São outros os tempos para a literatura infanto-juvenil. Seus leitores, acostumados a buscar por identificação - tramas e personagens que possibilitem algum reconhecimento - agora querem mais. Para eles, o que realmente importa é a promessa de uma projeção: o que podem vir a ser, o que podem vir a ter. Em Lucas e Nicolas, primeiro romance do jovem escritor paulista Gabriel Spits, adolescentes que enfrentam dúvidas e conflitos sobre temas de orientação sexual vão se sentir representados. Mais que isso, podem sonhar com a promessa de que, em algum momento, tudo vai ficar bem.
Estão lá as zombarias de colégio, as dificuldades de aceitação e convivência, a incomunicabilidade que se estabelece entre familiares, as dúvidas - sempre as dúvidas, e os sonhos de amor perfeito. Para uma juventude que já consegue suprir sua necessidade de identificação por meio das redes sociais - a formação de grupos virtuais é a prova disso - o livro de Spits vem como um último alento, como se assegurasse ao leitor que os contratempos são universais e que há uma luz - ou um arco-íris - ao fim do túnel.
Do autor, o único que se sabe é que tem vinte e poucos anos e que é fã de games, HQs e faixa marrom de caratê. Não existem fotos de Gabriel Spits circulando pela internet e qualquer contato com ele se dá por mensagem eletrônica. O mistério faz parte do charme valorizado por sua geração. Vende e instiga. Os protagonistas de seu livro, por outro lado, ganham um cuidadoso trabalho de concepção - sobretudo se levamos em conta que se trata de um romance para o público jovem.
Lucas é o típico loser do colégio. Bom aluno mas péssimo nos esportes, precisa suportar chacotas diárias do grupo de populares, que não perdem a oportunidade de gritar sua condição de homossexual. Em sua cidade de interior, a zombaria ganha proporções insuportáveis. Nicolas é tudo o que o outro não consegue ser. Bonito, forte e extremamente popular, nem parece alguém que acabou de chegar ao colégio. Seu ponto fraco são os estudos, e é justamente Lucas o designado para ajudá-lo.
Atento aos tópicos que mobilizam e atraem sua geração, o autor não se priva de comentar assuntos relacionados ao sexo e ao consumo de drogas. Embora seus protagonistas ainda não tenham iniciado sua vida sexual - o que pode acontecer em um segundo volume, conforme sinalizou o autor - há detalhes e insinuações que introduzem o tema. Também chama atenção a figura de um mendigo que perambula pela cidade e oferece aos garotos um cigarro de maconha, levantando discussões sobre responsabilidade e prazer.
Spits demonstra segurança ao escrever para essa faixa de público. Cuidadoso com seu texto, consegue escapar de soluções que poderiam pecar por um didatismo exagerado e infantil. O resultado é um livro que vai além do óbvio e que pode surpreender leitores de diferentes idades.
Serviço
Lucas e Nicolas, de Gabriel Spits
Preço: R$ 29
272 páginas
Fábrica 231
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