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TODO DIA 9 DE CADA MÊS, UMA PROCISSÃO SE FAZ EM AURORA, NO CARIRI. É O DIA DA MORTE DE UMA MENINA E O SURGIMENTO DA MÁRTIR FRANCISCA
Valei-me Mártir Francisca em todos os momentos de minha vida e, principalmente, nesta hora de aflição. Valei-me, Mártir Francisca, pelas onze facadas que lhe fizeram tombar e pela juventude que lhe foi roubada... Valei-me!”
A história é assim: desde 9 de fevereiro de 1958, um rapaz, tomado de demônios, apesar do apelido Chico Belo, mal sabia que estava fazendo nascer em Aurora uma “santa” que nunca precisou ser posta no altar da matriz do Menino Deus padroeiro.
Várzea de Conta, brenhazinha do município de Aurora, no encantado Cariri cearense, longe 463 km de Fortaleza, foi palco do amor desfeito que deu no martírio de Francisca Augusta da Silva. Moça tirada da vida aos 17 anos pela fúria machista do agricultor Francisco Ferreira Barnabé ou Chico Belo - moço de 25 anos que virou maldito em trovas de cordéis e foi condenado a 24 anos de prisão na cadeia pública da Capital cearense.
A pendenga, que deu na morte “santa” de Francisca, tem várias versões. A mais contada começa quando o pai da moça mandou que fosse desfeito o noivado de oito meses e o rapaz pegasse de volta a aliança. Ele seria muito bruto para se casar com a filha dele. Em depoimento ao promotor Dário Batista Moreno, Chico Belo contou que depois de rompido o compromisso foi pra casa e atravessou a noite chorando. Chegou a se mudar para o Maranhão e namorou outras moças, mas não esqueceu Francisca ou Neném - como a chamava. Lá, teria também sido vítima do fim de outro noivado.
De volta a Aurora e por não admitir que Francisca se casasse com outro homem, porque ainda lhe dedicava “ardente paixão”, Chico Belo atalhou a vítima no meio de caminho. Covardemente, segundo descrição do processo 48/1958, da Comarca de Aurora, “o bárbaro matador desferiu contra a indefesa jovem, cruel e perversamente, com alongada faca peixeira, onze ferimentos”.
Francisca, que voltava dos festejos dedicados a São Sebastião, não teve chance de se defender. Pelo menos três testemunhas do martírio a viram se levantar e tentar fugir após a primeira sessão de facadas. Percebendo que não matara “a peste”, Chico Belo regressou ao local do crime e redesenhou o destino dela e amaldiçoou o próprio.
No lugar onde a menina caiu morta há a sombra de um pé de pereiro e uma estradinha para algum cafundó. O pai de Francisca, o desgostoso Manoel Pedro Ferreira, antes de ir embora para o Assaré, ergueu um cenotáfio para religar lembranças. Desde então, há 53 anos, o local é marco de rezas, promessas, graças, recanto de ex-votos.
Tanta veneração fez com que os devotos de Mártir Francisca construíssem uma capela verde inverno para missas e a parada derradeira das romarias marcadas para todo dia 9 de cada mês. Dia do martírio da “moça da capelinha”.
Ano a ano, segundo Naninha Aurélio, guardiã da chave da capela da “santa” que foi sua amiga quando criança, mais gente vem para a procissão de Mártir Francisca em Aurora. “Até Tasso (Jereissati, ex-governador do Ceará) pousou aqui de helicóptero pra pedir a ela. Pediu que eu abrisse a capela só pra ele rezar”, conta.
E Chico Belo? Após 19 anos de prisão, foi solto em 1977, voltou a Aurora e, dizem, se empabulava do crime medonho. Não foi vingado porque Francisca teria aparecido a um irmão em sonho e pedido serenidade, além do pai Manoel ser contra o troco. O ex-noivo findou assassinado numa briga de bebedeira e valentia. Mesmo que tenha dito no inquérito que se arrependera e até pensou em suicídio, ainda hoje, na boca do povo, não passa de “cão briguento”, que matou, também a facadas um cachorro, uma égua, um cavalo e fez nascer uma “santa”.
O POVO teve acesso ao processo 48/1958 que detalha o assassinato de Francisca. A cópia foi repassada pelo advogado e devoto Paulo Quezado. Também foi lido o livrinho Paixão e Sangue de Mártir Francisca, da jornalista Rozanne Quezado
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