[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Manu Chao | Páginas Azuis | O POVO Online
29/01/2006 - 19h03

Manu Chao

Francês, filho de pai galero e mãe basca, o cantor, compositor e ativista de causas político-sociais Manu Chao tem em Fortaleza uma de suas casas no mundo. Em dezembro passado, falou sobre sua trajetória na música, no ativismo e anunciou turnê no Brasil durante o carnaval, incluindo Fortaleza na rota
(Foto: Edimar Soares)

Luciano Almeida Filho, Carlos Ely Abreu e Cristiane Parente

da Redação

Casa de muro alto, espaçosa, de jardim e quintal arborizado. Daquelas que criança adora para se abaldar, correr, brincar, se sujar à vontade. E assim o grupo de jornalistas foi recebido, atraindo a atenção dos olhos atentos da criançada que corria para um lado e para o outro. "Quem são vocês?", pergunta o menino. "Somos um grupo de curiosos que quer saber um pouco do seu pai", responde a jornalista e mãe de carteirinha. Do interior sai ele, o pai, o cantor, compositor e ativista francês Manu Chao. Completamente à vontade, cabelo em desalinho, sem camisa, bermudão, com seus colares multiétnicos como ele e sua música.

Nos últimos sete anos, Fortaleza virou parada obrigatória para Manu Chao. Desde o nascimento de Kirá, seu filho com a cearense Germana. Um assunto que prefere deixar para a seara particular. Todo ano, rola o boato na cidade: 'O Manu Chao vai tocar naquele barzinho... Será que ela vai fazer um show grande?'. E realmente aqui e acolá ele aparece acompanhado do grupo de amigos cearenses, tomando uma cachacinha, tocando seu violão maneiro e cantar num 'portunhol fluente'. Desta última visita, arriscou até cantar umas coisas de Luiz Gonzaga.

Entre um cigarro e outro, e algumas intervenções de Kirá e seus amigos, Manu Chao conversou com a reportagem de O POVO, em dezembro passado. A conversa foi ampla, da sua infância à sua formação musical e política. Falou de sua antiga banda, o Mano Negra, e também das mudanças que a tecnologia vai impondo à indústria musical mundial. Declarou seu amor pelo clássico Asa Branca (Luiz Gonzaga/ Humberto Teixeira).

Manu Chao adiantou a novidade: ele e seus músicos farão uma turnê brasileira durante o carnaval com shows gratuitos. "Vamos tocar no Rio de Janeiro, num palco nos Arcos da Lapa. Devemos tocar no Marco Zero, em Recife. E, desta vez, estamos acertando um show em Fortaleza". A apresentação aqui foi confirmada pela assessoria da Fundação de Cultura e Turismo de Fortaleza (Funcet): será dia 28, terça-feira de carnaval. O local ainda não está definido. Uma razão fundamental para muita gente ficar na cidade ou voltar mais cedo do carnaval para finalizar a festa ao som de Manu Chao.

O POVO - Este engajamento foi natural ou quando o Mano Negra se formou você já tinha idéia de seguir este caminho de ativismo em causas políticas e sociais?
Manu Chao - A coisa política e social é uma coisa paralela. Você não monta uma banda para fazer uma coisa social, você monta uma banda porque você gosta da música, sua principal paixão é a música. A coisa do Mano Negra era totalmente musical. Paralelamente, havia uma coisa social onde a música ajudou muito. A música dá mais poder pra fazer coisas sociais, então você utiliza isso. Alguns utilizam isso, outros não. Eu considero que é uma grande responsabilidade utilizar o microfone para isso. Outros artistas consideram que não. Eu os respeito. Eu não considero que é uma obrigação. Um artista é um artista. O artista tem que ser livre, gosta de liberdade. Cada artista pensa diferente.

OP - Quem hoje faz um trabalho que você admira?
Manu Chao -Tem muitos. Aqui no Brasil tem muitas bandas que estão trabalhando e que fazem trabalhos com a periferia. Uma banda como AfroReggae, que estou gravando com eles, que tem um bom trabalho social. No México, também tem muitas bandas engajadas com os movimentos sociais, trabalhando com as populações das periferias. Acho que esta consciência está cada dia maior também entre os músicos das bandas. Muitas bandas de hip hop também. Na França, por exemplo, fazem o trabalho de alertar também. Muito do que está acontecendo nas periferias, a violência, os artistas de hip hop franceses já vinham avisando dessa ebulição há 10 anos e os governos não estavam escutando. Esta gente estava avisando: tem que fazer algo se não vai ter violência! O governo tomou isso apenas como um movimento musical, mas era um aviso político também.

OP - Quando você passou a ter contato com os movimentos sociais e políticos da América Latina, você encontrou antigos amigos de seus pais do exílio?
Manu Chao -Também, alguns. Eu entrei em contato maior com as gerações mais novas. Mas também alguns velhos amigos de meu pai vieram me procurar lá no Chile. Uns dizem: ah, eu conheci você em Paris, você era assim pequenininho (risos).

OP -São pessoas que inspiraram estes movimentos com os quais você travou contato?
Manu Chao -Claro, claro! Principalmente os intelectuais. Eu conheci o Gabriel García Marques, que também viveu em Paris, e ele me falou: eu conheci você na casa de teu pai. Na época, ainda havia ditadura, ele estava casado com uma grande amiga de minha mãe, e morando em Paris com a turma dos latinos, as pessoas de fora, os ativistas...

OP -Você falou que, no começo a questão política não era uma coisa pensada, que foi acontecendo de maneira natural, paralelamente ao trabalho musical. Hoje, como você define tua motivação na questão artística e na questão política? É uma coisa deliberada, pensada, de usar a arte, a música, para fazer dela uma atitude política?
Manu Chao -Tento pensar o menos possível. Tento atuar cada dia por vez. Cada dia você tem oportunidade de fazer música e de fazer coisas sociais, ou ajudar quando pode ajudar. A minha maneira de funcionar é assim. Acho que cada vez mais a situação é de trabalhar o momento. Se eu posso fazer algo agora, vou fazer. Se posso fazer algo e não vou fazer, chega a noite e o exame de consciência é um pouco ruim. Se você não tem oportunidade, você vai fazer o que é possível. Para mim, cada vez mais é uma questão de dia-a-dia. Não são coisas assim... preparadas. Você conhece pessoas dos movimentos, de várias partes do mundo e você vai trabalhando. Tenho feito trabalhos com músicos de rua em Barcelona, com um asilo psiquiátrico em Buenos Aires. Fiz recentemente um show em um estádio para 20 mil pessoas que rendeu um bom dinheiro para o asilo. Tenho trabalhado também com uma associação de jornais de rua de Córdoba (Argentina). Importante mesmo é fazer coisas pontuais que funcionam e você pode ver os resultados. Quando você faz coisas maiores, tipo shows para milhões de pessoas, é muito mais difícil ver a conseqüência disso, se foi positivo ou negativo. Mas se você trabalha mais pontualmente, com coisas locais, é mais fácil ver se o resultado foi melhor, se foi ruim, você pode afinar, aprimorar... Dá pra entender meu portunhol? (risos)

OP -Falando em portunhol, você canta em diversos idiomas - francês, espanhol, inglês, português... Você se sente um cidadão do mundo já que está sempre viajando? Você canta em várias línguas, como é tua relação com isso?
Manu Chao -Acho que é uma questão de morar no lugar. Eu aprendo a língua morando num lugar. Espanhol e francês eu aprendi em casa, depois foi o inglês que eu aprendi um pouco na escola, mas não falava inglês. Depois do Mano Negra, viajando pelo Japão, Alemanha... aí tinha que falar inglês. Aprendi a falar inglês com os jornalistas (risos) Meus professores de inglês foram os jornalistas do norte da Europa, dos Estados Unidos, da Inglaterra... O português foi aqui no Brasil. Morei bastante tempo no Rio de Janeiro. É muito difícil morar no Rio se você não entende o português; é fácil de cair nas brincadeiras. Você tem que saber se defender. Você está numa favela, você tem que saber falar português para ter uma arma para se defender das brincadeiras. Tive que aprender rapidinho, senão todas as piadas são para você (risos). As pessoas todas riam das brincadeiras e eu queria saber do que estavam rindo.

OP -Como é seu processo de criação, de composição? Você escreve a música na língua do país que você está?
Manu Chao -É o lugar que decide. Não tem técnica. A inspiração chega a qualquer momento, você não decide. É evidente que você está morando num lugar, o ambiente que está a seu redor vai te inspirar. Se eu estou aqui em Fortaleza, ou no Rio, é mais fácil escrever em português, ou portunhol. A canção pode nascer de uma piada, de uma coisa que aconteceu, e você vai escrever sobre aquilo. Mas não tem lei, regra. Não saberia explicar isso. É o momento. Você pode escrever uma canção em três semanas, e pode num dia escrever três músicas. A única coisa importante é estar preparado. A inspiração é coisa da casualidade, você não vai decidir: hoje vou escrever uma canção. Mas se a inspiração está presente, você tem que ter uma caneta e um papel ali na hora. Se você deixa para três horas depois, já foi. Já passou. Vai tentar recordar, vai escrever uma palavra e não é o mesmo. Não vai ter o mesmo frescor. O meu trabalho é só estar preparado. Se chegar a inspiração, é escrever no momento. Se você está na cama, dormindo, e tem uma idéia, tem que levantar! Não pode deixar amanhecer para fazer. Tem que ter um papel e uma caneta ali, e um violão...

OP - E um gravadorzinho ali para registrar...
Manu Chao -A tecnologia vem me ajudando muito, de certa maneira. Desde o Clandestino, eu viajo com meu estúdio portátil. Essa foi a maneira também de eu trabalhar com a casualidade. Você tem uma melodia bonita, grava no momento. Porque se grava três dias depois não vai ser a mesma.

OP -Mudando um pouco de assunto, tem uma coisa que muda muito a vida dos homens que é a paternidade. Como a paternidade mexeu com você? O que ela significa para você?
Manu Chao -Acho que se a gente está nesta terra não é pra outra coisa, é para termos filhos. É nossa função natural. O resto é folclore. Estamos aqui para termos filhos, educar eles e irmos embora. É a função básica e natural da gente. Não temos outra função neste mundo. A natureza é esta. Acho que é a coisa mais importante da vida. É básico. Para mim é uma maravilha de cada dia ser pai. Estou muito contente. Espero ter muitos e muitos filhos. Por enquanto só tenho o Kirá.

OP -Você está trabalhando em algum CD, algum projeto especial?
Manu Chao -Estou gravando, gravando, gravando... De tanto gravar já tenho muitas canções novas. Agora estou tentando fazer pacotes. Tenho três pacotes quase acabados para mesclar. Tem um disco todo em portunhol. De tanta andança pelo Brasil, eu tenho um disco quase inteiro e eu gostaria de fazer um disco só em portunhol. Tem outro quase acabado que gostaria de mesclar agora no Brasil, em março, que segue a linha de Clandestino e Próxima Estación, com muitos tipos de linguagens diferentes. E tem outro que é todo de rumba. Eu moro agora em Barcelona e descobri outro tipo de música da periferia que é a rumba. O Madjid (o guitarrista Madjid Fahem, da Radio Bemba) e eu estamos sempre tocando nos botecos tocando rumba pras pessoas. Temos aprendido essa cultura da rumba, já escrevendo canções que estão rolando por Barcelona, já fazem parte do folclore da cidade. Então queremos gravar este disco, que vai se chamar O Pior da Rumba volume um (risos). Já tem o título...

OP -Qual seu hobby quando não está compondo, tocando ou em alguma atividade social? O que você gosta de fazer na hora do descanso, o que é o seu 'fazer nada'? É ler, escutar música, ver filme?
Manu Chao -É difícil. Fazer nada é uma coisa que eu não sei fazer (risos) Com o tempo, estou descobrindo que é muito bom. Por toda a minha vida, 'fazer nada' sempre era perder tempo. Agora tenho mudado meu pensamento. Fazer nada agora é uma coisa também bem importante! Mas ainda estou aprendendo. Agora estou começando a curtir 'não fazer nada', porque toda a minha vida foi sempre fazer coisas. Estar de férias para mim é uma coisa que eu não sei o que é. Também porque tive a sorte de a minha paixão ser o meu trabalho. É uma sorte impressionante. Muita gente não trabalha no que gosta, só sábado e domingo pode expressar-se na sua paixão. Mas se você tem a sorte de viver, de alimentar tua família de tua paixão, é uma sorte imensa da vida. Estou bem consciente disso! Então, quando você está trabalhando na sua paixão, o problema é que você esquece das férias, teu trabalho nunca está acabado. Então eu só faço trabalhar, trabalhar, trabalhar e tento não fazer nada. Acho que não consigo... Eu sempre considerei que dormir era perder tempo, agora não! (risos) Já mudei. Dormir é a coisa melhor do mundo! É o único e verdadeiro momento de liberdade.

OP -Como você lida com as alternativas de difusão da tua música? Hoje você tem Internet, milhões de novas possibilidades... Como você lida com o fato de saber que teu CD está sendo copiado, tem a questão da perda de direitos...
Manu Chao -Acho que, globalmente, a Internet é uma coisa bastante positiva. É fabuloso! É mais completa e magnífica enciclopédia da humanidade. É uma obra mestre. E depois, em nível musical e de intercâmbio, foi muito bom também porque a gente está conectado com todo o mundo. Antes, conectar com alguma pessoa da Austrália, do Brasil, da França, da Espanha, você precisava de telefone, de dinheiro, de correio, tudo era muito longe. Foi criada uma rede de contatos que é muito valiosa. Isso é o lado positivo. Mas também foi criada uma rede de controle que todo mundo está ultra controlado. Eu não tenho dúvida que qualquer serviço secreto pode entrar no meu mailing quando eles quiserem... como antes se podia escutar as ligações telefônicas. No mundo da música foi uma revolução.

OP -Uma revolução que caminha para o fim do suporte físico...
Manu Chao -É o fim do suporte. Acho que o CD está vivendo seus últimos momentos. Acho que a partir de agora a música vai ser uma coisa bem virtual. Os velhos ainda falam: ah, é bom ter o objeto. Foi o mesmo problema quando mudou do vinil para o CD. Agora está todo mundo acostumado ao CD. As pessoas da minha geração sempre gostam do suporte. Os meninos agora de 14, 15 anos não se importam com o suporte. É uma coisa da vida, da modernidade. Não quero falar se é bom ou se é ruim. Não quero entrar nesta polêmica. É o mundo que vai mudando! Nós sempre gostamos do suporte. Nós curtimos um livro, um vinil, um CD... Para a rapaziada de agora, não há nenhum problema. Sempre curtimos um som bom, agora não, os meninos estão todos no MP3. O som está assim pequeno. Para eles, não é um problema. A qualidade radiofônica baixou muito, a rapaziada toda está escutando MP3. Evidentemente, em nível de qualidade sonora, baixou muito. É a vida. O mundo vai caminhando e temos que caminhar com o mundo. Para os músicos, o problema econômico é que nenhum músico vai viver de vender CDs. Não quero analisar se é bom ou ruim, é uma realidade que você não vai poder mudar isso. É como quando morreram os dinossauros, tem que reciclar-se, evoluir. A vantagem do músico se comparado com as gravadoras é que as gravadoras só fazem CD, então elas vão morrer, vão acabar. O músico tem a vantagem que ninguém pode piratear o prazer de tocar ao vivo. Vai haver uma seleção natural entre os músicos: quem sabe se defender num palco, vai comer. Se não se sabe defender num palco, não se sabe se vai sobreviver. É uma seleção importante, porque vai haver uma revalorização do show. Isso sim é uma coisa que ninguém pode piratear.

OP -Mas desvaloriza o autor, aquele que compõe e não tem o dom do palco...
Manu Chao -O autor vai ter que ir cantar (risos). Esse é que o problema. Eu não falo que é bom ou ruim. É uma realidade. E depois controlar direitos editoriais e autorais. Vai ser muito difícil mudar isso, legislar sobre isso. Evidentemente eu sou autor, mas tenho a sorte de poder cantar. Se eu não soubesse cantar, estaria preocupado. Eu sei que poderei cantar minhas canções no palco. Evidentemente o autor, compositor e não é intérprete, vai ser difícil.

OP -Os próprios Beatles tiveram um momento da carreira que tiveram que deixar os palcos e só se dedicar à composição e à gravação...
Manu Chao -Era uma época contrária. Se vendia muito disco, era época da valorização disso. Acho que problema é a hipocrisia de toda a indústria fonográfica que está falando que a pirataria é o problema. Eu não analiso a coisa assim. É muito mais complexo. A indústria não está sofrendo com a pirataria, não é verdade. Não é uma guerra entre a indústria e a pirataria. É uma guerra entre duas indústrias. Uma é a indústria do CD, que está morrendo, e os mesmos estão criando outra indústria, que é a indústria de produzir aparatos para piratear música. A verdadeira guerra é essa. Aí o músico vai ficar mal amparado. Porque a indústria não é tonta. A indústria fonográfica começou a sofrer uma queda e então pensou: vamos seguir vivendo da música mas sem contratar músicos. Em vez de vender CD com música, que tem que contratar músicos, negociar com o empresário, não. Vamos vender só o aparato. E aí não tem empresário, não tem nada. Vão vender para a rapaziada o aparato para piratear os músicos. Qual é o grande negócio agora? Piratear, ouvir no IPod... o verdadeiro inimigo da indústria discográfica é o IPod, não são os meninos que estão pirateando. Então a grande hipocrisia é esta, entende? Na França, estão fazendo leis atacando os meninos que pirateiam na rede, levando à justiça. Os meninos são agredidos cada dia com publicidade, outdoors grandes por toda a cidade, para comprar o último IPod, onde você pode piratear cinco mil músicas em cinco minutos. E tem grandes anúncios por toda a cidade para levá-los a piratear. Então o verdadeiro problema está aí: não é uma guerra entre a indústria e os piratas, é uma guerra entre uma indústria e outra indústria. Uma indústria está comendo a outra para seguir trabalhando, fazendo muito dinheiro com a música sem músico. Direitos de autor se ferrou! A indústria está fazendo muito dinheiro com música ultimamente, não vendendo música mas vendendo aparatos para copiar música. O verdadeiro problema acho que é este. A indústria diz estar chorando, mas está chorando lágrimas de crocodilo. Acho que nós músicos temos que levar à justiça as fábricas que fazem o IPod e toda esta tecnologia que incitam a juventude a piratear. Estas fábricas não querem pagar nenhum direito autoral nem nada. Eles teriam que pagar um imposto para isso. Se eu vendo máquina para a rapaziada copiar, uma parte deste dinheiro tem que ir para os músicos. Mas a indústria não quer fazer nada. São intocáveis! Foi o problema da França quando o governo francês, ou europeu, tentou legalizar o que você vai pagar certa grana para o estado para ser dividido com os músicos. Mas eles não querem, dizem que não. O problema está aí.

OP -E a tecnologia vai evoluindo...
Manu Chao -Você com um celular pode fazer tudo. Você pode fazer uma gravação, fotos... Hoje é de baixa qualidade. Mas daqui a pouco será de alta qualidade, são só cinco anos mais. Em 10 anos, todo mundo vai ter um telefone para gravar, para filmar... e não em baixa qualidade, e sim em alta qualidade. Penso, é.

OP -Como é tua relação com os músicos brasileiros? Você tem colaborado, composto junto?
Manu Chao -Sim, sim. Há algum tempo colaborei com Skank, agora estive colaborando com os Paralamas. No Rio, sempre morei na casa do Bi (Bi Ribeiro, baixista dos Paralamas), que é um grande amigo. Colaborei com Yuka, trabalhei também com pequenos produtores, com o Kassin. Aqui em Fortaleza com o Fernando (Catatau, da banda Cidadão Instigado), conheci faz muito tempo. E vou rolando por aí. Com o AfroReggae, colaborei também. Outro dia fui a São Paulo e colaborei com Raí, o jogador de futebol, para sua associação. Outros músicos estão colaborando também. Com Seu Jorge, que lá na Europa tá indo muito bem. Com bandas de forró que ninguém conhece.

OP -É verdade que você anda tocando coisas de Luiz Gonzaga nas rodas de violão?
Manu Chao -Toco algumas coisas sim. Meu filho é cearense, tenho que saber alguma coisa de Luiz Gonzaga, não é verdade? É curioso como uma canção como Asa Branca, que aqui é um hino, emocione em qualquer parte do mundo. Os músicos da minha banda não sabem da realidade daqui. Tenho cantado ela nos botecos em Barcelona. Todos os músicos estão totalmente apaixonados por esta canção. Eles pedem para eu cantar de novo. A canção é um monumento, porque em qualquer lugar, as pessoas podem não entender a letra, mas ficam emocionados pela canção em si. É uma boa canção. É universal. Aqui é um hino, uma coisa do coração. Pra gente de fora, curiosamente também. Tenho mais medo de cantar esta canção aqui.

OP -Você pensa em gravá-la?
Manu Chao -Não, por respeito. Não precisa de outra versão de Asa Branca. É preciso sim cantar nos botecos esta canção sempre. Pode ser, um dia, ao vivo. De estúdio, não vejo a necessidade. Versões gravadas já tem muito. Recentemente fiz um trabalho de produção de uns músicos do Mali (país da África ocidental, subsaariana). É uma cultura bastante rica. Asa Branca tem sua versão no Mali, a realidade do povo é bastante parecida com o sertão daqui. É esperar a chuva, a terra é seca, é uma realidade dura.

OP -O quê você anda lendo agora?
Manu Chao -Estou lendo o último livro do Eduardo Galeano, que para mim sempre foi uma referência muito importante. Estive com ele agora no Uruguai e ele me presenteou com um livro autografado. Tenho muito orgulho porque ele escreveu um conto há coisa de três, quatro anos, com uma história de minha mãe. É um conto sobre a guerra civil na Espanha e os refugiados na França. Foi uma época bem dura. Contei esta história para ele, ele gostou e fez o conto. Minha mãe saiu do País Basco com quatro anos. Com o franquismo, ela teve que abandonar a casa. Dez anos atrás, fui em turnê pelo País Basco e a levei comigo. Fomos a Bilbao e ela falou que ia tentar achar a casa onde morou quando era pequena. Andou pela cidade, pesquisou e chegou em frente a uma casa e pensou: acho que é aqui. Bateu na porta. Abriu a porta uma senhora muito alta: "ah, você é da família Ortega. Eu guardei a casa como eles deixaram." E minha mãe entrou na casa e estava tudo lá, a mobília, a louça, tudo no mesmo canto. Minha mãe ficou muito emocionada. Está no último livro de contos de Galeano.

OP - Tem um monte de coisa que a gente queria conversar, mas aproveitando que tem esta meninada aí (o filho de Manu Chao e amigos), ficamos curiosos com relação a tua infância. Como foi a tua infância? Que tipo de brincadeira você gostava? Já tocava algum instrumento?
Manu Chao - A infância, eu não recordo bem. Parece que foi em outra vida (risos) Mas foi tranqüila. Tinha família unida, então é importante. Muitos amigos meus viviam em famílias desunidas, era uma coisa mais difícil. Eu, meu pai, minha mãe, sempre foi tranqüilo... um irmão. Família pequenina, mas foi boa. Ficava no bairro, curtindo com os meninos.

OP -A infância foi toda em Paris?
Manu Chao - Na periferia de Paris... Foi bicicleta, bicicleta, bicicleta... (risos). Foi mudando com os meios de locomoção. Houve uma época de ficar com os pais. A primeira emancipação foi a bicicleta. A segunda, maior, já foi a moto. Depois fui embora... As duas etapas mais importantes foram da bicicleta e da moto. Com a bicicleta já dava para andar pelo bairro, fazer brincadeiras boas ou nem tanto. A moto já dava chegar até Paris e muito mais longe.

OP - Quando a moto apareceu?
Manu Chao - Com 13 anos, já tinha permissão. Todo mundo do bairro tinha uma. Meu irmão era muito bom mecânico, arrumava as motos. O primeiro dos meus mecânicos foi meu irmão.

OP - Com que idade você começou a mexer com música, tocar violão?
Manu Chao - Catorze, quinze anos. Comecei pelo baixo. Foi meu primeiro instrumento. Foi o primeiro que comprei. Era mais baratinho. Mais fácil pra mim, quatro cordas... (risos)

OP -Mas era um grupo de amigos que se juntou para tocar?
Manu Chao -Não. Tocava sozinho. Já escutava um pouco de música. Depois na padaria do lugar eu vi um anúncio de uma banda que precisava de um baixo. E aí realmente me conectei com os malandros do bairro, porque era uma gente de um bairro muito periférico e duro, e entrei neste mundo.

OP -Já era punk? Tinha alguma coisa do movimento punk?
Manu Chao -Na época não. Os malandros do bairro não entendiam a coisa do punk. Pra eles, punk era uma coisa classe média. Eles brigavam contra os punks. Os malandros do bairro levavam a gente pra Paris para brigar com os punks. Depois escutando os discos, conhecendo gente punk, entendi que era a mesma coisa. Eu trouxe o primeiro disco de punk para o meu bairro, arriscando minha vida (risos). Não era brincadeira! Os grandões podiam vir na porrada...

OP -Já foi um disco do Clash?
Manu Chao -O primeiro disco que eu realmente descobri o punk foi com Stiff Little Fingers (principal banda irlandesa do movimento punk). Foi a primeira banda que impactou. Um dia de bobeira em Paris, andando pela cidade sem ter muito o que fazer, vi o anúncio de um show na porta de um clube, Stiff Little Fingers, entrei, vi que era punk. Assisti o show e fiquei muito impressionado. Foi meu primeiro concerto punk... entendi que era a mesma energia. E pouco a pouco o punk entrou no bairro.

OP -Você acredita que hoje as crianças e os jovens, principalmente os filhos de imigrantes como você, que moram nos bairros da periferia de Paris, no bairro que você cresceu, têm as mesmas condições de brincar, fazer as descobertas que você teve em seu tempo? Ou os conflitos raciais, a violência de hoje, mudaram muito o perfil desta juventude?
Manu Chao -Eu sou um cara que teve sorte no bairro, entende? Quando vou hoje ao bairro que morei, eu trato com os filhos dos malandros da minha época. Eles são a galera de agora, a gangue... É a mesma situação de 20 e tantos anos atrás. Eles estão por aí, sem nada o que fazer, nenhuma oportunidade ou pouco lugar para encontrar-se. O único lugar de certo asilo político e cultural que tem no bairro é o posto de gasolina, entende? Era o único lugar para encontrar as pessoas há 20 anos e agora é o mesmo. O bar fica aberto só até oito, nove da noite, depois fecha. Você vai estar no bar todo dia, sem dinheiro para consumir, e sempre briga com o dono do bar... As possibilidades de fazer algo de futuro para sua vida não existe. A única coisa é tentar sair dali. É a obsessão das pessoas, tentar ir embora dali. É assim... Depois entrou a droga... A metade da minha geração está enterrada e a outra metade deles está por aí, não sei por onde. Então... é assim, não tem futuro. A situação agora ainda é a mesma, aliás, pior, porque é mais difícil encontrar trabalho. Na minha época ainda era possível encontrar qualquer trabalho pequeno de mensageiro de moto, de empacotador, agora até isso é mais difícil. Hoje os meninos não querem este trabalho. E são trabalhos para um mês, dois meses. Naquele tempo você trabalhava um pouco e quando já tinha um pouco de grana, deixava o trabalho e ia fazer música, e você sabia que cinco ou seis meses depois você podia encontrar outro trabalho. Agora a situação é pior. E não é só na França, o problema é mundial. Não é um problema francês, é um problema dos jovens que crescem na periferia. É o mesmo de qualquer parte do mundo, em qualquer lugar que eu vou é o mesmo! Os meninos estão com muita raiva. Com razão ou sem razão, entende? Tem discriminação na França, é verdade, mas tem muito mais discriminação em outros países. Tem mais discriminação na Argélia, no Senegal, onde a polícia é muito mais dura!

OP -Não há uma válvula de escape...
Manu Chao -O trabalho é tentar canalizar esta raiva em algo positivo. Alguns têm conseguido, não? Eu consegui isso. Eu quando vejo o mundo, minha primeira impressão é de raiva. Eu tenho a sorte de ter conseguido alguma coisa para transformar essa raiva em algo positivo. O problema é esse: como fazer que toda esta juventude consiga transformar esta raiva que é natural, é normal... porque o mundo da forma que funciona dá raiva sim, não pode dar outra coisa. Como canalizar esta raiva em algo positivo? Esta é a grande pergunta. Acho que não é queimando carros do teu próprio bairro. Isso causa uma grande confusão. As pessoas do bairro entendem que estão queimando os carros dos próprios pais e eles brigam entre si...

OP -Em que momento você começou a ter esta consciência política? Você consegue identificar o momento em que parou para pensar que precisava fazer alguma coisa para mudar esta situação?
Manu Chao -Uma fronteira assim eu não recordo. Acho que pouco a pouco você vai se conscientizando da realidade do mundo... é um problema de consciência pessoal. Você passa a ter uma lucidez de como as coisas não funcionam bem no mundo.

OP -Até onde esta sua consciência vem de sua formação com seus pais? Na família, vocês discutiam estas questões políticas e sociais?
Manu Chao -A minha casa tem uma tradição de ativismo. Meu pai foi ativista anti-franquista bem famoso. Éramos exilados na França. Ele era jornalista de um jornal chamado Triunfo, era um jornal anti-franquista. Foi também quando chegou a época das ditaduras aqui do Brasil, da Argentina, do Uruguai, do Chile... então, tinha muita gente exilada na França. A cada domingo na casa de meus pais havia visita de muitos ativistas, organizando-se. Eu não tinha muita consciência de tudo, mas estava lá cheirando este ambiente, evidentemente. Os amigos de meus pais me incentivavam, falavam de coisas sérias, brigavam...

OP -Como você começou a sentir este interesse pelas culturas de outros povos?
Manu Chao -Acho que viajando. Você vê a realidade mais crua, de como o mundo está ruim, quando você viaja. Porque a França, tem seus problemas locais, de periferia, evidentemente. Mas quando chega na América Latina você já vê uma desproporção de coisas que é tão forte... Aí você não pode olhar de lado, né, você tem que encarar a miséria e seguir em frente.

OP -Qual foi a primeira viagem para fora da França que te marcou? Na Europa mesmo, na África ou América Latina?
Manu Chao -A primeira vez que saí da Europa foi para América Latina. Foi uma oportunidade de viajar com o Mano Negra, em 1989. Meu primeiro desembarque na América Latina foi no Peru, em Lima. Saí do aeroporto e vi 20 quilômetros de favela... Foi marcante porque saí da Europa e descobri uma realidade que na Europa não existe. Aqui é bem diferente!

OP -Em 89, vocês percorreram quais países?
Manu Chao -Foi só Peru e Equador.

OP -Já neste momento você começou a tomar contato com os movimentos sociais da América Latina ou só mais à frente?
Manu Chao -Foi diretamente. Nessa época, quando saímos para a América Latina já tínhamos com o Mano Negra uma certa consciência social. Já vínhamos engajados em coisas importantes na França desde 84, 85, 86... Já havia toda a consciência dos problemas da periferia que se cristalizou muito na luta contra os movimentos fascistas, os skinheads, que eram um problema em Paris. Muitas galeras se uniram para enfrentar este problema dos neofascistas. A primeira consciência social, acho que foi isso, de unir as galeras. Você faz punk, você faz reggae, você faz chá-chá-chá, temos que ficar todos unidos contra esta gente que é racista, que é xenófoba, que vinha para atrapalhar todos os shows, impor uma lei que ninguém queria.

OP -Como surgiu o Mano Negra? Como foi a formação do grupo?
Manu Chao -Surgiu primeiro comigo e um cara que tocava contrabaixo numa outra banda minha da época chamada Los Carayos, uma banda de country-punk... A gente gostava de misturar country com hip hop e depois pensamos em buscar músicos para montar o Mano Negra. Era difícil porque todos os músicos estavam muito especializados em um estilo musical. E a minha idéia para o Mano Negra era misturar todos os estilos musicais porque eu gostava de vários. Na verdade, eu gosto de todos, mas para poder fazer todos eu teria que estar tocando em quatro bandas (risos)... uma de punk, uma de reggae... porque estava tudo compartimentado, entende? Isso não era possível. Decidi montar uma banda onde podíamos misturar tudo. Então eu tinha que encontrar músicos que sabiam misturar tudo. Esses músicos estavam no metrô de Paris. Encontrei com uma galera que aceitou entrar no Mano Negra no metrô porque para tocar no metrô tem que saber tocar de tudo. Aí foi o encontro. O Mano Negra, a formação que todos conheceram, nasceu no metrô de Paris, os primeiros ensaios...

OP -Deste início com os músicos do metrô até o primeiro disco, o primeiro contrato com uma multinacional, como foi a trajetória?
Manu Chao -O primeiro contrato foi com uma independente. Outro violonista e acordeonista dos Carayos, o François, que montou uma pequena gravadora independente que fez o primeiro disco do Mano Negra. A sorte foi que este disco saiu e imediatamente pegou forte. Chegou a disco de ouro, o que para uma companhia independente era algo bastante raro. A partir daí, foi tudo mais fácil para depois negociar com outras companhias. A gente não precisava chegar para eles e pedir: 'por favor, queremos gravar'. Eram eles que chegavam assim. Então, a relação de forças era diferente e foi bastante favorável pra gente. Podemos nós mesmos escrever o contrato, com ajuda de um advogado, e procurar quem gostaria de assinar conosco nestes termos, seja multinacional ou independente. Chegamos: 'nós queremos firmar este contrato, quem quer?'

OP -Que razões levaram o Mano Negra a se separar?
Manu Chao -No momento era difícil encontrar razões. Todo mundo estava meio brigado. Acho que era saturação. Foram seis, sete anos de uma vida tão intensa. Nunca parar em casa, estar sempre na estrada. Para alguns não era problema, eu gostava. Já outros tinham família. Você ter uma criança e não vê-la crescer era difícil. Acho que são coisas da vida. Uma banda é uma energia e uma energia não é pra toda a vida. Quando você entra numa banda, quando você é adolescente, você pensa que a vida é assim pra sempre. A vida não é assim. A qualquer momento cada um segue seu caminhoà A força do Mano Negra era oito, nove ou dez pessoas onde todos queriam ir na mesma direção e isso era bom. Com o tempo, as direções mudaram. Um queria ir para um lado, outro para outro, e assim foram criando-se as tensões. Custou muito a entender isso, depois, com o tempo, todo mundo entendeu que era isso. Agora vai sair um DVD do Mano Negra, outros integrantes estão cuidando disso e estamos nos vendo, todo mundo está curtindo ver uns aos outros. Na época, foi um pouco difícil porque ninguém entendia porque não já funcionava mais. Foi um pouco doloroso o final... é a vida!

OP -Qual é a melhor lembrança da Cargo 92, quando fizeram uma turnê de navio, se apresentaram por várias cidades da América Latina?
Manu Chao -São tantas lembranças boas, é difícil escolher qual é a melhor. A primeira visão do Brasil foi chegar com o navio na Praça Mauá, no Rio de Janeiro. Hoje, a Praça Mauá mudou muito. Na época, era um lugar bem interessante. Aproveitamos pra ir a São Paulo, Porto Alegre, Fortaleza, fomos à Bahia... foi assim a primeira oportunidade. Depois foi voltar e voltar.

OP -Da sua primeira vinda ao Brasil para agora, que avaliação você faz das mudanças do país nestes 13 anos?
Manu Chao -É difícil falar assim de fora... Uma mudança radical assim não tem. Os problemas são mais ou menos os mesmos. Acho que melhorou um pouco, mas eu não vivo aqui, entende? É muito fácil opinar vendo de fora. Coisas melhoraram. Vejo mais gente consciente sobre as coisas da ecologia, da diferença de poder aquisitivo. Acho eu que as pessoas estão mais conscientes disso.

OP -Como se deu sua aproximação com o Movimento dos Sem Terra (MST)?
Manu Chao -Os primeiros contatos foram em 1992. Imediatamente chegaram onde estávamos no Rio, viajando, os contatos foram feitos naturalmente. Havia chegado a eles que nós éramos uma banda bastante ativista. Na América Latina não foi complicado contatar com estas pessoas porque não precisamos ir procurá-los. Todos eles vinham ao show a propor coisas. Era bastante interessante porque qualquer apresentação era um encontro com muita gente que vinham propor um projeto, explicar o que era isso, aquilo. Não tivemos que pesquisar para ir buscá-los. As pessoas já sabiam que nós estávamos prontos para escutar, para falar e organizar as coisas.

OP -Com os Chiapas, o encontro aconteceu da mesma forma?
Manu Chao -O primeiro encontro com os Chiapas na Colômbia foi bastante marcante. Eu não sabia nada desse movimento. Eu não tinha nenhuma consciência do que se passava nos Chiapas. Sinceramente nem conhecia o que era Chiapas. Nós rapidamente pesquisamos um pouco, sabendo um pouco deles. Até porque nem toda guerrilha é boa. Tem gente que fala que toda guerrilha é boa. Eu não penso assim. Tem de tudo. Eu nunca tive simpatia pelo Sendero Luminoso, no Peru. Eles são um problema para os nativos tanto quanto os para-militares. Os nativos estavam no meio do fogo cruzado sem saber quem era pior, o Sendero Luminoso ou os para-militares. Acho que não foi uma boa coisa, entende? Guerrilha não é um palavra mágica que diz que é tudo bom, o mundo é muito mais complicado que isso. Já com os Chiapas, agora já são mais de 15 anos que os conheço. Eu estou mais que totalmente convencido de que a coisa é justa. Eu sigo apoiando totalmente a causa do movimento. Até agora, eles não me decepcionaram. O que é difícil, porque todos os movimentos muitas vezes acabam decepcionando a gente. Eu ainda estou totalmente com eles.

OP -Você esteve lá com eles, conheceu a região?
Manu Chao -Sim. Tivemos a oportunidade de fazer shows nas comunidades, conhecer os comandantes e poder colaborar com muitas coisas.

OP -Como se dá nestes países que você visita a tua relação com as forças oficiais, a polícia? Há algum tipo de patrulhamento, de acompanhamento?
Manu Chao -Há sim, dependendo dos lugares... Quando organizamos esta turnê de trem pela Colômbia, que foi viajar pelo interior do país, estávamos fora do controle do estado, entende? Era um pouco complicado. A questão era ir de lugar em lugar negociar a segurança do trem. Então você tinha que negociar com guerrilha, com para-militares, negociar com toda esta gente. Era muito complicado desfazer-se do estado, porque o exército colombiano queria entrar nestes lugares com o trem da gente. A gente tinha que dizer: não, vocês não podem subir neste trem. Porque poderia resultar em muita violência. Então, foi muito complicado explicar ao estado colombiano que o exército deles não era uma segurança para a gente, era sim um problema. Se entrássemos com os soldados naquelas regiões, teria bala para todos os lados. Tinha que explicar com uma certa diplomacia. Afinal se conseguiu, entramos no interior sem nenhuma segurança do estado. A gente do interior não gostava de ter nada do estado, nenhuma grana do estado, nada... então tudo era fornecido por nós. Lá as pessoas do interior tinham um princípio, eles perguntavam: 'quem manda você pra cá? O estado?' Não éramos bem vindos a princípio. Sempre havia uma hora ou duas de tensão, depois entendiam que não havia grana do estado. Viam que a gente estava com problemas para arrumar o espetáculo, em seguida o povo vinha ajudar. Não era fácil não!

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