[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] O silêncio primordial de Francisco Carvalho | O POVO
Obra 06/03/2013

O silêncio primordial de Francisco Carvalho

Poeta inspirado pelo silêncio e fascinado pela morte, Francisco Carvalho, ao escrever nossa finitude, também cantou e atraiu sua antítese: a vida
IGOR DE MELO
Francisco Carvalho: solidão e desassossego traduzidos em versos
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Francisco Carvalho era o poeta do silêncio. Não apenas o silêncio do ostracismo a que se impôs em vida, arredio que era tanto às entrevistas quanto à frivolidade dos holofotes. “É verdade que sempre fui arredio. Sempre olhei mais para dentro do que para fora. Sempre fui inquilino da timidez. Fiz esforços para mudar, mas não consegui alterar o desenho do molde primitivo”, ele afirmou em 1997, em entrevista ao antigo caderno Sábado do O POVO, uma de suas raras concessões à imprensa.


Mas também, e sobretudo, o silêncio da solidão. A solidão do sertanejo diante dos grandes planos desolados pela seca, do homem urbano diante da azáfama da metrópole, do poeta que não encontra eco para sua poesia em nossos dias. A solidão da saudade e do tempo perdido. Francisco Carvalho era o poeta que ia “ao mercado público / para decifrar o enigma das pessoas / a invisível mola de ouro que as empurra / para os abismos da sobrevivência”, como ele cantava em “Pragmatismo”. Era também o “pastor de cabras e de rios secos”, que rezou “pelas vértebras da paisagem/ pelo sangue das pedras / pelas árvores e seus esqueletos/ de faraós, pelas portas / fechadas das casas onde a lua / dialoga com os mortos”.


Em seu silêncio de “sozinhidão”, para usar a expressão de Guimarães Rosa, olhava assombrado para esse nosso estar no mundo. E traduzia em versos - livres ou sonetos de rigorosa construção - seu permanente desassossego. Ora leve e irônico: “Nos currais da fazenda / as vacas paridas / acalentam os bezerros / com as suas línguas / transbordantes de oferendas / os seus gemidos de ouro / escrevem uma lenda / de desejos / no espinhaço do touro”. Ora cético e resignado: “O tempo nos desfolha / com sua foice de murmúrios / somos o rebanho de cabras / pastando o caos”.


Em seu cânone particular, reinavam Camões, Pessoa, Rilke, Drummond, Jorge de Lima, Murilo Mendes e Cesário Verde, poetas aos quais retornava de tempos em tempos. “Cada vez que voltamos a eles encontramos novos motivos de encantamento e de sedução, novas expectativas e novas descobertas”, contava. “Essas influências foram importantes na minha carreira literária e de certa forma contribuíram para o meu amadurecimento. Com o passar do tempo, elas foram sendo diluídas e, pouco a pouco, a minha individualidade literária impôs o seu ritmo”.


Cinco livros formam uma cartografia básica de sua extensa obra: Dimensão das coisas (1967), Pastoral dos dias maduros (1977), Barca dos sentidos (1989), Rosa dos minutos (1996), além de Quadrante Solar, com o qual venceu o Prêmio Nestlé de Literatura de 1982, que lhe fez aparecer em definitivo para a cena literária brasileira. “O livro de 1989 assemelha-se a uma foz para onde afluíram os anteriores. Barca dos Sentidos é, ainda, a nascente de onde escorrem as valorosas obras consequentes, nitidamente aperfeiçoadas em todos os aspectos”, define a professora Mailma Vasconcelos de Sousa, em texto sobre Carvalho publicado no O POVO em 1997.


Em entrevista à jornalista Camila Vieira, em 2007, o poeta se resignava com a finitude: “Nessa idade estamos à mercê do imponderável. Um minúsculo trombo nas artérias erosadas, e tudo desmorona. E um velho não tem o direito de ignorar quando o bonde chega ao fim da linha”.


Em todos os seus livros, esse tema da morte sempre embalou o imaginário do poeta. Mas essa presença constante, em vez de fazer de sua obra um fardo insuportável de melancolia e pessimismo, atraía, como lembra Mailma, sua antítese: a vida. “Inúmeros poemas estão contaminados por um intenso clima de celebração, através dos elementos da natureza, sejam animais, vegetais ou minerais, onde não faltam tigres, gatos, bois, pássaros ou cedros, orquídeas, romãs, antúrios associados à água, ao vento, ao sol, à cor azul do céu e a fenômenos como a chuva que, simbolizando o tempo da floração, convoca reminiscências da infância perdida e dos ancestrais”, escreve Mailma. “Tais recursos parecem funcionar na forma de valores compensatórios da inexorável morte”.


Entre o assombro com o fim e a percepção de uma solidão primordial que nos habita, Francisco Carvalho ergueu uma obra poética que denuncia justamente aquilo que nos leva à morte: a burocracia, as vaidades, a indiferença, a estupidez. Foi a forma que encontrou de falar - tão intensamente - da vida.

 

Obras de Francisco Carvalho

 

Canção Atrás da Esfinge (1956)

Do Girassol e da Nuvem (1960)

O Tempo e os Amantes (1966)

Dimensão das Coisas (1967)

Memorial de Orfeu (1969)

Os Mortos Azuis (1971)

Pastoral dos Dias Maduros (1977)

As Verdes Léguas (1979)

Rosa dos Eventos (1982)

Quadrante Solar (1982)

As Visões do Corpo (1984)

Barca dos Sentidos (1989)

Rosa Geométrica (1990)

Exercícios de Literatura (1990)

O Tecedor e sua Trama (1992)

Crônica das Raízes (1992)

Flauta de Barro (1993)

Galope de Pégaso (1994)

Sonata dos Punhais (1994)

Artefatos de Areia (1995)

Textos e Contextos (1995)

Rosa dos Minutos (1996)

Raízes da Voz (1996)

Os Exílios do Homem (1997)

Girassóis de Barro (1997)

Romance da Nuvem Pássaro (1998)

A Concha e o Rumor (2000)

O Silêncio é uma Figura Geométrica (2002)

Centauros Urbanos (2003)

Memórias do Espantalho (2004)

Corvos de Alumínio (2007)

Mortos Não Jogam Xadrez (2008)

 

Prêmios

Prêmio Nestlé de Literatura em 1982, com Quadrante Solar.

Prêmio da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro em 1997, com Girassóis de Barro.


Comenda Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, Câmara Municipal de Russas (2006).


Prêmio Francisco Carvalho de Poesia, Casa dos Amigos de Russas (2008-2009).

 

Leituras dramáticas

Em 2012, por conta do aniversário de 85 anos de Francisco Carvalho, o ator Ricardo Guilherme e jornalistas do O POVO gravaram vídeos com leituras dramáticas de sua obra. Confira em:

http://bit.ly/WsqU53

 

Multimídia

Confira no portal O POVO Online (www.opovo.com.br), galeria de fotos, poesias de Francisco Carvalho musicadas por Fagner e edições especiais do O POVO sobre o poeta. http://bit.ly/WsqU53

 

Felipe Araújo felipearaujo@opovo.com.br
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