Continua a ser gente comum, imersa em rotinas banais: ir a padaria, cumprimentar os vizinhos, ler o jornal. Pessoas que encontramos todos os dias (ou que estão em nós), simpáticas até, mas capazes de gestos extremos contra o outro, de ódios profundos, potentes de violência no cotidiano. É o taxista que, ao ver um adesivo do candidato do “beijo gay”, ofende e ameaça os do outro carro, acelera para ficar ao lado e dizer insultos, mesmo não enxergando pelos vidros fumê quem está dentro. É a turma de jovens amigos que, “sem saber que eram pai e filho”, espancam dois homens por estarem abraçados em local público. É o médico capaz de dizer que “nordestinos devem ser exterminados”, o religioso que prega a expulsão do pai de santo da comunidade ou o incêndio a terreiros de umbanda. Ou ainda a senhora muito perfumada que tem medo de pobre, chama “bolsa vagabundo” a programas sociais, e não parece saber que o país estrangeiro tão elogiado, para manter seus índices invejados de “civilidade”, oferece subsídios sociais ainda mais altos para desempregados, famílias numerosas, estudantes, doentes sem recursos.
A questão é que essa onda de ideias e ações violentas “contra o meu outro” atinge a qualquer um, sem fronteiras, nem previsibilidade no seu alcance. Não é preciso ser homossexual, nordestino, ter religião, receber Bolsa Família ou qualquer outro requisito para, em potência, ser agredido moral e fisicamente, sofrer coação ou perder direitos em um quadro de avanço do autoritarismo reacionário. No caso do Brasil, o corte de classe está bem marcado, como sempre esteve, mas o cenário tem variáveis complexas, desde o atraso nos processos de laicidade, passando por arraigadas práticas de exclusão por gênero, cor, etnia, à dificuldade conceitual das elites com o tema direitos humanos. Mais poderia-se acrescentar a esse caldo, como a naturalização (para não dizer banalização) da violência de Estado.
Também por isso, o debate eleitoral não é o início, nem o fim da cena, mas está inegavelmente imerso nessas tensões. Resulta desse processo ao mesmo tempo que repercute em tais avanços e retrocessos possíveis. Mas a questão é maior e, como os exemplos recentes alertam (do Irã à Israel, da Alemanha Nazi à Ruanda), um quadro de pluralismo e alteridade pode se reverter em experiências de pensamento totalitário, de extermínio do que é considerado inferior, do diferente, sem prever onde isso termina. Para isso, nenhum super vilão é necessário, mas tão somente o patético homem comum, como já dito pela filósofa Hannah Arendt, defensor da norma, que não se percebe na sua desumanidade de cada dia.
Débora Dias
deboradm@gmail.comde Coimbra
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