O ator cearense Ari Areia, do "Outro Grupo" de teatro, vai registrar um Boletim de Ocorrência (B.0.) por causa das ameaças de morte recebidas nas redes sociais. Os comentários de ódio começaram quando as fotos de seu monólogo "Histórias Compartilhadas" foram publicadas, sem permissão, em uma página no Facebook intitulada "Fortaleza Sem Prefeito".
"As pessoas disseram muitas coisas ruins, como 'marquei seu rosto, seus dias estão contados'. Gente dizendo 'depois que leva uma lâmpada na cabeça não sabe porquê'. Ou que eu deveria ser fuzilado, amanhecer com a boca cheia de formiga", cita o ator. O documentário cênico, que trata sobre a transexualidade masculina, foi apresentado inúmeras vezes no ano passado, mas gerou polêmica na web após a apresentação na Universidade Federal do Ceará (UFC), na última terça-feira, 17.
Uma semana depois da encenação da peça, em evento que discutia as questões de gênero e sexualidade, Ari foi surpreendido com uma série de ataques via Inbox. "Vão dizer novamente que é arte? Expressão corporal? Respeito, isso é o que falta. Não há explicação para tamanha sem-vergonhice", diz o texto da página anônima na Internet.
A postagem, que utiliza fotos descontextualizadas sobre um trecho da encenação, teve mais de 8.870 compartilhamentos. Usuários chegaram a atacar o Ministério da Cultura (MinC) e o Governo Federal, embora o monólogo não tenha financiamento público. "Não foi construído com recurso público federal, estadual ou municipal", frisa o ator.
"Eu também estou indo conversar com uma advogada do Escritório Frei Tito [Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar] que já tem experiência com esses casos de homofobia, crimes contra os direitos humanos. Eu acho que não é uma ameaça qualquer, já estou com esse material 'printado' ", relata.
Apesar das ameaças, o ator afirma ter recebido ainda muitas mensagens de apoio de diversos grupos. "Tem gente que chegou para conversar e entender como foi a utilização da imagem de Cristo. Eu respondi a essas pessoas, mas entendo que a ameaça, a tentativa de intimidação, é algo gravíssimo", afirma.
Além de comentários pedindo o fim da utilização da imagem de Cristo na peça, internautas reivindicam da Universidade medidas punitivas. A UFC, procurada em um primeiro momento, informou que não se posicionaria sobre a repercussão da peça.
"As pessoas pedem que o reitor tome uma postura punitiva, um pensamento arcaico de que existe um senhor que tem que tomar uma medida porque alguém diz algo que não pode ser dito. Mas também existe um movimento de intelectuais e artistas prestando apoio e solidariedade à apresentação", completa Ari.
A Polícia Civil do Estado do Ceará informa que crimes de ameaça podem ser denunciados em qualquer delegacia, inclusive a delegacia eletrônica.
Em cartaz
A peça "Histórias Compartilhadas" será apresentada, excepcionalmente, na noite desta quarta-feira, 25, no Teatro do Dragão do Mar, na Praia de Iracema. O monólogo vai encerrar a programação da Obscena Mostra LGBT de Teatro no lugar da peça "Comer Querer Ver".
A mudança foi definida porque, segundo Ari, os ataques demonstram a necessidade de uma discussão sobre as questões de gênero. "É muito significativo que isso tenha acontecido no mês de maio, quando é comemorado o Dia Mundial e Nacional de Combate à LGBTfobia", acredita.
Saiba mais
A mensagem recebida por Ari sobre a "lâmpada na cabeça" faz referência a uma agressão sofrida por um estudante, em novembro de 2010, na Avenida Paulista (SP).
Luís Alberto Betonio caminhava com mais dois amigos quando foi atacado pelo grupo formado por Jonathan Lauton Domingues, na época com 19 anos, e mais quatro rapazes, todos adolescentes naquele ano.
Os agressores carregavam duas lâmpadas fluorescentes, utilizadas no espancamento de Luís Alberto. As agressões só foram interrompidas após intervenção de um segurança. A investigação da Polícia Civil aponta que cinco pessoas foram surradas pelo grupo naquele fim de semana.
Em dezembro de 2015, a Justiça condenou Jonathan Lauton Domingues a uma pena de nove anos de prisão pela agressão. Luís Alberto Betonio chegou a ficar internado 45 dias na Fundação Casa.
Serviço
Escritório Frei Tito - Assembleia Legislativa do Ceará
Endereço: Av. Desembargador Moreira, 2807
Fone: (85) 3277.2500
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