O homem cordial, de Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, foi incorporado ao senso comum e mundo afora ganhou o status de conceito explicativo da “cultura brasileira”. É largamente utilizado, sobretudo por jornalistas e intelectuais. Mas é absurdamente mal compreendido.
Apesar de Sérgio Buarque de Holanda ter ganho a fama, como “criador” do conceito de Homem Cordial, a origem do termo saiu da pena de Ribeiro Couto, numa carta dirigida a Alfonso Reyes. A última referência ao conceito na mídia impressa, data de 13/2/14, como titulo do artigo do jornalista Clóvis Rossi, no Jornal Folha de São Paulo: “Não éramos cordiais?”. Diz ele que, “o nível impressionante de violência no cotidiano está cada vez mais próximo de uma barbárie intolerável”.
Rossi disseca a sociedade brasileira e encontra violência em todas as relações sociais, da saúde, passando pela educação, assaltos, tráfico de drogas, até o trânsito. A conclusão de seu artigo, como questiona o título, é que existe uma contradição entre as relações sociais serem a um só tempo “cordiais” e “violentas”. Um termo seria excludente do outro. Nada mais equívoco!
A palavra “cordial”, do latim cardiale, denota uma ação originada nos sentimentos, nos afetos, nas emoções. A raiz latina “cor” significa exatamente coração. O próprio Sérgio Buarque de Holanda, em nota, esclarece que “a inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração, procedem, assim, da esfera do íntimo, do familiar, do privado”.
Em verdade, tudo que consideramos serem “anti-virtudes” republicanas ou democráticas – nepotismo, corrupção, personalismo, patrimonialismo, violência - deitam raízes neste fundo emotivo transbordante que herdamos do nosso passado colonial de predomínio familiar. O autor de Raízes do Brasil empreende uma crítica a ideia de que o homemcordial signifique “bondade”, “boas maneiras” ou “civilidade”, como defendia Cassiano Ricardo.
O homem cordial é, portanto, fonte de nossos problemas de “adaptação social” aos valores modernos, inclusive de construção do cidadão e da cidadania entre nós. O fato é que, passado tanto tempo de urbanização e industrialização, continuamos apegados a uma cultura dos afetos e das emoções que nos impele à violência, expressa em estatísticas, mas resultantes das nossas relações sociais cimentadas pelas virtudes privadas. Se o “homem cordial” continua a caminhar pelas ruas asfaltadas da cidade - entre prédios de concreto e cerâmica, como justiceiros, milícias, seguranças privados, crime organizado e indivíduos armados - significa que o conflito entre Antígona e Creonte está ainda muito vivo entre nós, porém, em contraposição ao que supunha Sérgio Buarque de Holanda, um triunfo de Antígona (particular/família) sobre Creonte (universal/estado).
Élcio Batista
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