[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Mestre da pintura e da vida O POVO
Gênios da raça 22/06/2013

Mestre da pintura e da vida

Há mais de 50 anos, Júlio Santos mantém viva a fotopintura, mesmo tendo de reaprender o ofício e adequar-se a novos tempos. Sem nunca perder o olhar generoso
DEIVYSON TEIXEIRA
Mestre Júlio: arte que devolve a autoestima e a dignidade
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Manso, logo ele surge de dentro da casa simples e ampla, num endereço pouco chamativo da rua Gonçalves Ledo, em Fortaleza. Está de camisa listrada, azul escura, discreta como é seu sorriso. Mestre Júlio Santos – sim, porque é estranho chamá-lo sem o título dado pelo tempo em conluio com a arte – é homem de fala pausada, firme, tom baixo, como se quisesse aproximar o ouvinte de si. E não é preciso muitos minutos para, diante daquela timidez, render-se ao fotopintor de 69 anos, mais de 50 dedicados a preservar uma tradição. Ainda que, para isso, tenha tido de aprender a mirar o futuro e recebê-lo de braços abertos, como faz com os visitantes.


No começo, as fotos surgiam das chapas de vidro anteriores ao filme. Trabalhava-se com o subproduto da fotografia, a mais bonita de todas as árvores criadas por Deus, ele diz. Tempo bem diferente “das tecnologias de ponta” usadas hoje para reinventar a fotopintura, resistente nas casas do interior nordestino, pregadas à parede da sala, lugar de honra; mas também chega a outros rincões Brasil afora, ganha cenários urbanos, museus, galerias.


Daí, na pequena sala transformada em oficina de Mestre Júlio, não haver cavaletes, pincéis, tintas. Ao menos não como esperado. “O que a gente fez foi mudar de cavalete. Aquele cavalete ali (aponta para a foto na parede em que aparece pintando num cavalete de madeira) passou a ser esse (aponta para o computador). Porque aqui você encontra todos os reagentes possíveis, todas as tintas possíveis”, explica, lamentando a falta de gente capaz de operar o programa de edição de imagens e fazer fotopintura de verdade.


Primeiro a arte

Quando começou, no estúdio fundado pelo pai em parceria com o pintor Antenor Medeiros, contava 11 anos. Numas férias do mosteiro beneditino onde fora mandado estudar, em Pernambuco, viu o Áureo Studio nascendo. A vontade de fugir da clausura do colégio religioso encontrou, então, a possibilidade de futuro. Não o desejado por Seu Francisco Antônio dos Santos, o Didi, mas aquele que, no final das contas, daria sentido à vida do menino. “Aí eu fiquei (em Fortaleza) com uma responsabilidade maior do que se tivesse no mosteiro, porque lá eu deixaria o mundo apenas caminhar e aqui eu teria não de ser monge, mas o melhor, pra provar pro meu pai que tinha valido a pena a minha saída. Então, eu era muito novo, mas tinha uma noção exata daquilo que eu queria”, recorda.

 

O passo seguinte foi tratar de dominar o ofício. “Tudo que você imaginar de gibi, na época, eu comprava pra aprender a desenhar, pra ter noção de como fazer olho, boca, nariz. Eu via os outros fazendo, mas era outra história, eu tinha de ter o meu próprio caminho”, conta ele. Aos 15, Júlio já dominava todas as etapas de produção de uma fotopintura, pagava as próprias contas, trabalhava para si. Não demorou a seguir rumo próprio, procurar estúdios maiores, fazer sociedade, “se agigantar”, como gosta de dizer.


“Só que o estúdio do meu pai entra em dificuldade e eu volto pra soerguer o estúdio, porque não fazia sentido viver bem com a minha família mal”. Para devolver vida à oficina familiar, Mestre Júlio retoma o trabalho social com os meninos de rua, levados para aprender o ofício da fotopintura. Foi quando se voltaram para aquele mesmo endereço os holofotes de programas de TV nacionais, como o de Regina Casé. Mesma época em que o cineasta Joe Pimentel e a professora Cristiana Parente – “uma criatura a quem eu devo tudo”, faz questão de enfatizar – descobriram e projetaram o trabalho realizado ali.


Depois a tecnologia

É nesse momento que começa “parte penosa da história”, diz. Com a escassez de material e o barateamento do trabalho, o estúdio começa um processo de falência. Era 2005, época em que também a tecnologia já mostrava suas facetas. Junte a isso a doença do pai. Um sentimento que Mestre Júlio só consegue traduzir comparando com a dor de quem perde um grande amor.

 

“Então, a gente foi obrigado a dizer ‘acabou’. E isso foi doloroso porque, não sei se você já sofreu alguma desilusão amorosa na sua vida, mas não tem coisa mais dolorosa do que você anoitecer com e amanhecer sem. É você pensar: quêde? É você buscar com a mão e não encontrar. É você ficar sem caminho para o amanhã. É você buscar um destino e não encontrar. Você sabe que ele existe, mas não encontra. Porque você quer já ter, você não quer buscar. E eu não tinha mais”, poetiza.


O que ele não sabe explicar é como, no meio do desespero, vendo-se forçado a retirar as filhas da escola particular e olhar pra geladeira vazia – privações que ele não dividia com ninguém –, podia aparecer um sobrinho sabedor dos mistérios do Photoshop. Outro parente dono de um curso de informática, disposto a lhe dar um computador. Aí foi outro o desafio. “Foi quando você tinha o carro e não sabia dirigir, e a chegada era bem ali, cem metros. Então eu tive de reaprender a trabalhar, mas com uma coisa dentro da minha cabeça: não é o computador, não é o photoshop que vai me fazer trair a minha causa. Eu não vou desconstruir tudo que eu construí, eu não quero isso, desconstruir uma vida de 50 anos. Você trair a si próprio. Quer dizer, em nome de um amor que está de volta e te traiu, você trair. Justifica? Não”, crava.


Por isso, cada movimento de cabelo, cada brilho no olhar, cada esfumaçado na maquiagem de quem ele transforma, faz reviver, devolve a autoestima, às vezes até a dignidade, não é coisa de quem domina uma tecnologia, mas, como poucos, sabe fazer arte.

 

Ensinamentos

 

“Conheço poucas pessoas apaixonadas pelo que fazem como o Mestre Júlio. Profissional dedicado, sempre encanta a todos com seus ensinamentos sobre fotografia. Preocupado com a importância da foto pintura, ele se dedica em dar continuidade e repassar seus conhecimentos para que essa importante técnica não ‘morra com ele’”.

Tiago Santana, fotógrafo

Encontros


“Certos encontros são feitos de gratidão anunciada. Há alguns dias estive com o Mestre Júlio. É curioso como ele sabe cuidar, cheio de gentilezas, de muita gente que nem conhece. Sobre a mesa, descansava um rapaz - não sei se da década de 1940 ou mais antigo - com uma grande marca no rosto. Um machucado do tempo.Depois de muito talento e técnica, o fotopintor lhe devolverá a juventude”

Iana Soares, editora adjunta do Núcleo de Imagens do O POVO

 

Raphaelle Batista raphaellebatista@opovo.com.br
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