Fortaleza no tempo e no espaço
"Os discursos parecem buscar situar a cidade no tempo e no espaço"
Por ocasião dos seus 287 anos Fortaleza parece se constituir num bom exemplo para se investigar os modos como expectativas urbanas foram se configurando em modos recorrentes de expressão de anseios e de dúvidas quanto a sua condição urbana ao longo de sua história. Esse é o objeto de estudo do imaginário urbano. Ao falar-se em imaginário urbano busca-se delimitar aquele setor de estudos dedicados às maneiras como o espaço urbano foi sendo investido de expectativas e promessas em momentos específicos.
Até meados da década de 1940 era tido como dado o fato conhecidamente romanceado por José de Alencar no seu livro Iracema a respeito de ter sido Martim Soares Moreno o fundador de Fortaleza e consequentemente do Ceará. O primeiro cronista a contestar tal ato fundador foi Raimundo Girão, que na mesma década publica o livro Cidade de Fortaleza onde inicia a defesa da tese segundo a qual teria sido o holandês Matias Beck o verdadeiro fundador da cidade às margens do riacho Pajeú. Outros livros posteriores do mesmo cronista tratariam do mesmo assunto: Matias Beck – Fundador de Fortaleza, de 1961 e Cidade do Pajeú, de 1983.
Mas é na década de 1960 que os ânimos a respeito da polêmica ganham dimensões mais amplas envolvendo os nomes dos cronistas Raimundo Girão e Ismael Pordeus. Atrelado, respectivamente, aos “beckistas” e aos “morenistas” um conjunto de datas, acontecimentos e edificações foram se juntando para compor um quadro mental de expressão de expectativas sobre a condição urbana da Cidade.
A discussão a respeito da data de fundação de Fortaleza teria vários outros desdobramentos até iniciar a década de 1990, quando é proposta a instituição oficial de uma data no calendário municipal reservada ao aniversário da cidade.
Coube ao ex-vereador Idalmir Feitosa (PSDB) a criação do projeto de lei 7573 de 16 de junho de 1994 instituindo o 13 de abril de 1726 como data oficial de sua fundação.
Contudo, após descobertas arqueológicas por parte do historiador Adauto Leitão, em novembro de 2007 de vestígios da fortificação de São Tiago na Barra do Ceará, erguida no século XVII, um novo embate de ideias iria tomar conta num breve intervalo de tempo do noticiário dos jornais locais além de movimentar boa parte de especialistas e estudiosos da cidade de Fortaleza.
O novo projeto também de autoria do ex-vereador Idalmir Feitosa, assinado juntamente com o ex-presidente da Câmara, vereador Tin Gomes propunha a mudança da data de fixação de que trata a fundação de Fortaleza. Duas audiências públicas e uma sessão plenária na Câmara foram agendadas com o intuito de discutir as propostas para a cidade.
O certo é que é recorrente nos discursos de técnicos, cronistas, historiadores, políticos e representantes governamentais nos debates sobre a fundação de Fortaleza a busca pela construção de verdades acerca da condição urbana de Fortaleza. Os “regimes de verdades” acionados em cada ocasião mobilizam diversos recursos disponíveis a fim de organizar discursivamente o espaço urbano de Fortaleza. Os debates recentes sobre a origem de Fortaleza para além de se esgotarem nas possíveis provas contrárias ou favoráveis acerca da verdade de sua fundação parecem compor um aspecto de um quadro coletivo e mental duradouro de expressão daquilo que se espera que a cidade possa vir a ser.
Os discursos parecem buscar situar a cidade no tempo e no espaço conferindo-lhe qualidades originárias que a cada momento parecem colocadas à prova. É esperar para ver os próximos capítulos desse imaginário social que não cessa de ser alimentado a cada momento de nossa querida Cidade.
Wellington Maciel
wellsociologo@hotmail.com
Doutor em Sociologia
As informações são de responsabilidade do autor:
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