O POVO


Meus filmes favoritos fora da competição do Festival de Cannes

23/05/2016 | 08:57

Não é só de competição principal que se faz o Festival de Cannes. Cobrir o evento também pode ser tarefa extremamente dolorosa as vezes, pois são muitas decisões difíceis a serem tomadas, e assistir filmes exibidos fora da seleção oficial implica muitas vezes em perder as estreias mais importantes.

Um dia antes de ir embora, passei no Theatre Croisette, escondido no subsolo do JW Marriot Hotel e a algumas dezenas de metros de distância do Palaisdes Festivals. É lá que acontecem as sessões principais da Quinzena dos Realizadores, e foi onde assisti a um dos melhores filmes de Cannes em 2016: Dogeatdogde Paul Schrader.

Mais conhecido pelas colaborações com Martin Scorsese nos roteiros de Taxi Driver e Touro indomável, o americano Paul Schrader também tem uma carreira bastante interessante como diretor, incluindo os clássicos A marca da pantera, Gigolô Americano e o mais recente The Canyons. Aqui, em Dogeatdog, ele faz uma releitura bastante pessoal do romance homônimo de Edward Bunker e brinca com o imaginário dos filmes de ação e violência, experimentando a linguagem do cinema numa narrativa hiper estilizada e repleta de desdobramentos improváveis. O longa traz ainda ótimas atuações de Willem Dafoe e de um dos canastrões mais carismáticos de hollywood, Nicolas Cage, que em certa altura da história passa a imitar os trejeitos de Humphrey Bogart em performance memorável.

Diretor do meu filme preferido da competição (Paterson), Jim Jarmusch tinha um segundo filme sendo exibido no festival, o documentário Gimme Danger estrelado por Iggy Pop. Na verdade, o que temos aqui é uma grande carta de amor do cineasta à banda The Stooges, já que em sua primeiríssima cena o ouvimos dizer a Iggy que Stooges é o maior grupo de rock n roll da história. A narrativa é muito fluida, e as vezes até pueril, já que ao trazer inúmeros materiais de arquivo da banda, o filme faz diversas inserções de trechos de clássicos do cinema e da TV, brincando com a noção de colagem de forma quase lúdica, mas sempre conduzida pelo humor característico de Jim Jarmusch.

Por último, A morte de Louis XIV é um filme incrível que, a exemplo dos outros dois citados acima, deixa facilmente para trás alguns dos títulos da competição oficial. Dirigido pelo cineasta catalão Albert Serra e estrelado pelo vencedor da Palma de Ouro honorária Jean-Pierre Leáud, o longa narra os momentos finais na vida do rei Louis XIV, coroado por um trabalho ímpar do ator francês (que a maioria dos cinéfilos conhecem na pele do personagem clássico Antoine Doinel, papel que interpretou pela primeira vez quando ainda era criança). O filme começa e termina na fisicalidade do seu protagonista, capturando de assalto o olhar do espectador, que permanece hipnotizado nas quase duas horas de duração com seus gestos mais simples, namaior parte do tempo deitado de forma mórbida em sua cama real.