"Lado turvo, lugares inquietos" é um título sugestivo. Escolhido pela banda Máquinas para o primeiro álbum de estúdio, reflete a indiferença, nostalgia e os sentimentos reprimidos cantados nas letras.
"Esses temas são bem presentes em nossas vidas cotidianas", afirma o baixista e vocalista do grupo Allan Dias. Ele formou maquinas, como a banda assina, ao lado do guitarrista e também vocal Roberto Borges. As letras também vieram de Samuel Carvalho (voz/guitarra), que entrou para a formação no ano passado, com o baterista Ricardo Guilherme Lins. Saxofonista Gabriel de Sousa completa a formação.
Há três anos em atividade, o grupo cearense lançou EP (extended-play) homônimo experimental em 2014. As faixas já anunciavam um som urbano e introspectivo promissor. Ouça o EP maquinas:
Com os novos músicos, foi a vez deles entrarem em estúdio para gravar o que viria a ser o disco oficial de estreia. Produzido por Igor Miná, do Mocker Studio, o processo durou cerca de um ano. "Foi construído. Foi uma abordagem um pouco de experimentar e até desafiador", expressa Allan Dias. Ele ressalta que o trabalho de Miná foi essencial para o resultado. "Foi questão de afinidade". Miná produziu nomes como
Bonilas,
Capotes Pretos na Terra do Marfim e
Sátiros, que acaba de lançar disco.
O produtor lembra que recebia as músicas à medida que eram compostas pela banda. "A sonoridade do disco acabou bem mais rica", diz Igor Miná. "Foi um ano experimentando timbres e processamentos diferentes, formas diversas de se captar cada elemento". Ele já havia trabalhado na masterização do EP, mas o álbum trouxe a oportunidade de direcionar o processo inteiro de produção.
"Fizemos um pouco de tudo: afinações diferentes, guitarra tocada com chave de fenda, processamos a voz com pedais de guitarra, transformamos uma bateria captada acusticamente em eletrônica", explica. "'Heitor' (faixa 6) parece programada pelo timbre, mas é o Guilherme tocando. Experimentamos vários amplificadores, microfones, equipamentos analógicos".
Ouça a faixa citada pelo produtor:
Noise romântico fortalezense
A mistura de diferentes estilos como shoegaze, noise, jazz e o post-rock noventista resultou, como a própria banda gosta de brincar, no noise romântico. "É uma piada interna, na verdade. Adoramos brincar com essas coisas de gêneros porque no fim das contas nós realmente não sabemos o que definir", sugere. "Não tem uma música só minha, ou do Roberto, ou do Samuel ou do Ricardo. Construímos tudo juntos. É um processo quase de autoconhecimento".
Para o produtor Igor Miná, a mistura de estilos e a consistência do trabalho aponta para o grupo como um "exemplo local para a nova geração da cena".
As letram apontam para uma Fortaleza realista. "É enxergar que a Fortaleza de verdade não é essa cidade floral, praiana e de gente alegre e bem humorada que tentam nos fazer engolir. Essa visão distorce a realidade, que é melancólica", continua. "Uma cidade dividida e um tanto indiferente com o outro. Uma cidade preto-e-branco".
E quando letra e música se encontram, o resultado que maquinas passa é sensorial. "Nunca gostamos dessa estrutura que a letra dirige a música. A palavra não passa por cima do som, são duas forças motrizes em mesma intensidade".