[an error occurred while processing this directive] O miraculoso acontece | Fortaleza 286 anos: Cidade da Delicadeza | O POVO Online
13/04/2012

O miraculoso acontece

O gentil motorista que cede a passagem ao pedestre é o mesmo que avança sinal vermelho e acelera o carro como quem xinga?
notícia 2 comentários
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Henrique Araújo henriquearaujo@opovo.com.br
Deivyson Teixeira
Beira Mar: raro caso onde lei é cumprida e pedestre vem antes do carro na faixa destinada a quem anda

 

Fossem brasileiros e, mais interessante ainda, moradores de Fortaleza, os britânicos Ringo, Lennon, Paul e George teriam evitado a todo custo o excesso de confiança ao atravessar uma rua na faixa de pedestres. E não é despropositado supor que, nessa realidade paralela, o trotar elegante dos garotos de Liverpool, congelado na foto clássica em frente ao estúdio Abbey Road, se transformasse numa desabalada carreira em direção ao outro lado da rua.


A lente teria então registrado não a mítica fila indiana, com cada integrante da banda regiamente separado um do outro, mas o desespero que se abate sobre quem, tendo ainda metade da distância até o outro lado, surpreende-se frente a frente com o monstruoso aglomerado de ferro e borracha quente prestes a atacar.


Descontado o absurdo da cena, a experiência de pedestre me permite afirmar que, ao menos na capital cearense, a relação entre condutores de veículos e transeuntes é essencialmente parecida à que se estabelece entre um guepardo faminto e um filhote de gnu perdido na savana. Um é a caça; o outro, o caçador. Na selva asfáltica, qualquer tentativa de alcançar a margem oposta de uma avenida envolve tantos riscos quanto o surfe metroviário ou o mergulho atabalhoado entre tubarões brancos.


E aqui chegamos ao ponto fundamental: a miraculosa exceção. Espécie de oásis da polidez automotiva e porção ilhada de civilidade, as faixas de pedestre que se estendem ao longo da avenida Beira Mar tendem a romper com o circuito predatório do trânsito (o paradigma “guepardo vs. gnu”). À primeira vista, causa espanto que, achando-se a menos de um metro da pista, carros e motocicletas de repente parem, um a um, aguardando até que o bípede indefeso abrace a calçada, pondo-se finalmente a salvo.


É fantástico que tal ocorra sem a intervenção repressiva dos agentes da prefeitura, apenas por sugestão íntima de uma insuspeita índole gentil do nobre motorista. Recomendo a experiência: vagarosamente, palmilhar a faixa, num deslocado ensaio da fotografia dos Beatles. No último fim de semana de março, por exemplo, velhinhos e velhinhas, adultos e crianças, sedentários e atletas: uma galeria diversa de pessoas ia e vinha, sempre na faixa. Como que por encantamento, os motoristas eram um poço de respeito.


Porém, o leitor vocacionado ao ceticismo talvez se pergunte: será que é isso mesmo? O condutor que avança o sinal vermelho e afunda o pé no acelerador como quem fulmina o síndico do prédio com um xingamento, esse mesmo neandertal motorizado exibe uma inatacável exemplaridade quando dirige à beira mar, no estacionamento do shopping ou outras zonas especiais?


Difícil acreditar. Todavia, não custa tentar entender o fenômeno. Imaginemos que, uma vez trafegando em área turística, o cearense ou aqui residente, seja porque deseje com ardor impressionar uma vendedora de acarajé mais graciosa, seja porque detecte algum tipo não catalogado de pressão social, permita vir à tona um genuíno sentimento de empatia.


Claro que digo isso com base no chutômetro. De qualquer maneira, talvez importe destacar o seguinte: naquele reduzido espaço, enquanto se locomove a baixa velocidade, o condutor descobre que já não vale o mesmo conjunto de regras aplicado no restante da cidade. Grosso modo, isso significa que: a geografia é carregada de valores; nem todas as faixas de pedestre são iguais.


A gentileza do ato é que, para o bem do distinto pedestre, produz os mesmos resultados.


TRÂNSITO E DELICADEZA


O trânsito de pessoas enfrenta constantemente o fluxo do engenho motorizado, expondo uma das fraturas urbanas mais inflamadas. Cotidiano borrado de fuligem, azucrinado por ronco turbinado, devastado por essa guerra de prioridades já há muito dada como perdida. O humano esquecido; o aparato de ferro prevalece. A cidade amolda-se ao vencedor. Nem sempre. Nesse palco que é Fortaleza, a atitude, espontânea ou automática, ciosa ou intuitiva, aponta para uma modalidade de convívio generoso, gentil, dual. Nessas horas, o trânsito é livre. Nesse tempo, nem que seja apenas fração, destaca-se o fundamental: é preciso respeitar.

espaço do leitor
lap top 13/04/2012 12:24
Junho passado fui de feri as a Fortaleza e fiqui indignado com a falta de educacao e respeito fui assaltado 2 vezes, meus dois amigos ameriacanos fiacarama arrazados de medo, tomoram nossos celulares, dinheiro documentos etc. Foi um sufoco para voltar para ca sa em BOston. No transito eh uma loucura
PQD 13/04/2012 09:31
Respeitar as faixas destinadas aos pedestres é um sinal de cidadania e respeito ao ser humano, além de mostrar a boa educação dos motoristas. Parabéns e que continuem cumprindo as Leis. O pedestre (que pode ser um motorista) AGRADECE.
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