Kaio volta à escola seis meses após o transplante
Curado da anemia, o garoto retornou à rotina escolar na segunda-feira, 30. Ainda precisa evitar exposição ao sol, mas cumpre afazeres normais de uma turma de Infantil IV
Deixou uma mãe orgulhosa na porta do colégio com um “tchau; mais tarde você me pega” para tagarelar diante de pequenos (ainda) desconhecidos. Mal chegou e foi logo se engraçando com uma das coleguinhas de turma. O papo não vingou, ela não deu lá muita bola e ele, para não ficar por baixo, tratou de se dizer um homem (“eu não sou menino”) comprometido.
Enquanto esteve do lado de fora da sala, só espiando a cria, a mulher sequer lembrou do tempo recém-passado noutras salas, todas brancas e longes do aconchego da família. Tempo em que Kaio estampava alegria no rosto mais por recusar-se de desistir da vida do que por ter motivos para isto.
A imunidade baixava, ele sorria; o corpo ficava mole, ele sorria; era preciso passar temporadas no hospital, ele sorria. Até o transplante de medula óssea acontecer, em julho do ano passado, e ele ter razões de sobra para mostrar os dentes. E descobrir que gargalhar em grupo é muito mais gostoso. “Foi como se nada tivesse acontecido; como se fosse o primeiro dia na escola que sonhamos dois anos atrás”, resume Kamila Cardoso, 34.
A rotina de risos e peraltices era para ter começado em janeiro de 2010. O diagnóstico da anemia aplástica, no entanto, adiou os planos dos pais na semana em que o calendário letivo iniciaria. Fardas e material escolar foram substituídos por batas hospitalares e catéteres subcutâneos, cuja retirada da última peça ocorreu no último fim de semana, em Curitiba (PR).
Agora, toda tarde é sinônimo de felicidade para Kaio. Por recomendação médica, o desenhista de baleias retorna à escola. Cursa o Infantil IV. Antes de entrar, preocupou-se com uma única coisa. “Me perguntou como iria pro parquinho com os amigos se não sabia andar (o garoto sofreu paralisia cerebral no parto e tem o movimento das pernas comprometidos). Expliquei que teria uma pessoa para ajudar e ele disse à ela: ‘vou logo dizendo, tia Lara, você não pode me deixar de cueca e deve me segurar direitinho, porque, se eu cair, a mamãe vai ficar muito brava’”.
As letras já são reconhecidas. Logo logo será o significado dos rabiscos de baleias que se descortinará e mostrará ao menino o quanto ele foi dono do traçado do próprio destino. Perdeu meses de ensinamentos formais no colégio, mas aprendeu com a vida. A preço de hoje, deve apenas evitar exposição a raios solares. Daí a árvore do pátio da escola ser companheira fiel daqui em diante.
A profecia de Kamila de que ninguém seguraria Kaio, feita ao O POVO em setembro último, começa a se cumprir. “Desde que ele nasceu, nada para mim foi normal. Às vezes, a gente até estranha tudo tão tranquilo. Mas fechamos um ciclo. Agora vai”. O poder de mãe. O arrebol da vida.
ENTENDA A NOTÍCIA
Além dos ensinamentos escolares, Kaio passa por sessões de fisioterapia. São grandes as chances de ele recuperar o movimento dos membros inferiores e ser uma criança sem qualquer limitação motora. As atividades são diárias, em casa mesmo e com a ajuda de uma profissional.
SAIBA MAIS
Para ser doador de medula óssea e salvar a vida de alguém (como a de Kaio foi salva), é preciso ter entre 18 e 55 anos; estar bem de saúde; não ter tido câncer; não ter comportamento de risco para DSTs e procurar o hemocentro mais próximo com documento de identidade e comprovante de endereço.
Ensinamentos antigos dizem que desenhos de baleias significam renascimento, luta pela libertação, vitória.
Por conta do tratamento para conter a anemia, Kaio ficou sem sessões de fisioterapia por um ano. Agora evolui bem.
Aos poucos, a família Cardoso volta à rotina normal. Kamila fez testes para voltar à advocacia e planeja ter outro filho. “Mas Kaio já avisou: só quer se for um homem”.
SERVIÇO
Mais informações sobre doação de medula óssea:
Internet
http://www.hemoce.ce.gov.br/ index.php/ medulaossea ouhttp://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/inca/portal/home
Telefone
3101 2296 (Hemoce)
Bruno de Castro
brunobrito@opovo.com.br
As informações são de responsabilidade do autor no:
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