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Com quatro anos de atraso, haitianos finalmente puderam ir às urnas. Para um país ainda devastado pelo terremoto, isso já é algo positivo. Porém, enquanto se espera os resultados, poucos contam com uma mudança radical.
É uma árdua tarefa encontrar um haitiano que não se lembre do que estava fazendo naquele 12 de janeiro de 2010, quando o chão começou a tremer. Depois, nada mais foi como antes. Desde então, o país luta com as consequências do catastrófico terromoto que, segundo dados oficiais, matou mais de 300 mil pessoas e deixou um milhão de desabrigados.
Apelidada de Pérola do Caribe no período colonial, o Haiti é, hoje em dia, um reduto da miséria na América Latina. A infraestrutura local continua precária, a corrupção perdura há décadas, e a confiança da população nos políticos é quase inexistente.
Em 9 de agosto, quase 5,8 milhões de eleitores foram convocados a ir às urnas escolher o novo Parlamento e dois terços dos membros do Senado. Foi a primeira de uma série de eleições em 25 de outubro, os haitianos definirão, em uma nova rodada, outros senadores, representantes municipais e um novo presidente.
Nesta quarta-feira (19/08), será divulgado o resultado preliminar da primeira etapa das eleições. "É uma espécie de teste para os partidos", analisa o cientista político Jan Wörlein, que pesquisa o Haiti na Universidade de Lille, na França. Segundo ele, os primeiros números vão mostrar quais partidos e qual candidato a presidente estão na liderança.
Novas siglas, antigas figuras
Porém, o aspecto mais relevante dessa primeira etapa deve-se ao fato de que, depois de anos de atraso, a votação finalmente ocorreu. Por causa de um conflito entre o atual presidente do Haiti, Michel Martelly, e opositores, não há eleições no país desde 2011.
Em janeiro, o Parlamento foi dissolvido. Desde então, Martelly, cuja carreira como cantor o levou à fama, governa por decreto. Após protestos e pressão da comunidade internacional, as duas partes conseguiram finalmente concordar em realizar novas eleições. O pleito atual conta com 1.800 candidatos, de mais de 128 partidos registrados.
"É uma corrida eleitoral empolgante, com resultados absolutamente imprevisíveis", comenta Wörlein. Três dos quatro partidos com perspectivas de vitória foram fundados há pouco. Contudo, por trás das novas siglas se escondem velhos figurões.
"Em grande parte, eles representam o empresariado e a elite negra", diz o professor da Universidade de Lille, lembrando que três dos partidos têm como membros ex-presidentes do Haiti.
O partido Fanmi Lavalas, do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, é um acompanhado com expectativa. Em fevereiro de 2004, Aristide foi deposto por um golpe militar. Depois de passar anos exilado na África do Sul, o político retornou ao país em 2011. Maryse Narcisse, candidata escolhida pelo partido para a corrida presidencial, segue uma agenda de esquerda.
Outros favoritos são o partido Verité (do também ex-presidente René Préval), o Bouclier National e o PHTK, cujo candidato Jovenel Moise é apoiado pelo atual presidente Martelly que não pode concorrer porque a legislação haitiana não prevê reeleição para mandatos consecutivos.
Vencedores sem legitimação
Para Wörlein, o fato de as eleições finalmente ocorrerem ajuda na estabilidade do país. Entretanto, as condições nos quais elas foram realizadas não são as melhores. "Até agora, todo o processo eleitoral é um grande caos", analisa o especialista. No dia das eleições legislativas, vários incidentes foram registrados. De acordo com informações da polícia, 26 seções eleitorais tiveram de ser fechadas algumas destruída, outras incendiadas.
A própria campanha eleitoral esteve repleta de ações violentas, tanto que a Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (RNDDH) chegou a falar em "clima de terror". Segundo informações da organização, cinco pessoas foram mortas e diversas ficaram feridas nesse contexto.
Por outro lado, observadores fizeram um balanço positivo das eleições. Até mesmo o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, classificou a ida às urnas no Haiti como um marco na democracia.
A porcentagem dos que votaram, todavia, foi bem pequena. Segundo a comissão observadora da União Europeia, 15% dos eleitores compareceram às urnas. Outras fontes apontam para um número ainda menor.
"O número de eleitores que participam de votações no Haiti é tradicionalmente bem pequeno", explica Wörlein. "Acaba que quem vence as eleições possui, assim, uma legitimidade democrática limitada", conclui.
Um dos motivos são as grandes distâncias que os haitianos têm de percorrer para chegar às seções eleitorais. Outro, uma estrutura civil fragilizada. "As eleições democráticas representam pouco a real vontade da população", afirma o cientista político.
Dependência internacional e abismo social
A frustração reprimida e a forte violência são frutos dos enormes abismos sociais existentes na sociedade haitiana. No país de 10 milhões de habitantes, uma pequena elite goza de ampla influência, enquanto 60% da população vivem abaixo da linha de pobreza.
Por causa da mão de obra barata, a indústria têxtil têm crescido bastante e atingido 80% de toda a exportação do país. A ela se somam produtos como manga, café e cacau. Com isso, a economia conseguiu algum crescimento nos últimos anos.
Mesmo assim, o país ainda não se recuperou do terremoto e dos anos de recessão. Depois do desastre, o Haiti recebeu bilhões de dólares em doações. De acordo com Jan Wörlei, desde então há menos haitianos desabrigados porém, problemas estruturais como a saúde pública ainda não foram resolvidos.
E o país continua dependendo das ajudas financeiras internacionais. O especialista acredita que as eleições atuais não vão mudar esse quadro.
Autor: Nicolas Martin (fca)Edição: Rafael Plaisant
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