[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Mulheres na Abolição cearense I | Coluna Ana Miranda | O POVO Online
Ana Miranda 24/09/2011 - 17h00

Mulheres na Abolição cearense I

Mulheres, na sessão inaugural, alforriaram uma escravinha de dez anos de idade. Na ata da abertura da sociedade Perseverança e Porvir, anotaram a presença das senhoras: Luduvina Borges, Elvira Pinho, Júlia Amaral, Ana Joaquina do Rego, Maria Teófilo Martins, Francisca Nunes da Cruz, Joana Peres de Farias, Francisca Borges da Cunha Mamede, Maria Farias de Oliveira, Maria Teófilo Padilha, Maria Teófilo Morais, Joana Girard de Barros, Maria dos Santos Castro, Raquel Amaral, Teresa Adelaide Carneiro do Couto, Maria Cruz Saldanha e Adelaide Girard.

Naquela noite cearense, pessoas de bem criaram uma sociedade humanitária, beneficente, que funcionava sob os auspícios da Perseverança e Porvir, composta de senhoras, a fim de oferecerem módicas joias, mensalidades, e trabalhos de sua manufatura, vendidos em leilão para arrecadar fundos em favor da causa abolicionista. Mas a ideia só iria ser realizada mais tarde, pela Sociedade das Cearenses Libertadoras.

 

Quando foi criada a Cearenses Libertadoras, o salão de honra da Assembleia Legislativa estava engalanado com flores, com a beleza das mulheres, com a vibração das almas e o suspense dos momentos augustos, segundo escreve Raimundo Girão. Libertaram três escravos, sendo um deles a mãe de três crianças. Os discursos se sucediam na tribuna. Cada palavra era “lâmina de fogo cortante que aniquilava os últimos redutos dos escravistas”. Avante! Soavam as harmonias das bandas militares.

 

À medida que aderiam, os novos abolicionistas davam cartas de liberdade, sob brados e aplausos. Foi alforriada a escrava Joana, de 25 anos, que sabia ler e escrever. A escrava Filomena, de 23 anos, com três filhos ingênuos. Um francês ofereceu o lucro da venda de uma noite em seu quiosque-botequim, no Passeio Público. E tantas outras contribuições se sucederam.

 

Num domingo, ao meio-dia, o abolicionista João Cordeiro entrou na antiga Bolsa de Comércio, na praça José de Alencar. Havia uns vinte sócios, e Cordeiro convocou-os a uma sala ao lado, que batizara de Sala de Aço. Ao centro havia uma grande mesa ladeada por vinte cadeiras, coberta por uma toalha negra e com duas lanternas nas extremidades. Os homens, estremecidos, curiosos, sentaram-se e Cordeiro acendeu as lanternas. Pôs-se à cabeceira, e tirou da cava do colete um punhal, atirando-o com força no meio da mesa. O punhal cravou-se na toalha, oscilando dramaticamente ao cintilar das chamas. E Cordeiro exigiu que todos jurassem uma luta de matar ou morrer, em bem da abolição dos escravos. A briga seria ferrenha. Quem não jurasse, saísse. Saíram onze. Os que ficaram, tomaram criptônimos: Joarez, Spartacus, Risakf, Peri, Marrocos, O’Connel... Queriam uma sociedade carbonária, sem ligações com o governo. Gastavam o que tinham, e o que não tinham, para libertar escravos.


Promoveram um bazar de prendas a serem recolhidas por duas comissões de senhoras. Na primeira: Virgínia da Rocha Salgado, Maria Faria d’Oliveira, Francisca Borges Mamede, Isabel Vieira Teófilo, Sabina Teófilo Padilha, Celicina de Moura Rolim, e Estefânia Nunes de Melo. Na segunda: Francisca Correia da Cunha, Luduvina Borges, Maria José Mendes Pacheco, Antônia Vieira da Cunha, Maria Borges da Cunha. O bazar realizou-se com banda de música, poesias, banquete e sarau dançante. Muitas dádivas chegaram das sociedades, a Dramática Maranguapense, a Fraternidade Cearense, e de abolicionistas, como Frederico C. Hull, capitão do May Monroe. Crescia o entusiasmo pelas manumissões: mais 16 delas. Cada novo escravo libertado era uma vitória.

 

Tudo se fazia para fechar as portas da “nefária mercadoria”. Denunciavam os negociantes de escravos chamando-os de Judas, hockers compradores de criaturas humanas, em panfletos e volantes. Que o povo corresse à praia, na hora dos embarques de escravos. “No Ceará não embarcará mais escravo!” Repelidos, vaiados no porto, os traficantes chamaram a polícia. Muito cedo haviam embarcado nove “peças”. Por meios legais os libertadores arrancaram dos navios alguns escravos. Entre eles, uma mãe seminua e quase morta de fome foi retirada do cargueiro Pará. Os escravos desceram debaixo de bandeira brasileira, ao som de música e ribombar de foguetes. Homens do mar eram celebrados. Um deles, o Dragão do Mar.


Na igreja do Rosário, homens em círculo se ajoelharam para pedir bênçãos à bandeira oferecida aos libertos. Mulheres desprendiam do peito um cravo, uma rosa, uma dália, uma sempre-viva, jogando as flores sobre o pendão. Numa passeata, formosas deidades sacodiam flores e acenavam seus lenços brancos de linho. Eram mais 35 escravos libertados. Charivava a música. As tipografias trabalhavam com magnífico prelo a vapor. Alguém comprou duas escravas e queria leva-las para Belém. Ou embarcam ou corre sangue! Pois corra sangue! Se corresse bala, um coronel jurou que matava o chefe da polícia. Os carbonários roubavam escravos e os escondiam em sítios de abolicionistas. A luta se acirrava.


Continua na próxima crônica

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