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POR MARIE SANTINI
vidaarte@opovo.com.brVivemos em um mundo cujos valores parecem declarar a “morte do social” e de sua ciência par excellence, a sociologia. O desemprego não é interpretado como um problema social, mas, antes de tudo, econômico. A pobreza, quando não é tratada como um problema técnico de economia, aparece como um desafio do urbanismo. As instituições se tornaram uma questão de administração; o uso de drogas, de saúde pública; e o crime, uma questão jurídica.
A sociologia nasce no século XIX, marcada pelo positivismo, cuja principal característica consiste em reduzir os fenômenos a pretensas leis invariáveis. Podemos mesmo dizer que ela faz parte do sonho do progresso da razão, que se tornaria cada vez mais capaz de descobrir objetos (no caso, a sociedade) com suas especificidades.
Um documentário sobre Pierre Bourdieu (1930-2002) – A Sociologia é um esporte de combate (Pierre Carles, 2001) – apresenta a sociologia de outro modo. Por mais técnicos que possam ser os conceitos sociológicos, o que está em jogo é sempre a busca de uma compreensão sobre o que nos aflige no âmbito social, para mudar o que se quer mudar. A certa altura do filme, Bourdieu comparece a um debate em Le Val-Fourré – zona de um distrito da periferia de Paris. Um dos moradores o ataca, afirmando que os sociólogos funcionam como “psiquiatras da periferia”, acalmando e não ajudando a mudar. Bourdieu reconhece que a sociologia pode, sim, funcionar como uma espécie de caução para a ação conservadora, mas não necessariamente.
Bem antes de Bourdieu, no local e época do nascimento da sociologia (França, século XIX), um intenso debate era travado entre dois pensadores acerca da então “nova” ciência: Émile Durkheim (1858-1917) e Gabriel Tarde (1843-1904). Ambos faziam parte do renomado Collège de France, o que permitiu que se confrontassem pessoalmente. O debate não representou apenas um desacordo entre dois homens, mas, sobretudo, o conflito entre dois modos de pensar e duas atitudes opostas dentro da sociedade francesa.
Durkheim foi considerado o “vencedor” do debate e é reverenciado como um dos pais da sociologia, enquanto a reputação de Tarde foi posta de lado. Isso porque, após o segundo império na França, alguns “neocartesianos” ocupavam posições de influência entre representantes políticos e acadêmicos. Viam em Durkheim o pensador capaz de dar sequência àquela mentalidade, encarnando os valores da razão e da ordem próprios do “espírito geométrico”, adaptando-os às instâncias sociais: educação, administração, forças armadas etc. Tarde, em contrapartida, advogava pela fundação de uma ciência do social que foi tida como “espontaneísta”, preocupado que estava com a produção e a reprodução dos nossos modos de ser, ligado a coisas “psicológicas demais”, como crença, desejo e seu modo de propagação. Acabou estigmatizado como um pensador impreciso, místico, “mero” escritor. Nesse contexto, suas obras foram tardiamente traduzidas para outras línguas e nunca chegaram ao currículo das universidades.
Apesar de algumas concordâncias entre Durkheim e Tarde, um abismo parece separá-los. Um abismo que se conecta com as questões levantadas no debate entre Bourdieu e os habitantes da periferia de Paris. Durkheim parte de uma suposta homogeneidade para compreender as estruturas sociais. A unidade mínima do social é um agrupamento que possui por definição uma identidade. A função da sociologia é revelar os determinantes dessa identidade. A máxima de Durkheim é: “O todo é maior do que a soma das partes”. Para Tarde, ao contrário, o real não se esgota em sua constituição atual. O que aparece como dado social representa apenas um possível entre n outros. É, portanto, inadmissível conceber uma sociologia que despreza o indivíduo porque, é este, convergindo com a diferença de outro indivíduo, que compõe o social. O todo social é sempre menos do que a soma de suas partes. “Descartando o individual, o social não é nada”. Já não se parte do homogêneo, pois é a homogeneidade social que precisa ser explicada a partir de certas “leis da imitação”. O que a sociologia deve perguntar é como crenças e desejos de diferentes indivíduos podem engendrar a reprodução social de certo modo de ser, ou seja, como uma sociedade é inventada. O frescor dessa perspectiva “microssociológica” está em mostrar que, se a sociedade surge no contágio entre diferenças, ela pode sempre mudar. Longe de funcionar como garantia para a ação de uma elite conservadora, a sociologia tardia na chega para estimular todos os indivíduos a construírem e reconstruírem o que chamamos de “nossa sociedade”.
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