[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Um solista apressado - Jornal do Leitor - O POVO ONLINE
cronica 11/09/2014 - 18h16

Um solista apressado

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UM SOLISTA APRESSADO

 

AVELAR SANTOS

Acatando ultimamente sensatas e oportunas ponderações médicas, mesmo a contragosto, tenho me distanciado - tanto quanto posso - léguas sem conta da boemia, das indizíveis farras homéricas, que apreciava bastante, e tentado a todo custo ser um mortal pacato, indo dormir cedo quase todas as noites. O sono, entretanto, por não ser regular e contínuo, como deveria sê-lo, não é de todo reconfortador.


Eis que um dia desses, obedecendo tacitamente a um impulso orgânico superior, resultante do endiabrado diabetes, acordei, e, ainda sonolento, automaticamente olhei as horas, estampadas, coloridas, no relógio digital postado perto da minha rede. No lusco-fusco reinante, tive dificuldades em enxergar bem o que este senhor do tempo cavalheirescamente me dizia. Aproximei-me mais um pouco e observei melhor os números mágicos que filtravam as horas sem parar. Se ele não estivesse enganado - e eu olhado realmente direito - faltava um minuto para as quatro da manhã. E foi aí, nesse exato momento, que eu ouvi um leve som, vindo do jardim, comedido, abafado, como se propositadamente não quisesse chamar a atenção ou ser notado, lembrando um longínquo e exótico canto de passarinho. Intrigado, apurei melhor os velhos ouvidos na tentativa infrutífera de identificar o que realmente seria aquilo.


Sem fazer barulho algum, abri devagarzinho, de par em par, a janela do quarto, recebendo, de boas-vindas, da irmã madrugada, uma gelada lufada de vento marinho no rosto - e pus-me completamente à escuta. Passados alguns minutos de curiosa espera, um pungente e melodioso trinado adejou suavemente o ar, como se fora uma feliz e bela borboleta, rompendo definitivamente o casulo do angustiante silêncio que se fazia. Mas, como podia ser isso, pensei teimosamente, se, despreocupada do mundo, a alvorada galopava toda prosa e encontrava-se ainda distante?


E deveras aconteceu! Como se pedisse desculpas diretamente a mim, exigente espectador, timidamente o solista mais novo daquela espetacular orquestra plumada iniciou de vez o seu show particular. Naquele instante, sozinho no palco, na copa mais alta da palmeira, o seu tempo de árduo – e raro - aprendizado fez toda diferença.Jascha Heifetz, exímio violinista russo, inscrito no panteão da glória ao lado de Paganini, certamente aprovaria com louvor sua brilhante performance. As notas musicais, benfazejas, puras, envolventes, vindas do céu, vibraram alegremente nos meus tímpanos e me diziam, sussurrantes, todavia com todas as letras do alfabeto, que, apesar de tudo, a vida era extremamente bela!


Despertados bravamente pelo glorioso artista que saudava magnificamente o dia que estava preste a raiar, os demais membros daquela magistral sinfônica alada, que me embala cotidianamente os sonhos perdidos de criança, postaram-se rapidamente em seus respectivos lugares e resolveram também aderir ao grandioso musical. Nunca vi tanta harmonia e tanta dedicação e tanto zelo em uma única apresentação! Nenhum musicista no mundo inteiro seria tão genial quanto se comportara o novato solista! Quando percebi, um riacho borbulhante de pequenas lágrimas corria ligeiro pelos sulcos profundos de minha face – e o sol já branquejava aquela abençoada manhã.


Dizem que a pressa não faz a perfeição. Isto é fato! Pelo menos, no que me diz respeito, até aquele sublime momento da estreia avassaladora do meu agoniado amiguinho emplumado. Assim como eu, sabe-se lá se o seu relógio biológico não está com algum problema, fazendo com que ele não durma o suficiente, e inadvertidamente esteja a confundir a hora do início do espetáculo matinal da Mãe Natureza. Ou será que ele malandramente anda arreando asa para uma charmosa colega de profissão e não quer perder tempo algum em cortejá-la, digamos, de forma mais poética e veemente?


Seja como for, bendito seja Deus Onipotente, Criador do Universo, que, na sua infinita sabedoria e misericórdia, dá, a cada uma de suas criaturas, dons diversos – e inigualáveis!

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