[an error occurred while processing this directive] Natal usurpado | Opinião | O POVO Online
ESPIRITUALIDADE 22/12/2016

Natal usurpado

Na Alemanha nazista cantava-se "Dorme em paz, ó Jesus" com o mesmo fervor das nossas ditaduras militares
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Confesso: tenho uma árvore de Natal na sala de estar, sintética, made in China. Participo de “amigo secreto” e de confraternizações de fim de ano. Já comprei até “panettone”. Conferi, com toda a família, o “Natal de Luz” e o “Natal na Praça”, com corais e bandas. Na minha sentimentalidade sincrética e inconsequente cabem tanto o “Menino Jesus” das igrejas quanto o “Papai Noel” dos shoppings, pois consigo me comover com as crianças que se aproximam, crédulas, de um e de outro. Vou à missa na comunidade e canto “Noite Feliz”. Dou e recebo presentes. Nado com a corrente. Reproduzo, ano após ano, o folclore pequeno-burguês dos filisteus.

 

Mas consigo ainda ouvir a dissonância entre “Glória a Deus nas alturas e paz na Terra”, por um lado, e os atentados terroristas, o bombardeio de Aleppo, os milhões em campos de refugiados, os afogados do Mar Mediterrâneo e o apartheid social nas metrópoles brasileiras, por outro. Aprendi, relutante, da História que os ritos religiosos e cívicos mais belos sempre conviveram tranquilamente com guerras e torturas, com indiferença, ódio e exclusão. O nosso olhar, enternecido e banhado em lágrimas face ao presépio, endurece logo que encontrarmos, fora do templo, os primeiro pedintes maltrapilhos a nos “aperrear”. No fundo, desejamos que não estivessem ali... Todo esse clima de “bondade natalina” não nos transforma, de verdade, em pessoas melhores. Na Alemanha nazista cantava-se “Dorme em paz, ó Jesus” com o mesmo fervor que durante as nossas ditaduras militares. Pinochet foi “bom” católico, pois sim.


Meu desconforto cresce ao me reencontrar com a “sagrada” família de retirantes que outras famílias, bem instaladas ao redor de mesas fartas, não receberam em suas casas, abandonando-a à estrebaria, e sou fulminado pelo clarão: nós que dormimos tranquilos, somos usurpadores do Natal! Consumimos uma harmonia e paz ilusória, produzida pela indústria cultural para nos anestesiar! Os destinatários originais da “grande luz” são “os que vivem nas trevas”! Natividade não é sequer uma festa “cristã” nem se celebra apropriadamente em igrejas e mansões! A Estrela de Belém visita antes o povo da rua, que – feito Jesus – não tem onde reclinar a cabeça, ilumina os barracos na periferia, consola os sem-família, os desterrados. Papa Francisco que o diga!


Já decidi: vou sair de casa, sentar na calçada, fazer uma fogueira e esperar que venham...

 

Carlo Tursi

tursicarlo@gmail.com

Professor teólogo

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