo do Estado, em torno de Ciod Gomes), foi difícil. Porque a mulher não queria.

OP - O senhor trabalhou por ela?
Juraci - Um interlocutor perguntou se eu conversaria com o (Francisco) Pinheiro (ex-líder de Luizianne na Câmara, hoje vice-governador eleito) ou com o Sérgio (Novais, vereador aliado de LUizianne). Eu disse: "Pode vir tudim". Aí disse: "Onde". Eu disse: "Onde escolher. Se quiser, aqui no Paço, lá em casa, ou qualquer outro lugar". Aí eles foram lá em casa e eu disse duas coisas a eles. Aí eles fizeram.

OP - O que foi que o senhor disse?
Juraci - Eu mostrei o mapa da cidade e disse: "Você ganha na boca-de-urna". Não significa só o voto na hora. É a mobilização. Ele disse: "Como?" Eu disse: "Vocês têm militante. Um de vocês vale 10 dos outros".

OP - Houve um acordo?
Juraci - Fiz isso por opção política. Eu precisava manter. Porque eu estava certo de sair do partido (PMDB), mas enquanto eu estivesse nele, eu precisava manter a minha coerência.

OP - O acordo do senhor com o Tasso, para ele pegar o Moroni e o senhor, o Inácio. Qual era a idéia? Era um acordo em torno do Cambraia?
Juraci - Eu disse que eu resolvo o Inácio. Porque eu gosto de fazer algumas pesquisas, e minhas pesquisas são qualitativas, não são quantitativas. E havia sempre a concordância de que um determinado segmento caminhava para a Luizianne, saindo do Inácio. A linha vermelha. Da Praia de Iracema, desce por Dionísio Torres, Bairro de Fátima, Benfica, Parquelândia. Ali é uma linha vermelha. É 20% da população que não se consegue comprar voto. Penso eu que não. É um voto mais liberto. Eu disse que era mais fácil de eu cuidar do Inácio. E daria uma oportunidade a que o Cambraia brigando com o Moroni, sobrar para o Aloísio. Eu queria que fosse Aloísio e Luizianne. Aí, a besteira. Botaram o Cambraia para brigar com o Inácio. Aí lascou-se. Quando o Cambraia chegou lá em casa num sábado, eu disse: "Vão conversar com o Aloisio. Comigo, não". Porque ele já sabia que, da maneira que estava, ele não ia para o segundo turno. Aí ele me deu o celular para eu falar com o doutor Tasso. Eu disse: "Olhe, o Cambraia está querendo que você dê aquelas informações". Eu disse: "Tá certo". Mas não dei. Eu dei ao Sérgio (Novais), no segundo turno. Dei todo o caminho do Moroni no segundo turno.

OP - O que o senhor acha da gestão Luizianne?
Juraci - É uma pessoa boa. Embora a gente conversasse muito pouco. Mas ela gostava de conversar comigo, e eu com ela. Tanto é isso que, depois que ela assumiu, ela marcou à uma hora da tarde da quarta-feira de cinzas. Eu disse: "Não quer falar comigo". Mas eu fui, e a conversa demorou. Ela estava esperando que o pessoal dela chegasse para ouvir o que eu estava dizendo. Porque eu fui mostrar para ela as coisas que eu achava que era conveniente fazer, se ela quisesse.

OP - O que o senhor sugeriu?
Juraci - Primeiro concluir o que eu tinha deixado de fazer. Ela levava vantagem. Ela vai fazer o TransFor e vai levar vantagem. O pessoal é inteligente, mas é muito preso às coisas.

OP - O que o senhor acha da Prefeitura hoje?
Juraci - Olhe, a moça (Luizianne) é inteligente, ela se comunica bem e conhece as coisas. Mas não é na universidade que você aprende a cidade. E o pessoal dela saiu da universidade e não conhece a cidade. Eu acho que ainda estão aprendendo. E é gente demais. Tem assessor demais.

OP - A Luizianne reclama da situação em que recebeu a Prefeitura, com dívidas e sucateada. Como foi que o senhor deixou a Prefeitura?
Juraci - Sabe que eu não sei. E ele (secretário de Finanças, Alexandre Cialdini) também não sabe. (Mostra um ofício). Em 27 de julho de 2005, eu pedi à Sefin (Secretaria de Finanças) o relatório detalhado das despesas inscritas em restos a pagar. Porque todo dia saia uma mentira no jornal. Um publicava de um jeito, outro publicava de outro. E fui e pedi. Para responder aquele negócio de desmonte lá da Assembléia, que nem precisou (denúncias de sucateamento da CPI do Desmonte, na qual o prefeito não apresentou defesa, mas acabou excluída do relatório final).

OP - O que a Prefeitura respondeu sobre as dívidas?
Juraci - Não respondeu. O registro é isso aqui (mostra identificação do protocolo da Sefin, datado de 28/07/2005). Eu queria saber quem é que estava com a razão, se a administração atual ou eu. Porque o camarada inventou um bocado de história. Você sabe que o Cialdini é uma cria minha, não sabe? Foi quem eu nomeei para diretor financeiro e administrativo do IJF, na primeira administração minha. Mas, então, está aí. Até hoje eu não tenho essa resposta. Quem é que sabe. Aí eles reconheceram que não adiantava ficar nessa conversa. Ganharam politicamente, fizeram aquele negócio todo.

OP - Qual a avaliação que o senhor faz dos três mandatos do senhor como prefeito?
Juraci - Por que foi que quando eu assumi, como vice, fiz uma administração relativamente boa? Por duas razões. Primeiro, não tinha nada. Tudo que você fizesse aparecia. E quando o pessoal diz que o pior é o cego que não quer ver é porque todo mundo quer ver. A segunda é que, na época, a Prefeitura tinha uma participação muito forte no FPM (Fundo de Participação dos Municípios, repassado pelo governo federal) e no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, repassado pelo Estado). Dos 25% do ICMS arrecadado pelo Estado, 13,2% eram da Prefeitura de Fortaleza. Quase 50% da Prefeitura. E do governo federal, a Prefeitura tinha 37% de sua arrecadação do Fundo de Participação. Então tinha dinheiro. Inflação, funcionário de três em três meses tinha reajuste. Tanto é que eu dei o 14º e os meninos ficaram satisfeitos demais. Porque de três em três meses que eu era obrigado a dar o aumento (para repor a inflação do período). Então o dinheiro que sobrava dos funcionários (fruto da desvalorização da moeda no período, com o aumento de preços e - portanto - maior arrecadação de impostos) eu podia usar. Tinha um caixa bom. Tinha vários projetos feitos que nunca foram realizados. Tanto é que nós fizemos também um Plano Diretor na nossa época (em 1992).

OP - Nessa avaliação que o senhor faz dos mandatos, onde o senhor acha que errou?
Juraci - No primeiro, eu fiz porque faltava tudo. No segundo, na declaração que eu fiz em 1996, que hoje eu analiso, estavam querendo que eu morresse. Tanto é que eu tive o câncer. No dia 11 de outubro de 1996 eu tive o diagnóstico de câncer. Naquela reportagem (mostra recortes do O POVO da época, que mantém guardados) eu digo: "Eu não vou morrer". No segundo mandato (1997-2000), e no terceiro (2001-2004) especialmente, eu fui fazer aquilo que o povo não vê.

OP - O senhor acha que não foi uma falha, mas uma opção.
Juraci - Tanto é que eu disse: "Eu vou dar acesso ao aluno da escola municipal". No segundo mandato, já no final, o doutor Tasso (Jereissati, então governador) me joga todas as escolas de educação infantil em cima da Prefeitura (quando o ensino fundamental passou a ser atribuição do Município). Solução que foi encontrada: anexo. Horrível. Você ter que manter aquelas crianças naqueles anexos, que não tinham condição nenhuma. E eu, como médico, como sanitarista, aceitar um negócio desses, é de lascar. Mas você deixava os meninos na rua? Não podia dar bolsa de estudo. Eu inventei uma bolsa de estudo, fiz o convênio com o pessoal da iniciativa privada. Eu trocava o IPTU e o ISS pelos meninos na escola particular. E não deixaram eu fazer. Aí eu fui fazer essas escolas comunitárias com os anexos. Um negócio horrível, horroroso. Mas eu tinha que botar.

OP - A oposição não deixou?
Juraci - Sim, os meninos. Os meus gaiatos não dizem nada. Foram o Nelson da Capitinga (brincadeira com o deputado Nelson Martins, que foi um dos mais ferrenhos opositores de Juraci na época de vereador, em trocadilho com o nome de personagem de programas humorísticos) e os outros. Não deixaram. Ficaram nesse negócio. Eles faziam oposição por fazer oposição.

OP- Em função também desses problemas, e também da menor visibilidade das ações, o senhor avalia que os dois últimos mandatos foram piores que o primeiro?
Juraci - Na minha versão, eu fiz muito mais na última visão do que na primeira. Na parte de atendimento, o que hoje se denomina inclusão social, o terceiro mandato eu fiz vários projetos que deixaram de andar não sei a razão. O Samu (Sistema de Atendimento Médico de Urgência), que esse bicho inventou, o sanguessugazinho do meu colega, que ele queria que eu ficasse com as ambulâncias e eu não fiquei no primeiro ano. Foi adivinhação, não. Foi porque me disseram. Aí então, ele queria tirar o SOS.

OP - Como é que o senhor acabou vice do Ciro?
Juraci - Eu tenho impressão que foi uma compensação que o galego (Tasso) quis me dá. Eu era superintendente da Previdência Social, do INSS (então INPS), cargo que eu assumi por convite de Waldir Pires (atual ministro da Defesa, à época na Previdência). Eu tinha sido coordenador da campanha do Tasso e era superintendente do INPS. Aí o Sérgio Machado (então secretário do Governo de Tasso e hoje presidente da Transpetro, do governo federal) me telefona me chamando para eu ir almoçar com ele lá no Cambeba. E só éramos os quatro. Eu, ele, o Assis (Machado, irmão de Sérgio e hoje suplente de Tasso no Senado, de quem foi secretário de Governo entre 1995 e 2002) e o Tasso. E foi quando eu recebi o convite. O Tasso disse: 'Jura, eu quero que você seja o candidato a vice na chapa do Ciro'.

OP - Compensação do Tasso pelo quê?
Juraci - Não sei se foi. Mas duas coisas eu acredito que sim. Eu coordenei a primeira campanha do Tasso aqui em Fortaleza. E fiz o primeiro programa aqui em Fortaleza de mobilização política. O "Amigo do Tasso". Ainda hoje tem gente que tem o cartão do Tasso. Porque o doutor Tasso não era cidadão de discurso. Então eu sai com ele, final de tarde, o Assis guiando, ele na frente com o Assis, o Sérgio Machado aqui, e eu. Quando chegou acolá no Café Paraense, no Montese, veio uma senhora com um menino no colo. Eu chamei, fui na frente do doutor Tasso: "Conhece esse cidadão aqui quem é?" (Juraci faz, com a cabeça, sinal de um não sisudo). Ele candidato. Aí eu disse: "Onde é que mora o Narcílio Andrade?" Ela disse: "É a melhor casa que tem ali". aí eu sai e disse (para Tasso): "Seu projeto é Avon. De casa em casa". Com o Ciro, já existia essa lideranças. Foi só colocar nos locais. Primeiro dar umas três porradas num bocado de gente besta. Então eu conhecia todo mundo aqui. Que estava na política, eu conhecia. Eu tinha condições de conversar com todas as pessoas. Não de influenciar por essa ou por aquela razão, mas sempre precisa ter alguém que prepare algumas arestas, tirando ou cortando para poder a coisa acontecer. Inclusive o PCdoB votou com o Tasso (em 1986).

OP - O senhor já conhecia o Ciro?
Juraci - Não, o Ciro eu não conhecia, porque ele não conhecia Fortaleza. Não era nem eleitor daqui (risos). Nem os vereadores ele conhecia. Eu conheci o Ciro numa apresentação. Não tinha intimidade, não tinha nada. Eu fiz com ele o que eu fiz com o Paes de Andrade. Aí eu fui e levei - tenho até esses retratos - ele para o meu consultório que eu tinha aqui na José Lourenço. Eu fui mostrar cada um (vereador) e dizer quem era. Botei ele lá no meu birô e trazia a canalhada para apresentar. Mas tudo bem. Aí eu fui e disse: 'Olhe, eu preciso de tempo para responder'. Isso foi numa quarta-feira, talvez. Aí fui naquela maneira minha de fazer as coisas. Chamei os meus quatro irmãos, sentados assim num canto, sem precisar nem de mesa, mas num lugar em que a gente pudesse estar distribuindo uma cervejinha pros outros. Aí nós sentávamos ali e começávamos a conversar. E eu fui e disse que tinha isso (proposta de ser candidato a vice de Ciro). Meu irmão mais velho disse: "Você gosta disso. Rapaz, aceite". Eu agüentei. Quando foi no sábado de manhã, o Sérgio me chamou lá na casa dele. Eu cheguei lá, ele disse: "Viaje, eu não quero mais resposta de tu, não. Você vai ser o vice. Viaje. Vá entregar o cargo. E ainda lhe dou o direito de indicar o substituto". Eu fui. Aí entreguei. Cheguei, e ele (Sérgio) disse: "Não diga a ninguém. Você vai ser candidato a vereador. Venha para cá".

OP - O senhor foi orientado a dizer que concorreria a vereador?
Juraci - Que sai para ser candidato a vereador. Aí eu fui lá para o Palácio (do Governo). Arranjaram uma sala, era um lugar bom, no Cambeba. Eu entrava pela sala dele (Sérgio). Entrava por um lugar bom, que não tinha corredor para aperrear em nada. Naturalmente tinha confiança. Todas as nomeações (do governo) na Região Metropolitana passavam por mim.

OP - Como foi que o senhor soube que ia assumir a Prefeitura?
Juraci - O Tasso me avisou, se não me engano, na segunda-feira. E eu assumi na quarta-feira. Dois dias ou três de diferença.

OP - Assustou?
Juraci - Não. Eu disse a ele uma coisa muito simples: "Vou mostrar ao doutor Tasso que nem todo vice é medíocre".

OP - O senhor chegou a conversar com o Ciro antes de assumir?
Juraci - A conversa nossa existiu, e aí não teve muita dificuldade nessa inicial, não. Só teve uma pessoa que saiu depois, que foi o Mauro Filho (então secretário de Finanças, hoje deputado estadual), que não disse que ia sair. Quando ele disse que ia sair foi que eu coloquei um substituto. E foi o Cambraia para a finanças. Bem, quando o Ciro chegou e disse que ia ser candidato a prefeito, tudo ótimo. Eu fui para os comícios, ele era do meu partido, era do PMDB, tudo certo. Isso aí não houve nenhum atropelo, não. Agora, quando ele foi candidato ao Governo, aí sim. Eu assumi aqui e houve uma reunião aqui, veio até o doutor Mário Covas (ex-governador de São Paulo, falecido em 2001), veio aqui o (José) Serra, o Franco Montoro (todos os citados são líderes da fundação do PSDB, ao qual Ciro e Tasso haviam se filiado pouco tempo antes, deixando o PMDB). E eu fui lá no hotel e disse (ao Ciro): "Olhe, o doutor Tasso não me convidou para vir para cá, porque sabe que eu não saio do meu partido por ninguém. Gosto muito de você (Ciro)". Ele pensou que ia apoiá-lo. Mas meu partido fez uma coligação com o Paulo Lustosa (então no extinto PDS), e eu fui com o Paulo Lustosa. Aí foi onde a coisa encrencou, porque ele pensou que eu ia fazer a candidatura dele. Aí, eu disse não.

OP - Ele chegou a cobrar isso do senhor?
Juraci - Direto, não. Porque eu vou dizer uma coisa. Nós tínhamos até um bom relacionamento. Mas havia um respeito pela idade. Acho que ele me respeitava um pouco pela idade. Ele era muito novo e tinha certa dificuldade. Na época, era muito grande a diferença. Agora não, porque ele já está velho. Mas ele fez mostrar isso. Essa foi uma das coisas.

OP - Qual o julgamento que o senhor acha que a história lhe fará?
Juraci - Eu tenho impressão que fui positivo. A única coisa que eu quero é que a minha neta veja algumas coisas e diga: "Foi o meu vô que fez". E tem muito o que mostrar. Eu não tenho medo. Fiz Fortaleza ser reconhecida, e hoje é reconhecida e é cobiçada. Eu mostrei ao cearense que ele era capaz de resolver os problemas sem andar com pires na mão lá em Brasília.

OP - Para a próxima eleição, o senhor acha que a disputa fica de novo entre Moroni e Luizianne? A prefeita se reelege?
Juraci - Aí é coisa para vidente. É difícil. Na posição que está hoje, não (se reelege). Eu faço também as minhas pesquisas. Ela começou com dois terços de aprovação. Ano passado estava com a metade. Agora já está do terço para baixo. Está fazendo o governo, mas ninguém está vendo.

OP - O BidFor não pode mudar isso?
Juraci - Pode, se o meu pessoal não for inteligente. Porque se o meu pessoal for inteligente, vai dizer que ela cumpriu com a obrigação. O projeto estava pronto, aprovado.

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