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Depois da Segunda Guerra, a jornalista Jella Lepman foi convidada a retornar dos Estados Unidos para elaborar e coordenar um projeto de reconstrução de seu país, a Alemanha. A princípio, o trabalho seria junto às mulheres, viúvas de guerra. Um reconhecimento de área foi necessário e Jella percorreu cidades destruídas para ver, de perto, o que seria mais urgente, o que deveria ser feito por aquelas pessoas que tentavam sobreviver às suas gigantescas tragédias.
Durante as visitas às cidades destruídas, Jella encontrou muitas crianças pelas ruas, a quem faltava tudo. A guerra levou pais, mães, irmãos, casas, esse era o sofrimento visível. Mas havia algo que calou no coração de Jella durante sua visita de campo: as bibliotecas também foram destruídas. A falta dos livros estava no olhar opaco das crianças.
A literatura infantil é parte do patrimônio cultural alemão. Foi na floresta de Kassel que os irmãos Grimm pesquisaram e coletaram os contos que preenchem a infância de muitas gerações. Mas aqueles, os órfãos da guerra, estavam condenados a perder o direito ao sonho, ao prazer de ouvir histórias antes de dormir, à descoberta gradual da leitura, ao aprendizado da imaginação, esse dom essencial para o resto de suas vidas.
A partir dessa constatação Jella Lepman definiu o que seria o seu trabalho. Sentou-se diante de uma máquina de escrever e datilografou cartas para editores do mundo inteiro pedindo doações de livros infantis para reconstruir as bibliotecas alemãs. O pedido guardava um ideal muito maior do que o preenchimento de prateleiras vazias. Se as crianças alemãs conhecessem livros de outros países, outras culturas, religiões e outro repertório de contos e lendas estrangeiras, cresceriam respeitando esses povos, compreendendo a diversidade que faz do mundo o mundo, esse lugar de riqueza e diferenças.
As cartas foram respondidas e os livros nunca pararam de chegar. Foi assim, passo a passo, que começou a história da Biblioteca Nacional da Juventude de Munique, o maior acervo de livros infantojuvenis do mundo. Hoje a biblioteca funciona em um castelo medieval, o deslumbrante Schloss Blutenburg, doado pelo governo alemão, onde tive a honra de ser bolsista para realização de pesquisa literária no ano de 2007.
Lembrei muito da incrível Jella Lepman quando fomos tomados pelas notícias de ódio, intolerância e barbárie dos atentados em diferentes países do mundo nas últimas semanas desse ano de 2015. Meu amigo Leonardo Tonus, professor de literatura brasileira em Paris, desabafou sobre o sentimento de inutilidade e impotência por saber que passaria a semana falando de livros, personagens e enredos ficcionais em uma cidade que acabara de ser vitima de um ataque estarrecedor. Diante de tanta dor, a arte parece inútil. Mas é exatamente o contrário.
Seria insuportável viver sem a pausa dos livros. Olhar a tragédia com alguma esperança e reflexão critica são urgentes. Precisamos das palavras para refazer a ordem das coisas, aos poucos. Crianças, sobretudo, precisam dos contos de fadas, precisam saber que todo vilão pode ser vencido na mesma medida em que todo sonho pode ser realizado. Um primeiro passo para a melhoria do mundo: semear adultos que sabem sonhar. A arte é o alimento do sonhador. Jella Lepman tinha toda razão.
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