[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Transverter as culturas O POVO
Filosofia Pop 14/07/2014

Transverter as culturas

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Charles Feitosa charlesfeitosa@opovo.com.br
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Olhar Estrangeiro (2006) é um documentário da cineasta Lucia Murat (1949-) a respeito dos clichês e das fantasias relacionados ao Brasil no cinema mundial. O filme é inspirado no livro Brasil dos Gringos (2000) de Tunico Amancio (1951-), no qual são descritas algumas situações que se repetem em diversos filmes: o criminoso que foge para o Rio em busca de uma vida paradisíaca, o brasileiro pobre que migra para o exterior atrás de uma vida melhor, a mulher brasileira sensual e sedutora, os papagaios e os macacos, entre tantos outros.


O documentário de Murat busca, através de entrevistas com diretores, roteiristas e atores, desvendar os mecanismos que produzem esses clichês. Um a um, os realizadores vão sendo questionados e corrigidos por não saberem que no Brasil não se fala espanhol, que a capital do país não é o Rio, que não existe praia em São Paulo. O grande problema do filme, no entanto, é que a cineasta constrói a narrativa através de uma simples oposição entre o olhar estrangeiro, o olhar dos outros, de fora, que desconhece o Brasil e o olhar próprio, o nosso olhar, que supostamente sabe de fato como somos. Se, às vezes, parece que o estrangeiro conhece apenas superficialmente os principais aspectos da nossa cultura, nada garante que os nativos estejam mais preparados para entender a sua própria realidade.


Aproveito essa breve apresentação do filme Olhar Estrangeiro como pretexto para introduzir uma das questões mais complexas para a filosofia pop: como transverter a noção de cultura, para além da dicotomia entre “nós” e “outros” ou entre “próprio” e “estrangeiro”? Transverter, como já havia afirmado em coluna anterior (Transverter as Disciplinas, Jornal o Povo, 17.03.2014), é um neologismo inspirado na ambiguidade do prefixo “trans-”, que indica tanto um movimento de “ir além” como de “ser atravessado por”. A história do pensamento ocidental tem se pautado por diversas dicotomias hierárquicas: mente x corpo, sujeito x objeto, indivíduo x sociedade, homem x animal. Essas dicotomias podem se apresentar tanto na forma de versões, como de inversões.


Por versões entendo as hierarquias mais tradicionais (do tipo “o belo é melhor do que o feio” ou “a razão é melhor do que os afetos”), que costumam privilegiar o idêntico em detrimento do diferente. Por inversões, nomeio as diversas tentativas de tentar superar as hierarquias pela mera reação ou reversão dos polos, sem um questionamento da dicotomia ou da hierarquia nelas mesmas (do tipo “o feio é melhor do que o belo” ou “os afetos são melhores do que a razão”). O problema dessa lógica dualista é que ela determina previamente o horizonte do pensamento, criando muitas vezes dilemas impossíveis de serem resolvidos, já que partem de premissas incompatíveis. Uma filosofia pop, tal como a entendo, deve procurar a transversão das dicotomias e das hierarquias. Transverter é uma estratégia de tentar escapar das dicotomias hierarquizantes e de se deixar atravessar ou hibridizar pelas diferenças. Como seria possível transverter as culturas?


Provavelmente não será através da ideia de multiculturalidade. Trata-se de um termo ambíguo, muitas vezes usado inadequadamente. O termo “multicultural” designa a princípio apenas a justaposição de culturas diversas, sem maiores conexões ou agenciamentos. Por exemplo, a proximidade espacial parece não garantir intercâmbio cultural, como indica o fato de a maioria de nós, brasileiros, conhecermos tão pouco da música, do cinema e da literatura de nossos vizinhos latino-americanos.


Além disso o discurso do multiculturalismo acaba escondendo relações de poder mais intricadas: a globalização, por exemplo, é multicultural por definição, mas comporta na prática uma estratégia de hegemonização, pois funciona a partir de um paradigma único, geralmente associado à marca do homem branco, europeu, heterossexual e cristão, em detrimento do africano, do indígena, do feminino ou de quaisquer outros modos de existência possíveis.


Como então conseguir escapar das práticas de submissão a tudo o que supostamente é de fora em nossos territórios culturais (versão), sem recair em uma postura xenófoba de retorno às raízes supostamente puras de nossa nacionalidade (inversão)? Talvez um começo seja aceitar que não é mais possível uma diferenciação radical entre o que é puramente próprio e o que é puramente estrangeiro em qualquer que seja a cultura e que será preciso inventar outros tipos de olhares, oblíquos o bastante para escapar das dualidades hierárquicas.

 

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