[an error occurred while processing this directive] A força e a delicadeza das palavras | Fortaleza 286 anos: Cidade da Delicadeza | O POVO Online
13/04/2012

A força e a delicadeza das palavras

Rita, cidadã absolutamente comum, tenta convencer o desamor do amor. Com delicadeza, muda o mundo (de alguém)
notícia 0 comentários
{'grupo': ' ', 'id_autor': 16503, 'email': 'anamary@opovo.com.br', 'nome': 'Ana Mary'}
Ana Mary anamary@opovo.com.br
Fco Fontenele
Rita fez a opção por negar caminhos naturais e buscar a poética do existir

 

Rita de Cássia Rodrigues do Nascimento, 60, poderia ter escolhido a versão que a maioria, por comodidade ou descrença, escolhe da vida. Poderia viver apenas a vida que presta contas com o dia, a vida nos limites do trabalho e na criação dos seus, a vida traçada na agenda.

 

Rita, que cedo foi pobre e sempre inteligente, poderia não ter feito a escolha que faz ainda hoje. Aposentada do banco e separada do marido, poderia ter escolhido a si, depois de ter casado quatro das cinco filhas. Baixinha e uma só, poderia ter atrofiado a coragem. Mas Rita, que foi primeiro professora e gosta de ler e de aprender, prefere “a parte poética” das histórias.


Isso não quer dizer que ela esteja alheia à narrativa cotidiana - que soluça dores e violências, grita mortes e abandonos. Ao contrário: Rita mergulhou até a alma no poço dos meninos dependentes químicos e dos negados da aids. “Escolhi as pessoas mais sofridas”, identifica a possibilidade de reverter as palavras, os finais.


Há duas décadas, segue a filosofia Seicho No Ie, “do pensamento positivo, que diz que posso mudar o meu mundo”. Nos anos 90, poderia ter seguido do trabalho pra casa, a vida traçada na agenda. Mas desviou o olhar para crianças e jovens anulados pelas drogas. Foi do Centro ao São Miguel, do inferno à esperança.


Eram centenas de meninos que roubavam e matavam. Que eram órfãos de pai vivo e surrados profundamente pelas palavras da mãe. Que eram desamados. Rita e uma amiga de filosofia iam, voluntariamente, conversar com eles. “Pra você ver como não é difícil ajudar as pessoas”. Rita tenta convencer o desamor do amor.


Com as crianças e adolescentes desacreditados pelas próprias mães, teve de alfabetizar sentimentos. “Eles não sabiam o que era abraço”. E houve momentos de vacilar. Porque a palavra que Rita usa para mudar o mundo caía no abismo daqueles meninos aprisionados por crimes e culpas.


Meninos que não imaginavam nem mais Deus, “porque, quando a gente mata, tá na Bíblia que Deus não perdoa”, castigavam-se. Rita insistiu no amor, palavra forte, que tem por envergadura o perdão. E libertou alguns do passado, para que pudessem com o presente. “Tenho certeza de que amenizei a vida deles”, segue.


O próximo passo foi no corredor da aids do Hospital São José. Rita poderia ter continuado a vida que presta contas com o dia: tinha trabalho, dinheiro, namorado. “Mas me deu uma angústia”, tarde dessas, e ela foi oferecer palavras “de pensamento positivo” aos negados da aids. Ampliava-se voluntária no Grupo de Apoio Girassol.


Perdia o nojo de vômito e dispunha-se a trocar fraldas, dar comida na boca e banhar restos de homens e mulheres - retalhados pelas palavras de todos. Atravessou noites e solidões com eles. Os mais frágeis lhe ensinaram a dar massagem para adormecer a dor e a ouvir o coração.


Rita vivencia as palavras e conseguiu salvar mais um pela conversa. Para o rapaz de 30 anos, que se enforcava na depressão, trouxe Somos Todos Inocentes, de Zíbia Gasparetto. No plantão seguinte, “ele já estava de alta. Falou, todo empolgado, que tinha arranjado uma namorada e ia pra São Paulo, arranjar emprego!”.


Com delicadeza, Rita extrai a parte poética da vida severina. Com amor, se multiplica. Agora, deseja abraçar as mães dos jovens adictos. E assim mudar o mundo (de alguém). “Sou muito pouco para ajudar 100 meninos. Mas, no momento em que eu ajudar as mães a ajudar os filhos, vou poder ajudar muita gente”, segue, transpondo dicionários. “Amor não é teoria. É vivido, realizado”, significa.


DELICADEZA É...


No dicionário, a palavra delicadeza sinaliza brandura, doçura, cuidado... Vida afora, a palavra ganha mais entendimento quando se converte em sentimento e pode significar que alguém se importa – com um amigo, com um anônimo, com a natureza, com a cidade. Delicadeza é um substantivo com vontade de ser verbo. É uma palavra – da linhagem de amor, perdão, saudade - que foge ao dicionário para existir no abraço, nas mãos dadas, no sorriso, no “bom-dia, como vai?”, no “com licença, por favor”, ou mesmo no silêncio de um olhar que chora junto. Delicadeza é uma palavra – da linhagem de gentileza, solidariedade, compaixão – que nos torna melhores. E que nos faz importantes em um mundo que perde a brandura, a doçura, o cuidado.


espaço do leitor
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro a comentar esta notícia.
0
Comentários
500
As informações são de responsabilidade do autor:
  • Em Breve

    Ofertas incríveis para você

    Aguarde

Erro ao renderizar o portlet: Caixa Jornal De Hoje

Erro: maximum recursion depth exceeded while calling a Python object

ACOMPANHE O POVO NAS REDES SOCIAIS

Erro ao renderizar o portlet: Barra Sites do Grupo

Erro: <urlopen error [Errno 110] Tempo esgotado para conexão>