Agentes da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) denunciaram ao Ministério Público (MP) a prática de concessão de folgas e horas extras condicionadas a quantidade de notificação aplicada por mês. O documento com o pedido de investigação por parte do MP ao órgão de trânsito foi entregue no início da tarde desta terça-feira, 1º, e elaborado pelo setor jurídico do Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos do Município de Fortaleza (Sindfort). O POVO Online teve acesso com exclusividade a representação.
Um grupo de servidores da AMC acusa a atual gestão de beneficiar os profissionais que se destacam na fiscalização; de priorizar uma política de arrecadação; e de perseguir trabalhadores ligados ao Sindicato. A Autarquia contesta todas as acusações levantadas pelos agentes e afirma ter como comprovar ao MP as alegações.
Conforme servidores ouvidos pelo O POVO Online, os agentes atuantes em funções operacionais, como atendimento de colisão e fluidez viária, estariam sendo prejudicados pelo órgão. Na denúncia, eles alegam que uma postura “arrecadatória” da atual administração por meio de multas, beneficiando profissionais com "perfil multador", teria resultado em uma "segregação" dentro da Autarquia.
"A folga Diofi (Divisão de Operação e Fiscalização - antigo nome do setor) é dada exclusivamente para agentes que estão na fiscalização. Não digo que não há notificação no trânsito de Fortaleza, mas a questão é que o órgão não pode priorizar uma postura fiscalizatória porque ele não é um órgão de arrecadação, mas de fiscalização. Entendo que existe uma diferença", comentou uma agente de trânsito, que preferiu não ser identificada por receio de sofrer represália.
Estes agentes alegam que a AMC tem priorizado apenas um grupo de servidores para atuar em horas extras, sendo a maioria em missões de fiscalização. Segundo o diretor do Sindicato, Eriston Ferreira, a Autarquia tem ferido a Constituição Federal, violando os princípios básicos da administração pública, da transparência pública e dos princípios da isonomia, visto que não haveria critérios nas concessões dos benefícios.
"Os agentes estão recebendo tratamentos diferenciados. A gente vai pedir que o MP investigue os dados concretos que não temos acesso. É fácil pegar a lista dos agentes recebendo essas folgas, a lista dos que fazem 52 horas (máximo de horas extras). Se comparar com as multas feitas, vai perceber claramente onde está localizado o benefício dado por eles", disse Eriston.
Conforme o diretor do Sindfort, casos de punições arbitrárias serão apresentados ao MP, com provas testemunhais e gravações. O agente de trânsito que pediu para ser identificado apenas como Lucas, que relata estar desde abril passado sem poder fazer hora extra por uma suposta penalidade abusiva, afirma que a atual gestão da AMC está condicionando comportamentos.
"A chefia está com um assédio moral coletivo forte, tantos nos aspectos de comportamento, que eles julgam como mais próximo da administração a não reclamação; está distante do Sindicato; e não se mobilizar com os movimentos dos agentes. Se você se encaixar neste perfil, ela te premia. É óbvio que isso direciona e condiciona comportamentos. É uma pressão e uma ilegalidade que os agentes estão sofrendo", relatou Lucas.
Contestações da direção da AMCDiante das acusações feitas pelos servidores, representantes da direção da AMC, como o superintendente Arcelino Lima, o diretor de trânsito João Bezerra, o assessor da Superintendência Leandro Rocha e o chefe de operação e fiscalização Aécio Soares, foram ouvidos pelo
O POVO Online. Eles apresentaram uma versão diferente dos agentes de trânsito que protocolaram a denúncia do MP.
Conforme a direção, há horas extras tanto para os servidores atuantes em operação, quantos para aqueles operando na fiscalização. Assim como a concessão de folga é dada para os agentes de trânsito que têm cumprido com suas funções e sendo mais proativo.
Eles afirmam que a AMC tem realizado uma avaliação criteriosa para escolher os agentes para atuar em hora extra ou conceder folgas, que vai desde o comportamento ao proativismo do trabalhador.
O POVO Online também teve acesso com exclusividade a lista dos agentes que recebem folgas; consta na relação apresentada que o benefício foi entregue nos últimos meses para servidores em destaque na fiscalização e na operação.
"O agente é para fazer operação e fiscalização. Existem horas extras para fazer operação e fiscalização. Se o agente é mandado para operar em um semáforo e não faz a operação, não vou mais o escalar para esta hora extra. Da mesma forma que mando ele fiscalizar um faixa de ônibus, um corredor de bicicleta ou um binário, e ele chega aqui e não fez nenhuma fiscalização, também não vou mais o escalar. A gente dá outras chances, mas, evidentemente, não podemos pagar por uma coisa que ele não está cumprindo. É justo escalar essas pessoas?", rebateu o superintendente Arcelino Lima.
Os diretores da AMC afirmaram também que em todo caso de agente punido é aberto uma sindicância. Sobre a denúncia que a AMC está adotando uma política arrecadatória, Arcelino argumentou que as multas aplicadas pela AMC não conseguem cobrir nem a folha de pagamento.
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É irreal essa acusação. Se essa política arrecadatória tivesse algum ganho para o município, não daria nem par pagar a folha de pagamento. Quem paga é o tesouro municipal. Muitas vezes, não é possível cobrir os custas da AMC. Não temos essa pretensão, porque a gente sabe que poderia dobrar o número (de autuações) que não iríamos conseguir (cobrir os custos)", comentou Arcelino.
De acordo com o superintendente, o objetivo da AMC é fiscalizar os infratores para garantir fluidez no trânsito, diminuir o cometimento de infrações e, consequentemente, reduzir o número de acidentes.